Mais regulação, mais supervisão, maior exigência de capital e limites à concentração bancária. Estes são alguns dos ingredientes da receita para consertar o sistema financeiro mundial, imerso na maior crise desde a Grande Depressão, conforme relatório do Grupo dos 30, organização privada que reúne alguns dos mais renomados economistas do mundo. O grupo é presidido por Paul Volcker, indicado para presidente do Conselho de Recuperação Econômica Presidencial do governo de Barack Obama.
Intitulado \”Reforma Financeira – Um Sistema para Estabilização Financeira\” o texto de 77 páginas foi escrito por Volcker, Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central do Brasil, e Tommaso Padoa-Schioppa, ex-ministro das Finanças da Itália, ambos vice-presidentes da organização, que conta com nomes como Timothy Geithner e Larry Summer (respectivamente escolhidos secretário do Tesouro e assessor econômico de Obama).
Não se trata de um documento pronto e acabado. A idéia, segundo Fraga, é que ele seja usado como partida na discussão sobre a reconstrução do sistema. Resultado de seis meses de trabalho, o documento apresenta 18 instigantes propostas que vão desde a adoção de uma política de requerimento de capital pró-cíclica (com maior exigência de capital dos bancos nos períodos de expansão da economia e do crédito) à imposição de limites nacionais sobre concentração de depósitos, para evitar uma excessiva concentração no sistema bancário, que dificulta uma supervisão efetiva. Esta, por sua vez, deverá ser estendida também às atividades não-bancárias (hedge-funds, private equities), que foram de grande relevância para a eclosão da crise e terão que ser reguladas.
Não é a primeira vez que reguladores tentam fechar as brechas que levaram a crises, e as instituições financeiras têm mostrado ao longo dos anos uma capacidade quase inesgotável para contorna-las. \”É um alvo móvel\”, afirma Fraga, que reconhece dificuldade em estabelecer uma regra que torne o sistema imune a crises. \”O que se espera é diminuir a chance de acontecer algo tão grande de novo.\”
Nas ofensivas regulatórias anteriores, como a que se seguiu à crise de 1929, que levou à separação de bancos comerciais e de investimento, foram cometidos exageros, que tiveram que ser corrigidos mais adiante. Nessa crise, banqueiros têm pedido moderação aos reguladores, para evitar o encarecimento de produtos financeiros e a destruição do espírito inovador do sistema.
Fraga diz que, ante os excessos cometidos nos anos recentes, é inevitável que a indústria financeira seja onerada com regras mais rígidas e exigência mais pesadas de capital. Mas pondera que, nem de longe, as novas regras vão matar a galinha dos ovos de ouro. Segundo ele, quando o sistema financeiro faz a intermediação de forma eficiente, pode correr mais riscos.
\”No Brasil, nunca caímos na ilusão de que o mercado sozinho iria resolver tudo\”, afirma Fraga. \”Talvez o nosso histórico seja próximo do que deve ser o consenso hoje\”, disse, se referindo às regras prudenciais sob discussão no âmbito internacional.
No desenho proposto pelo Grupo dos 30, os bancos centrais assumem papel de maior relevância na prevenção, até porque quando as crises acontecem eles são chamados a agir. Os economistas dizem que a história e as características jurídicas de cada país devem ser respeitados, mas como linha geral propõem que as autoridades repensem as estruturas regulatórias fragmentadas e sobrepostas, que criam brechas para as instituições financeiras escaparem das regras.
Os reguladores devem dispensar uma atenção especial para os bancos de grande porte, que trazem riscos sistêmicos mais graves. Em algum momento, eles terão que refletir sobre mecanismos para evitar o agigantamento do agentes. Fraga reconhece que em meio à crise não há como forçar a desconcentração, embora recentemente tenham surgidos casos disso (Citigroup e UBS).
Uma falha do sistema é a falta de mecanismos de resolução de crise para instituições financeiras não bancárias. No caso brasileiro, não há nem mesmo um instrumento desse tipo para os próprios bancos, com o fim dos programas de reestruturação, como o Proes e o Proer. \”Estamos no vazio e deveríamos aproveitar esse momento, que é bom para nós, para produzir um arcabouço que preencha esse buraco\”, sugere .
O sistema financeiro deverá reforçar seus controles sobre atividades básicas, como a geração de crédito. É por isso que uma das medidas propõe que, quando fizerem securitização, as instituições financeiras que geraram as carteiras retenham uma parcela expressiva do risco.
No caso das agências de \”rating\”, há conflitos de interesse porque são contratadas e pagas por quem faz a emissão de títulos. O certo, para o Grupo dos 30, é que fossem pagas pelos investidores, que são os maiores interessados pelas avaliações.