O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, pediu demissão no último ciclo de alta de juros, em 2008. Naquele período, diante das pressões inflacionárias que se acumulavam, o BC sinalizou ao mercado que elevaria a taxa Selic. O Ministério da Fazenda começou a atuar nos bastidores para convencer o Palácio do Planalto a evitar que o aumento acontecesse. Em março, o presidente do BC, numa audiência reservada com o presidente Lula, mostrou números que justificavam uma postura mais conservadora em relação aos juros – naquele momento, o mercado já começava a apostar que o IPCA de 2008 ficaria acima do teto da banda (6,5%).
Meirelles saiu da conversa com Lula convencido de que o havia persuadido, mas, nos dias seguintes, percebeu que o clima em Brasília não estava nada amistoso. Em cinco anos de governo, Meirelles e sua equipe sempre tomaram as decisões sobre juros que julgaram técnicas e necessárias. Em alguns momentos, Lula ficou contrariado com o BC, mas, no fim, sempre renovou seu apoio. O dilema de Meirelles era que a economia brasileira estava, no segundo trimestre de 2008, em plena aceleração, mas às custas de um perigoso desequilíbrio – a demanda crescia a mais de 9% ao ano, enquanto a oferta avançava a 6%. A diferença estava sendo coberta pelas importações, resultando crescente déficit nas contas externas. Trazer a demanda para o nível da oferta exigia novo ciclo de aperto monetário e, por isso, tinha um custo político apreciável.
Diante desse cenário e percebendo a movimentação dentro do governo contra o BC, Meirelles procurou novamente o presidente Lula, dessa vez, no fim de semana que antecedeu a reunião do Copom do dia 16 abril. Na conversa, ocorrida no Palácio da Alvorada, Meirelles surpreendeu Lula ao colocar o cargo à disposição. Ao justificar o gesto, explicou que sua tarefa no governo estava cumprida e que, como a economia estava numa situação favorável, com crescimento acima de 5%, inflação dentro da meta (2007) e grau de investimento, o melhor momento para fazer uma troca de comando no BC era aquele.
O presidente não disse sim nem não ao pedido de Meirelles. Sugeriu que ia pensar no assunto. Dali a três dias, na reunião de 16 de abril, o Copom elevou a taxa Selic de 11,25% para 11,75% ao ano. A decisão provocou indignação no ministro da Fazenda, Guido Mantega. Segundo relatos feitos ao Valor, o ministro passou a defender a substituição do comando do BC. O argumento era o de que aquele novo ciclo de alta dos juros abortaria o crescimento em curso e jogaria o país numa crise de balanço de pagamentos em menos de dois anos, e o pior: no ano da sucessão presidencial.
Nesse ponto da história, o Valor apurou duas versões. Na primeira, Lula, atendendo à recomendação de Mantega, convidou o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. O professor da Unicamp recusou a oferta, alegando que o mercado financeiro não receberia bem o seu nome. Na outra versão, Lula jamais teria feito o convite a Belluzzo. Mantega conversou com o professor, mas o chamado do presidente nunca veio.
Alguns dias depois da reunião do Copom, Lula convocou Meirelles ao palácio e lhe disse: “Meirelles, esquece esse troço”. Nos meses seguintes, a inflação recuou e o PIB registrou – no terceiro trimestre – a maior taxa de expansão (6,8% em termos anualizados) em mais de uma década.