Depois de permanecerem “comprados” em dólar à vista por 19 meses, os bancos decidiram este mês passar à posição “vendida”. A aposta de que o real iria enfrentar um período de apreciação foi iniciada em julho de 2007, já nos primórdios da crise que então será somente de crédito. Naquele mês, o caixa registrado pelas instituições à vista no Banco Central passou a “comprado”, posição que perdurou até o mês passado. Nesse período, o dólar valorizou-se 27,4%, subindo de R$ 1,86 para R$ 2,37. Os bancos estavam corretamente “comprados” em dólar porque adivinharam que o dólar iria disparar ou a moeda valorizou-se tanto assim porque os bancos estavam “comprados”? Não se sabe se o “efeito tostines” prevalece aqui, mas o fato é que eles já estão “vendidos” num momento em que o dólar desaba. A moeda fechou ontem cotada a R$ 2,2510, em queda, só no dia, de 1,48%. Desde 2 de março já tombou 7,82%.
O BC divulgou ontem os dados relativos à balança cambial dos primeiros 10 dias úteis de março. Mas não revelou as posições à vista dos bancos. Mas não é difícil calculá-las a partir do fluxo. Como este foi deficitário em US$ 2,186 bilhões e como o BC não fez nenhum leilão de venda à vista da moeda, esse rombo foi inteiramente coberto pelas posições “compradas” dos bancos. Como tinham encerrado fevereiro com posição de US$ 954 milhões, cobriram o déficit e ainda assumiram posição “vendida” de US$ 1,23 bilhão. Para alguns economistas, as posições à vista carregadas pelas instituições não são “direcionais”, ou seja, não tiram lucro quer da alta, quer da baixa dos dólares. Para outros, ao contrário, elas não só representam uma aposta efetiva de alta ou de baixa como os bancos passam a agir nos vários outros segmentos cambiais onde atuam em função delas. Se assim for, as forças em favor da queda do dólar se tornaram em março bem mais poderosas. Na ponta contrária, há oponentes temíveis. Os bancos estão enfrentando os “hedge funds” estrangeiros ainda “comprados” no pregão de dólar futuro da BM&F em US$ 10,27 bilhões. Mas os comentários são de que estão loucos para se livrar desta posição. Dólar mais baixo abre espaço para quedas ainda mais profundas da Selic.
Oportunidade para a reforma da Selic
Ao exigir a entrada da política monetária em terrenos nominais raramente percorridos na história recente, a crise externa deveria ser aproveitada para a promoção de reformas mais amplas, ao invés de meramente se punir o poupador. Consultores independentes argumentam que o momento de reavaliação global das estruturais legais e operacionais que fizeram prosperar as especulações que desencadearam a crise mostra-se propício a uma faxina geral no “vespeiro irracional” que é o sistema financeiro do Brasil. A caderneta de poupança não é o principal problema. Ela é uma aplicação a prazo, de no mínimo um mês, e portanto é justificável plenamente, por qualquer teoria de juros, que tenha rentabilidade maior que aplicações por um dia. O que atropela a teoria é a existência hoje de fundos monetários (aplicação por um dia) que rendem mais que os financeiros (aplicação a prazo). Não parece haver nenhum risco de fuga considerável de recursos dos fundos de curtíssimo prazo para a caderneta, pois estes fundos abrigam recursos que sustentam fluxos de caixa. E estes, por sua natureza, não podem ser imobilizados por tempo mais longo. Frequentemente, se esquece de mencionar que a Selic não é a remuneração máxima dos fundos, mas a mínima, pois na composição das carteiras há títulos privados e mesmo títulos públicos de prazo maior que rendem acima da remuneração paga pela taxa básica.
A disposição de mudar as regras da caderneta poderia ser aproveitada para se fazer uma reforma de fato relevante do mercado monetário. A alteração mais crucial seria a desvinculação da Selic da remuneração dos títulos públicos. A partir daí se poderá obter rentabilidades diferentes em conformidade com o tempo de maturação de cada papel. Há hoje escasso incentivo ao alongamento da dívida. Pelo contrário, o excesso de liquidez é remunerado pela Selic plena (11,25% ao ano) enquanto uma aplicação longa, com vencimento por exemplo em janeiro de 2012 receberá 10,61%. A função exclusiva da taxa básica será a de gerenciamento das reservas bancárias, como ocorre em todo o mundo. E não a de premiar os especuladores de curto prazo. Se a Selic virar uma verdadeira taxa básica, os bancos poderão captar a uma taxa acima dela, como fazem todos os bancos do mundo, sem riscos de afetar os assombrosos spreads que cobram do tomador final em comparação ao que pagam ao aplicador, e sem risco de fuga dos títulos públicos mais rentáveis por tempo de maturação.
As discussões em torno da necessidade de se mexer na poupança parecem ser de natureza mais política do que técnica. Se a mexida for desajeitada, Lula colocará em risco a sua imensa popularidade e os seus planos de fazer o sucessor. Se alguma mudança for considerada inevitável, a sugestão dos consultores é que se eleve para três meses o tempo mínimo de maturação de um depósito em caderneta, sem alterar a sua rentabilidade. Pode-se também, sem reduzir o ganho, desbloquear o saldo para aplicação parcial fora do sistema financeiro da habitação, desde que haja compatibilidade entre prazos e taxas.