Diversos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm decidido julgar processos sobre temas que serão analisados em repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo sob o risco de terem que mudar o entendimento no futuro, caso o Supremo decida de forma contrária. Nessa hipótese, caberia recurso na Justiça contra as decisões que seguiram o entendimento do STJ. Quando o Supremo concede o status de repercussão geral para determinada matéria, todos os tribunais suspendem os julgamentos de recursos que abordam o mesmo tema, até um pronunciamento da corte. A estratégia do STJ, no entanto, foi adotada diante do acúmulo de processos nos gabinetes dos ministros e da pressão pelo cumprimento da chamada ” Meta 2 ” , do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que determina o julgamento de todos os processos ajuizados até 2005.
O STJ defende que, a rigor, a repercussão geral determina apenas o sobrestamento de recursos extraordinários – destinados ao Supremo – e que, portanto, não impediria o julgamento de recurso especial, destinado ao STJ. A ideia se baseia em uma interpretação dos artigos 543-A e 543-B do Código de Processo Civil (CPC). Por esse entendimento, o sobrestamento estaria assegurado apenas caso venha a ser ajuizado um recurso extraordinário contra um acórdão do STJ. O primeiro acórdão nesse sentido, que se tem notícia, foi proferido em maio de 2008, quando a Segunda Turma do STJ decidiu julgar um processo que tratava de reajuste salarial de servidores estaduais e que também aguardava julgamento pelo Supremo. Outro caso ocorreu em junho deste ano. A Primeira Turma do STJ decidiu que a repercussão geral das causas relativas à cobrança de assinatura básica mensal de telefonia, reconhecida pelo Supremo, não tem o poder de sobrestar um recurso especial de mesmo tema.
Na semana passada, no entanto, a tese ganhou mais força no STJ. A primeira seção da corte – que reúne a primeira e segunda turmas -, decidiu julgar um recurso sobre a aplicação retroativa da Lei Complementar nº118, de 2005, ainda que exista o risco de o Supremo, posteriormente, decidir de forma oposta e causar uma enxurrada de novas ações. A norma reduziu para cinco anos o prazo para os contribuintes pleitearem a restituição de valores na Justiça. A discussão chegou ao Judiciário porque, em 2004, o STJ passou a aplicar a tese dos “cinco mais cinco anos”, pela qual o direito de ajuizar uma ação prescreve após dez anos do pagamento do tributo. No entanto, em 2005, a lei complementar reduziu esse prazo para cinco anos. Com isso, o STJ decidiu pela inconstitucionalidade de um dos artigos da lei, que previa sua aplicação retroativa. A questão está pendente de julgamento em um recurso no Supremo há dois anos, fazendo com que os processos sobre o tema aguardem uma posição da corte.
O problema é que, por envolver a prescrição do direito de ação, a Lei nº118 é questionada em milhares de processos sobre todos os tributos, ainda que não seja o tema central da ação. O ministro do STJ, Luiz Fux, por exemplo, conta que possui pelo menos 500 processos parados em seu gabinete por envolverem o tema. De acordo com o voto do ministro Fux, relator do processo, caso o Supremo julgue de forma diferente do STJ a matéria poderá ser reafetada para a seção. No entanto, segundo o ministro Fux, no caso o risco disso ocorrer é muito baixo. “Não é razoável que 50 anos após o Código Tributário Nacional, surja uma lei interpretativa do código. A Lei nº 118 teria que ser contemporânea ao código”, diz Fux. Segundo o ministro, não se trata de fazer “pressão” para que o Supremo julgue a ação, ou de afrontar a corte. “Trata-se de uma medida profilática para os próprios gabinetes visando o cumprimento da Meta 2 do CNJ”, diz.
O relator do processo sobre o alcance da Lei Complementar nº 118 no Supremo, ministro Marco Aurélio, decidiu não polemizar sobre a postura adotada pelo STJ. Mas não poupou críticas ao CNJ. “Eu não sou censor dos meus colegas do STJ. Cada juiz deve agir de acordo com a sua consciência. Mas veja a que leva a Meta 2”, diz o ministro, que afirma não considerar a pressão feita sob o Judiciário em razão da Meta 2. “Não se pode ver a atuação judicante como algo tarifado. Recebo 500 processos por mês em meu gabinete, trabalho de sol a sol, de modo que não posso produzir mais do que já faço.”