O Superior Tribunal de Justiça (STJ) retoma hoje o julgamento sobre a correção de empréstimos compulsórios da Eletrobrás e a decisão terá repercussões políticas, jurídicas, empresariais e acionárias. Os ministros da 1ªSeção do tribunal terão de definir se milhares de empresas que possuem créditos adquiridos em ações da estatal nas últimas quatro décadas terão direito à correção monetária dos valores. O julgamento certamente terá impactos nas ações da Eletrobrás, pois a companhia fez uma provisão de R$ 1,3 bilhão em caso de derrota na Justiça e admitiu formalmente que esse valor pode subir até R$ 3,3 bilhões.
No campo político, o debate no STJ mobilizou o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, que se reuniu pessoalmente com os ministros do tribunal para tratar do assunto. A partir do caso Eletrobrás, que começou a tramitar em fevereiro do ano passado no STJ, Lobão passou a transitar pela corte em defesa da estatal. Em encontros com os ministros do STJ, Lobão afirmou que uma derrota poderia levar a Eletrobrás à falência e custar até R$ 60 bilhões aos cofres públicos. A estatal é controlada pelo PMDB, sob a influência direta do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que indicou vários de seus diretores entre os seus aliados políticos.
O advogado-geral da União, ministro José Antonio Dias Toffoli, assumiu pessoalmente a defesa da Eletrobrás no STJ. Ele fez a defesa oral perante os ministros da 1ª Seção em outubro, quando teve início a votação. Na ocasião, a relatora do processo, ministra Eliana Calmon, concedeu em parte o pedido das empresas credoras da Eletrobrás. Na lista estão grandes companhias, como a Vale, a CSN, a Sadia e a Parmalat. Eliana considerou que as empresas podem pedir os créditos da estatal a partir da data da última assembleia geral ordinária que os converteu em ações. Essa assembleia ocorreu em 30 de junho de 2005. Segundo a ministra, as empresas possuem cinco anos para pedir esses créditos.
O problema, para as empresas, é que, após o voto de Eliana, o ministro Benedito Gonçalves antecipou um pedido de vista do processo. Além de suspender a conclusão do julgamento, o pedido de vista favoreceu a estatal, pois, se o STJ não concluir o caso até 30 de junho de 2010, os créditos estarão prescritos e as empresas não poderão mais requerê-los.
Após o pedido de vista, o STJ marcou pelo menos três datas para a retomada do julgamento, em março, maio e em junho deste ano. Nas três ocasiões, houve novos adiamentos a pedido do governo, o que gerou certo constrangimento no tribunal. Em junho, Eliana indagou com veemência quais eram os motivos que levavam o governo a pedir novo adiamento do caso.
Os sucessivos adiamentos foram criticados pelas empresas credoras da estatal. “É verdadeiramente constrangedor e paradoxal”, afirmou Sepúlveda Pertence, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), que advoga para uma empresa credora da Eletrobrás. Para ele, como o STJ suspendeu todos os demais recursos em tramitação sobre o assunto até a definição deste caso, o processo “não pode permanecer sem julgamento por tanto tempo”.
Por causa do agendamento do caso para hoje, Toffoli pediu ao Supremo que adiasse por um dia o julgamento de outro caso importantíssimo para o governo: a definição da validade do crédito-prêmio do IPI às empresas exportadoras. O julgamento do crédito do IPI foi transferido para amanhã pelo STF para que o advogado-geral pudesse estar presente nos debates de hoje, envolvendo a Eletrobrás, no STJ. Procurador pelo Valor, Toffoli disse preferir não se manifestar a respeito do processo da estatal, pois o julgamento já se iniciou e ele já apresentou sua defesa oral.
Ontem, o presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes, afirmou estar “apreensivo” com o julgamento no STJ. Ele disse que a estatal pode pagar mais do que provisionou em caso de derrota. “Provisionamos R$ 1,3 bi, mas o valor total depende das ações que virão”, disse Muniz Lopes, durante o Energy Summit, no Rio de Janeiro. Segundo ele, o número é indefinido. “Pode ser uma coisa de louco. Não queremos criar terrorismo. Mas quantas demandas virão? Como a Justiça interpretará as demandas que virão?”, questionou.
No plano jurídico, o STJ terá de definir a forma de correção de empréstimos compulsórios no setor de energia. No caso da Eletrobrás, a estatal converteu os valores dos empréstimos feitos a grandes consumidores de energia – empresas com contas mensais superiores a 2 mil quilowatts – em ações. O problema é que as empresas credoras desses empréstimos alegaram que a estatal não fez a correção monetária na hora de convertê-los em ações. A dúvida que os ministros do STJ terão de responder é: qual o prazo para os credores pedirem de volta o que teria sido pago a menos na hora da conversão do empréstimo em ações? Há duas hipóteses: ou a partir da notificação do valor das ações ou pela data da assembleia geral de acionistas da estatal. Eliana votou pela data da última assembleia. Os demais ministros deverão votar hoje, a partir das 14h. Isso se não houver novo pedido de adiamento.