JUSTIÇA DE SÃO PAULO DETERMINA QUE O MUNICIPIO AUTORIZE A EXPEDIÇÃO DE NOTAS FISCAIS ELETRÔNICAS.
9 de fevereiro de 2024
Por que Rússia deve crescer mais do que todos os países desenvolvidos, apesar de guerra e sanções, segundo o FMI
18 de abril de 2024Nos últimos anos no Brasil, as políticas neoliberais de regulação e de austeridade [1] ganhou vozes e ações realizando uma transformação no papel do Estado, via redução drástica do Estado Empresário e modificação da legislação em prol da setor privado, \”revivendo\” um suposto e idealizado Estado Mínimo, de Adam Smith, do final do século 18 e do inicio da revolução industrial.
Assim, os questionamentos quantos aos limites dos poderes regulatórios públicos fomentam os debates, cujos argumentos devem ser colhidos e criticados, de modo a verificar a pertinência e veracidade dos modelos implementados.
Especificamente no campo da saúde, há quem argumente que a ação do Estado causou a diminuição da quantidade das operadoras privadas de planos de saúde no país, ou mesmo teria diminuído a flexibilização dos planos comercializados, com limitação à autonomia da vontade do consumidor e ao aumento da eficiência do setor.
Por outro lado, os defensores da presença regulatória do Estado indicam sua necessidade na defesa dos interesses da coletividade e para proteger/viabilizar o direito constitucional à saúde, enquanto serviço público executado pelo setor privado.
Nesse debate, interessante observar o comportamento dos agentes privados do segmento de saúde diante da pandemia do coronavírus (Covid-19), de modo a validar, ou invalidar, as visões apresentadas quanto a ação estatal na saúde ou não.
Assim, após a constatação de que a pandemia da Covid-19 havia chegado ao Brasil, observou-se um considerável movimento por parte da operadoras privadas de planos de saúde no sentido de negar cobertura à realização de exames clínicos para o diagnóstico e aos procedimentos terapêuticos necessários as enfermidades do Coronavírus, bem como impor limites ao período de internação hospitalar.
Nesse sentido, a Diretoria de Fiscalização da ANS elaborou material interativo, disponibilizado em seu sitio eletrônico [2], com a análise numérica dos efeitos da Covid-19 na saúde suplementar. Dentre os dados apresentados, verifica-se que no comparativo de março e abril de 2020, o número de reclamações por negativa de cobertura para exame mais que dobrou — aumento de 150% — e as reclamações por negativa de cobertura para tratamento ou internação aumentaram mais cerca de 600%.
A conduta dos planos privados de saúde chamou a atenção do Ministério Público Federal e em 19 de março de 2020 ele expediu ofício n.º 43/2020/AC/3CCR solicitando à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) providencias garantidoras da manutenção dos serviços médicos aos beneficiários [3].
Igualmente preocupada com postura das operadoras privadas de plano de saúde, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo ajuizou ação civil pública [4] em desfavor das seis principais operadoras do Estado, com o objetivo de garantir judicialmente os direitos dos beneficiários de acesso aos exames para diagnóstico e procedimentos de tratamentos indispensáveis à Covid-19.
Quanto ao referido pleito ajuizado, o juízo competente proferiu decisão liminar determinando às operadoras rés a liberação imediata de cobertura para o atendimento e tratamento em favor dos beneficiários suspeitos ou portadores da Covid-19, sob pena de multa de R$ 50 mil por paciente.
Dito isso, de pronto o argumento de que a ausência da ação estatal no setor da saúde aumenta sua eficiência passa a se tornar mito, uma vez que diante da pandemia sanitária internacional, a postura dos principais agentes do dito setor privado foi de negar a prestação de serviço e não torná-la mais eficiente e disponível.
Ademais, é necessário apontar que as condutas adotadas acima, no caso da Covid-19, se tornam ainda mais grave, pois a saúde trata-se de um direito social previsto na Constituição de 1988, nos termos do art. 6º, reconhecendo-se, portanto, o seu caráter básico na própria existência humana [5].
Na nossa ordem constitucional, o Estado (art. 196 da CR) é o verdadeiro responsável por assegurar o acesso aos serviços e ações na promoção, proteção e recuperação da saúde de cada indivíduo, bem como da coletividade, estabelecendo uma atuação estatal imprescindível, inclusive quando o setor privado presta tal serviço público.
Paralelamente, o texto constitucional também abriu oportunidade para a participação do setor privado na área do serviço público de saúde, nos termos do art. 197 e seguintes, dando sustentáculo ao já formado segmento da saúde suplementar no Brasil, que se desenvolveu nos últimos vinte anos sob a regulação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), nos termos da Lei Federal de n. 9.656/98.
No caso da pandemia, os comandos constitucionais e outros dispositivos infraconstitucionais são essenciais para obrigar as operadoras privadas de plano de saúde a cumprirem os contratos anteriormente firmados e garantir a assistência médicas de seus beneficiários.
Especificamente a respeito das medidas observadas no cenário de pandemia, deve-se registrar que a cobertura dos exames de detecção e infecção da Covid-19 já integram os planos de saúde básicos, nos termos do art. 10 da Lei n.º 9.656/98 [6] não havendo de se falar em negativa por parte das operadoras privadas. Igualmente, a limitação do período de internação hospitalar também encontra-se expressamente vedada pelo art. 12 da referida lei [7].
Outro argumento utilizado pelas operadoras privadas para a negativa de cobertura foi em relação ao período de carência dos contratos, contudo, como também se sabe, inclusive nos casos das doenças motivadas pela pandemia, a carência dos planos deve se aplicar os termos da Resolução n.º 259/2011 da ANS [8], ou seja: três dias para exames laboratoriais e tratamento imediato nos casos urgentes ou emergentes.
Por fim, as operadoras privadas de saúde também argumentaram que a Covid-19 não estaria relacionado nas doenças de cobertura obrigatória dos seus planos, e por consequências elas não teriam o dever de oferecerem coberturas nos tratamentos das enfermidades causadas pelo vírus.
Em resposta, a ANS demonstrou que tais doenças estão cobertas no plano básico em vigor e, para sanar qualquer debate, editou a Resolução n.º 453/2020 [9], incluindo de forma expressa os procedimentos e exame de Covid-19 no rol de cobertura de procedimentos obrigatórios.
Assim, se considerada apenas a legislação vigente, não haveria dúvidas de que os beneficiários de planos de saúde privado estariam cobertos, tendo assistência medica e hospitalar garantidas, no cenário de pandemia.
Além disso, a ANS também propôs um termo de compromisso com as operadoras privadas de plano de saúde para que elas mantivessem o pagamento dos profissionais e de estabelecimentos de saúde; abrirem canais de renegociação para os planos individuais, familiares e coletivos com até 29 vidas, administrando inclusive as eventuais inadimplência. Em contrapartida, a ANS flexibilizaria as regras de resgate de cerca de R$ 15 bilhões do fundo de reserva [10]. Fundo esse mantido como garantidor das operações das próprias operadoras privadas, nos termos da Resolução n.º 392/2015 da ANS [11]. Contudo, apenas nove operadoras aderiu ao termo [12].
Ademais, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar, um de cada quatro brasileiros são beneficiários de planos de saúde, sendo que no terceiro trimestre de 2019, a saúde suplementar teria registrado um total de R$ 158,7 bilhões em receita de contraprestações [13]. A título de comparação dos valores, o orçamento federal para a saúde no exercício de 2019 foi de R$ 127,07 bilhões, segundo o portal da transparência [14].
Não obstante, mesmo com a clareza da legislação e as ações da ANS, verificou-se na pratica negativas e abusos cometidos pelas operadoras privadas de planos de saúde. Assim, se constata que, posto a prova, ao menos no segmento da saúde privada brasileira, ficou evidente que a ação estatal é crucial a fim de garantir o direito constitucional da população.
Afinal, tão logo instaurada a pandemia e a ampliação das demandas de assistência médica e laboratoriais da enfermidades da Covid-19 e, consequentemente, o \”aumento\” no custo da prestação de serviços supostamente não contabilizados nas projeções financeiras realizadas, a reação imediata das operadoras privadas de plano de saúde foi pela negativa de cobertura, haja vista o aumento das reclamações por recusa de cobertura de exame e tratamentos [2].
Desse modo, considerando-se a pandemia um cenário teste das políticas econômicas neoliberais [15] brasileiras, a partir dos anos 90 do século 20 (regulação e austeridade), constatou-se a evidente necessidade do planejamento de política pública de saúde, e nesse caso concreto, com ações coordenadas e democráticas no combate à pandemia, devendo envolver o setor de saúde suplementar, mas sob a coordenação, regulação e atuação dos poderes públicos nacionais.