A senha para o Copom do Banco Central subir o juro foi dada ontem pelo mercado. A expectativa de inflação para 2010 furou a meta central de 4,5%. Pelo Boletim Focus divulgado ontem, a projeção de IPCA para este ano avançou de 4,50% para 4,60%. A estimativa do índice para os próximos 12 meses das cem instituições pesquisadas pelo BC também superou o alvo central, mas muito pouco, ao passar de 4,47% para 4,51%. Já o prognóstico para o ano que vem manteve-se em 4,50%. A expectativa de estouro da meta era o fator que o BC estava aguardando para desfechar um aperto monetário, mas não deve fazê-lo já na reunião do Copom de amanhã, a primeira do ano. O começo do ciclo de alta não deve, no entanto, passar do encontro de 17 de março.
Pelas regras básicas do sistema de metas de inflação, o papel do BC, enquanto coordenador das expectativas de inflação, é trazê-las de volta ao centro da meta sempre e logo que se desgarrarem. Tecnicamente, trata-se do que os documentos oficiais chamam de fazer “convergir” as projeções às metas. É claro que cada BC tem um modo específico e próprio para fazer isso. As autoridades monetárias não gostam de sacrificar crescimento econômico para que a convergência se faça o mais rápida e plenamente possível. No atual caso brasileiro, nem isso será preciso. Na prática, trata-se de sacrificar “excesso” de crescimento. O BC irá cortar gordura possivelmente danosa ao organismo econômico, preservando os músculos.
Por essa razão, e como não há uma disparada da inflação em todos os níveis, a mão monetária do BC tende a ser branda. Não precisa ter pressa porque ainda não utilizou a parte do arsenal destinada a retirar liquidez e a fechar a torneirinha do crédito sem ter de recorrer de imediato à alta do juro básico. Antes do descongelamento da Selic – está em 8,75% desde o Copom de julho do ano passado -, poderá recolocar as alíquotas dos depósitos compulsórios nos patamares em que estavam antes da redução patrocinada no final de 2008 para suavizar os impactos da crise externa sobre a economia brasileira. Na ocasião, o BC liberou à economia por meio do corte de compulsórios um pouco mais de R$ 99 bilhões. Os analistas acreditam que o manejo para cima ou para baixo dos compulsórios bancários é muito mais eficiente em produzir estímulos ou contrações monetários do que o instrumento clássico do juro básico. Enquanto o impacto completo deste sobre a atividade econômica se dá entre seis a nove meses, uma elevação do compulsório encarece o crédito e diminui o ritmo dos negócios de maneira quase instantânea.
Se ontem o mercado futuro da BM&F estivesse ativo, os juros, embora já incorporando prêmios vistosos, teriam subido mais ainda não só por causa da senha fornecida ao BC pelo Focus. O único índice de inflação divulgado ontem surpreendeu negativamente. O Índice de Preços ao Consumidor – Semanal (IPC-S) ficou em 1,10% na terceira prévia de janeiro, taxa acima não só do 0,78% registrado na medição anterior como também das expectativas. Os economistas projetavam avanço de 0,85%.
Sem a praça paulistana, o interbancário de câmbio mostrou ontem um giro de negócios equivalente a 20% do volume normal. Nem por isso o dólar deixou de subir. Na quinta valorização consecutiva, o dólar subiu 0,33%, cotado a R$ 1,82. O movimento de alta veio de fora. A deterioração da conta corrente do balanço de pagamentos não parece inquietar nem os operadores nem os analistas. Apesar de ter aumentado suas previsões de déficit em transações correntes para este ano (de US$ 45,5 bilhões para US$ 47,5 bilhões) e para 2011 (de US$ 55 bilhões para US$ 59,47 bilhões), as instituições pesquisadas pelo BC mantiveram estáveis as projeções de dólar em R$ 1,75 no final de 2010 e de R$ 1,83 em 2011. E isso apesar do mercado não acreditar que o investimento estrangeiro seja suficiente para cobrir o rombo. Neste ano alcançaria US$ 38 bilhões. Faltariam portanto US$ 9,5 bilhões para tapar o déficit externo. Essa cobertura poderia ser feita, sem problemas e sem usar as reservas, via captações da República.
Ou seja, o BC nem precisaria utilizar o principal trunfo do câmbio flutuante para zerar o déficit. Os defensores da livre flutuação argumentam que quaisquer desequilíbrios são compensados e zerados via taxa de câmbio. De tal sorte que excesso de superávit provoca apreciação cambial e o déficit será neutralizado por depreciação. Só que este segundo movimento tem custo econômico e social elevado. A depreciação provoca inflação cujo combate exigirá do BC a elevação do juro. A atividade se desaquece e se amplia o desemprego. Para o Focus nada disso acontecerá por causa dos déficits externos deste e do próximo ano.