Cônsules lançam associação
6 de fevereiro de 2024Eletrobrás: assembléia debate empréstimo compulsório
28 de fevereiro de 2024A crise
econômica iniciada em meados do ano de 2008 afetou em grande escala o mercado
financeiro global, e teve origem em fatores tais como a denominada “bolha”
imobiliária norte americana, dentre outros aspectos importantes afeitos àquela
economia. Assim esclarecem os especialistas:
The current financial crisis was precipitated by a bubble in
the US housing market. In some ways it resembles other crises that have
occurred since the end of the second world war at intervals ranging from four
to 10 years.
However, there is a profound difference: the current crisis
marks the end of an era of credit expansion based on the dollar as the
international reserve currency. The periodic crises were part of a larger
boom-bust process. The current crisis is the culmination of a super-boom that
has lasted for more than 60 years.[1]
Os efeitos
assombrosos da crise – quebradeira de bancos, encerramento de atividades de
indústrias, demissões em massa – levaram os governos a instituir, às pressas, programas
de auxílio. Nesse cenário, o governo brasileiro editou a MP n.º 449, a fim de
instituir moratória em benefício de contribuintes inadimplentes com o fisco
federal, possibilitando o parcelamento dos débitos fiscais em 180 meses. A MP
restou aprovada, e, posteriormente, convertida na Lei n.º 11.941/2009.
Assim, os
contribuintes que aderiram ao parcelamento podem contar com a suspensão das
execuções fiscais sempre e quando os débitos incluídos no parcelamento
administrativo sejam aqueles mesmos buscados no processo judicial. A suspensão,
vale dizer, atende à exigência legal consubstanciada no artigo 151 do Código
Tributário Nacional, não se tratando de mera faculdade do Julgador, mas de
prescrição legal que deve ser obrigatoriamente observada.
E assim
determina a lei porque, em aderindo a parcelamento, o contribuinte deixa a
situação de inadimplência, e, em havendo inadimplência, não há razão que
sustente a manutenção do feito executivo. O débito existe, mas é por ora
inexigível, por força do que determina a legislação.
Concedido o
parcelamento, o crédito não está mais vencido. Novos prazos são estabelecidos
para o respectivo pagamento e por isto não pode, antes de esgotados esses novos
prazos, ser promovida pelo credor a cobrança do crédito.[2]
Importante
esclarecer que na maioria dos casos a adesão ao parcelamento é a última opção
do contribuinte, o qual, endividado em face da política fiscal vigente no país,
tem na moratória sua única opção de regularização tributária e continuidade de
suas atividades econômicas.
A experiência
tem demonstrado, entretanto, que a Fazenda Nacional empenha-se em manter ativas
as execuções fiscais de débitos parcelados, ao arrepio da lei e com a
conivência de alguns julgadores. Felizmente, os Tribunais pátrios vêm decidindo
de forma contrária, reformando as decisões de 1.º Grau e determinando a
suspensão das execuções de débitos garantidos pela moratória. Destacamos a seguinte
decisão:
DEFIRO, por ora, o efeito suspensivo pleiteado (CPC, art.
558), nos termos que seguem.
A agravante interpôs o presente agravo de instrumento, com
pedido de efeito suspensivo ativo, rectius, antecipação de tutela da pretensão
recursal, contra a r. decisão de fls. 530 dos autos originários (fls. 29 destes
autos), que, em sede de execução fiscal, indeferiu o pedido de suspensão do
feito e dos leilões designados em razão da adesão da agravante ao parcelamento
instituído pela Lei nº 11.941/2009.
Pretende a agravante a reforma da r. decisão agravada,
alegando, em síntese, que incluiu na consolidação a totalidade dos seus
débitos; que a adesão ao parcelamento instituído pela Lei nº 11.941/2009
importa no cumprimento de etapas diversas, as quais não dependem apenas de
diligências do contribuinte; que a etapa denominada “Conclusão da
Consolidação” ainda não foi definida, eis que depende de data a ser fixada
em ato conjunto pela PGFN/RFB; que o art. 151, VI, do CTN, dispõe que o
parcelamento suspende a exigibilidade do crédito tributário; que o art. 127, da
Lei nº 12.249/2010, dispõe que até a fase de indicação ou consolidação do
montante inserido na moratória, os débitos dos contribuintes que aderiram ao
programa devem ser considerados parcelados.
Requer a concessão do efeito suspensivo para obstar o
prosseguimento da execução fiscal e, ao final, seja dado provimento ao presente
recurso para reconhecer a nulidade da r. decisão agravada, acolhendo-se o
pedido de suspensão da execução fiscal.
No caso em apreço, a agravante objetiva a suspensão da
execução fiscal, em razão da alegada adesão ao parcelamento instituído pela Lei
nº 11.941/2009.
A agravante trouxe à colação o recibo de pedido de
parcelamento da Lei nº 11.941/2009 (fls. 523/526), bem como o recolhimento da
primeira parcela do parcelamento (fls. 531/532).
Por outro lado, a adesão ao parcelamento instituído pela Lei
nº 11.941/2009 configura hipótese de suspensão da execução fiscal originária,
que não deverá ser extinta enquanto não adimplido todo o crédito tributário
representado na correspondente CDA.
Dessa maneira, por cautela, deve ser determinada, por ora, a
suspensão da execução fiscal originária, com a conseqüente suspensão dos
efeitos do leilão eventualmente realizado em 20/10/2010, até que a agravada se
manifeste conclusivamente a respeito do parcelamento noticiado pela agravante.
Em face do exposto DEFIRO, por ora, o efeito suspensivo
pleiteado (CPC, art. 558), para determinar a suspensão da execução fiscal
originária, com a consequente suspensão dos efeitos do leilão eventualmente
realizado em 20/10/2010.[3]
Conforme vimos,
o CTN define expressamente que a adesão a parcelamento suspende a
exigibilidade, disposição que por si só já afasta as pretensões do fisco; além
disso, e reforçando a tese ora defendida, o artigo 127 da Lei n.º 12.249/2010 determina
que até a fase de indicação ou consolidação do montante inserido na moratória,
os débitos de contribuintes que aderiram ao programa devem ser considerados
parcelados.
É insensato
manter em curso uma execução fiscal cujos débitos foram incluídos em
parcelamento, já que tal procedimento implica no duplo pagamento de uma mesma
obrigação. Com efeito, se o contribuinte adere a parcelamento é porque está
ciente de que possui dívidas e está disposto a honrá-las; todavia, não dispõe
de meios para isto, pelo que escolhe lançar mão da oportunidade conferida pelo
Poder Legislativo, sob a condição de que sejam todas as execuções fiscais
pendentes suspensas e com isto suspensos os atos expropriatórios delas
decorrentes.
A pretensão do
fisco vai de encontro não somente aos textos legais aplicáveis à matéria, como
também aos princípios que norteiam a atividade da administração pública;
destaca-se neste ponto o princípio da legalidade, pelo qual o Poder Público
está adstrito ao império da lei. Outrossim, enquanto na esfera privada é
permitido fazer tudo aquilo que não está proibido por lei, na esfera pública o
agir somente poderá se dar nos limites do legalmente autorizado.
A moralidade é pressuposto
de validade de todos os atos da administração pública, a qual deverá atentar
para os efeitos práticos ocasionados por determinadas medidas. Obedecendo a
este princípio, o Administrador Público deve pautar sua conduta pelos
interesses da coletividade; neste caso, a sociedade possui indiscutível
interesse na observância à lei:
Não há
interesse público contrário à moralidade administrativa. Por igual, não será
moral a conduta, aparentemente discricionária, que ultrapasse as balizas
demarcadas pelos princípios da realidade e da razoabilidade que estão postos no
ordenamento jurídico de forma implícita e inafastável.[4]
Deve-se atentar
também para o princípio da segurança jurídica, o qual constitui-se em viga
mestra do Estado de Direito, integrando o seu próprio conceito, e que se
encontra ferido em face do agir do Poder Público nos casos semelhantes ao que
ora examinamos.
Além disso, a oposição
à suspensão do feito executivo fiscal configura sanção política, o que igualmente
merece o rechaço do Poder Judiciário. A sanção política é expediente desleal
utilizado pelo fisco como forma de constranger o contribuinte e obrigá-lo a
abrir mão de seus direitos. De fato, a primazia do interesse do poder público
não pode ser levada às últimas conseqüências – entenda-se por isso o fato de
ignorar preceitos legais e constitucionais – eis que os princípios não se
sobrepõem entre si, mas sim se harmonizam, com o fito de alcançar decisões mais
equânimes.
Veja-se que o
STF já manifestou sua repúdia ao uso de sanções políticas, conforme verificamos
da leitura do decisum abaixo colacionado, extraído de Ação Direta de
Inconstitucionalidade, verbis:
Caracterização
de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o
contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta
Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às
sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades
econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a
violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e
razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos
de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal
manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto
para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência
pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio
ato que culmina na restrição. (…) [5]
Idêntico posicionamento é mantido pela doutrina:
Os governos federal, estaduais e municipais devem
preocupar-se, sim, em entrar em juízo, cobrar, penhorar, em fazer valer os seus
direitos de arrecadação, mas nunca devem execrar o contribuinte, nunca devem
humilha-lo ou ameaça-lo como está sendo feito. (…) É preciso compreender que
a sanção política se dá por meio da invasão dos poderes públicos na esfera das
riquezas privadas. Isso está totalmente regulado na Constituição Federal e no
Código Tributário Nacional. Então, basta fazer valer esses direitos existentes.[6]
Os atos
praticados pelo Fisco em detrimento do empresário contribuinte revestem-se de
gritante tirania e violam os princípios emanados pela Constituição Federal. Tais
práticas, hoje tão arraigadas à Administração Pública, não podem contar com a
cumplicidade do Poder Judiciário, eis que não se pode admitir que o Estado, ao
abrigo da lei, pratique verdadeiras violências em face da dignidade e
patrimônio alheios, no afã de aumentar sua arrecadação. Esta afirmação encontra
guarida na idéia de que o Estado não encerra sua finalidade em si mesmo: ele é
um mero instrumento destinado à persecução de determinados fins e interesses
sociais.
Dra. Julia Fiorese Reis
[1] SOROS,
George. The worst market crisis in 60 years. Disponível
em: < http://www.georgesoros.com/articles-essays/entry/the_worst_market_crisis_in_60_years/>.
[2] Machado, Hugo de Brito. O Parcelamento como Causa de
Suspensão e de Interrupção da Prescriçãono Código Tributário Nacional. In Revista Dialética de Direito
Tributário, n.º 148, janeiro de 2008, p. 68.
[3] TRF3R, 6.ª Turma, Agravo de
Instrumento n.º 0031944-49.2010.4.03.0000/SP (2010.03.00.031944-5), Relatora
Desembargadora Federal Consuelo Yoshida, 22.10.2010.
[4] COSTA, Judith Martins. As funções do princípio da
moralidade administrativa (o controle da moralidade na administração pública).
Fonte: http://www.tce.rs.gov.br/artigos/pdf/principio_moralidade.pdf.
[5] STF, ADI 173
/ DF – DISTRITO FEDERAL, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Julgado em
25.09.2008.
[6] SIQUEIRA, Édison Freitas de. Débito Fiscal: análise
crítica e sanções políticas. Porto Alegre : Sulina, 2005, p. 57.