A semana passada deveria ter sido para os corretores no mercado acionário sentirem-se de bem com a vida. Nos EUA, as ações registraram alta de quase 60% em pouco menos de seis meses desde quando bateram no no fundo do poço em março. Por seu turno, o Federal Reserve declarou nesta semana que a atividade econômica se recuperou – os termos mais otimistas que o banco central empregou nos últimos tempos.
Crispin Odey, um dos mais respeitados gestores londrinos de fundos de hedge, vê as coisas de outro modo. Ele escolheu a quarta-feira, dia da declaração do Fed, para ruminar que a alta está “entrando em fase de bolha”. A palavra “bolha” denota uma visão extremamente emotiva, mas Odey foi capaz de justificá-la. Para ele, os mercados estão sendo distorcidos por tentativas deliberadas de governos de baixar o custo do dinheiro mediante compra de títulos, política denominada alívio quantitativo. “Em algum momento, o alívio quantitativo vai ter de acabar”, disse. “Mas, até que isso aconteça, esse mercado altista está sendo patrocinado pelo governo e todo mundo deve desfrutá-lo”.
Os comentários se fizeram sentir. Os comentários de Odey levaram a fortes vendas de ações. O temor de que o suprimento inédito de dinheiro barato de governos esteja criando mais uma bolha circula há meses em Wall Street e na City londrina.
Para alguns, tudo isso parece alarmismo. A história está cheia de exemplos de fortes altas após grandes ondas de venda. Não se vislumbram altas históricas nas ações de mercados desenvolvidos, como as registradas em 2007. Com base em parâmetros de valoração convencionais, as ações não estão, nem de longe, tão caras quanto no auge de bolhas de investimentos anteriores. Parece, também, ter sido sustada a queda livre na economia corrida no fim do ano passado. Além disso, a declaração do Fed sinalizou que os juros permanecerão baixos por algum tempo – o que abre o apetite para ativos de risco, como ações. Uma recuperação vigorosa para os preços das ações desde março, quando existia medo real de uma segunda Grande Depressão, parece razoável.
Mas ainda se justifica que indaguemos se estamos em meio a uma recuperação real ou a uma bolha. E há sinais preocupantes.
A alta ocorreu em meio a um crescimento econômico pouco acima de zero e desemprego ainda em alta. O índice S&P 500 de ações americanas já está muito acima das previsões de nove em cada dez estrategistas de Wall Street para o fim do ano, segundo pesquisa da Bloomberg. As preocupações predominantes são de que os consumidores americanos não retornarão a seus velhos hábitos de compra devido ao elevado desemprego e às dívidas a quitar. Existem também preocupações com a China, a outra importante fonte de crescimento, que conseguiu crescer apenas estimulando empréstimos. Foi evidente a queda das ações de companhias chinesas em agosto, quando as autoridades sugeriram um aperto de crédito.
A velocidade da alta é, em si mesma, motivo para preocupações. Historicamente, grandes grandes ondas de venda habitualmente foram seguidas por grandes saltos. Porém, mensurada pelo S&P 500, a alta atual é mais intensa, após seis meses, do que qualquer antecedente.
Relações entre mercados também sugerem níveis insalubres de especulação. Mercados de câmbio e bolsas de valores exibiam correlações mínimas antes que a crise se instalasse em 2007, ao passo que preços do petróleo e de ações evidenciavam normalmente uma correlação inversa. Mas neste ano petróleo e ações vêm subindo em sintonia, assim como caíram simultaneamente durante a crise, ao passo que as correlações entre dólar e bolsas continuam extraordinariamente altas.
A implicação de tais correlações é alarmante. Tim Lee, da Pi Economics, coloca a perspectiva da seguinte forma: “40% de toda a movimentação do S&P 500 pôde ser prevista ou pode ser explicada a partir da movimentação do iene e vice-versa. Se considerarmos, o que é bastante razoável, que o iene e o S&P 500 deveriam ser instrumentos fundamentalmente não interrelacionados, isso implica ter havido um colapso na avaliação eficiente de preços nos mercados”.
Então, podemos dizer tratar-se de uma bolha? A definição clássica, de 1978, vem do economista Charles Kindleberger. Para ele, bolha é um fenômeno de psicologia de massas. Refere-se ao último estágio de uma fase de investimento hiperativo, quando ativos são comprados “não devido à taxa de retorno sobre o investimento, mas devido à previsão de que o ativo ou título pode ser vendido a outra pessoa a um preço ainda mais alto”. A bolha estoura quando não há mais “trouxas” dispostos a pagar caro demais pelo ativo.
Assim, numa bolha verdadeira, as ações ficam enormemente sobrevalorizadas. Entretanto, medidas de valoração convencional de ações sugerem que elas ainda estão distantes de uma bolha verdadeira. Ações de companhias americanas estão sendo negociadas a 18,7 vezes mais do que seu lucro médio nos últimos dez anos, segundo dados compilados pelo professor Robert Shiller, da Universidade Yale. Historicamente, extremos em relações cíclicas preço/lucro sinalizaram acuradamente picos e vales de longo prazo no mercado. Por exemplo, o P/L cíclico era igual a 27 imediatamente antes da crise em 2007, e chegou a 43 no pico do boom da internet.
Mas é fácil argumentar que se trata de uma bolha em formação, embutindo o risco real de que possa passar à fase febril.
David Bowers, da Absolute Strategy Research, em Londres, que vem se mantendo otimista há algum tempo e recomenda manter posições em ações, diz: “É o jogo do mico em sua forma mais extrema. Quando estourou a bolha no setor de tecnologia, problemas nos balanços patrimoniais foram repassados ao setor domiciliar [às famílias, via hipotecas]. Desta vez estão sendo repassados ao setor público. É o fim da linha: não há mais a quem repassar os problemas”.