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9 de outubro de 2024Em 2010, foi promulgada a Lei nº 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), com foco na redução, reutilização, reciclagem, tratamento e descarte adequado desses resíduos. O principal objetivo dessa legislação é mitigar os impactos ambientais causados pelos rejeitos, utilizando diversos mecanismos para garantir seu destino ambientalmente apropriado.
Uma das maneiras de atingir as metas de regulação dos resíduos sólidos é a implementação das operações de logística reversa, definida pelo inciso XII do artigo 3º da citada Lei nº 12.305/2010 como um instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado pelo conjunto de ações, procedimentos e meios “destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos”, ou ainda a garantir a destinação final “ambientalmente adequada”.
Trata-se de um procedimento por meio do qual todos os envolvidos com o produto — seja na produção, venda ou consumo — compartilham a responsabilidade por seu ciclo de vida e têm o dever legal de assegurar o descarte adequado.
Diante desse cenário, que estabeleceu um ônus legal de se promover a logística reversa para determinadas atividades empresariais, as quais, em grande medida, são tributadas pelas contribuições ao PIS e à Cofins, surge uma relevante questão: os gastos com a implementação das operações de logística reversa poderiam ser classificados como “insumos” para fins de creditamento no regime não-cumulativo dessas contribuições?
Desde 2002, com o advento da sistemática do regime não-cumulativo, discutiu-se a natureza dos “insumos” para fins de creditamento, o que, a partir do julgamento, pelo STJ, do Recurso Especial 1.221.1/PR, foi entendido como um conceito que “deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item — bem ou serviço — para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”.
O critério da essencialidade corresponde a um elemento estrutural do processo produtivo do bem ou serviço, cuja falta compromete a sua qualidade, quantidade ou eficiência. Por sua vez, considera-se um dispêndio relevante quando a sua “finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção.” Em seu voto, a ministra Regina Helena Costa destaca que esta integração pode se dar por singularidades da cadeia produtiva ou, ainda, em decorrência de imposição legal.
Tais conceitos, de essencialidade e relevância, embora bem delimitados pelo STJ no citado precedente, são dotados de uma certa generalidade e abstração, motivo pelo qual demandam a sua conformação a partir da análise do caso concreto, ou seja, com algum grau de casuísmo.
Nesse sentido, um primeiro e importante ponto para precisar se um dispêndio com logística reversa se enquadra ou não no conceito de insumo é avaliar, de forma minudente, a atividade empresarial realizada pelo contribuinte em cotejo à sua efetiva realidade operacional.
Todavia, uma das discussões a respeito do creditamento dos dispêndios com logística reversa a título de insumos gira em torno do fato de tais despesas, em regra, ocorrerem “após” a consumação da cadeia produtiva do bem ou serviço, o que pretensamente inviabilizaria a tomada de créditos. Nesse sentido se manifestou a Receita Federal na Solução de Consulta 215/2021. Tal posição, todavia, nos parece equivocada.
Isso porque, para o exercício de determinadas atividades, o atendimento de certas exigências ambientais, inclusive de logística reversa, é fruto de imposição legal. Em outros termos, certas empresas são obrigadas, por normas cogentes, a incorrer em gastos necessários para a implementação dos procedimentos de logística reversa como forma sine qua non de viabilizar a própria existência da atividade empresarial então exercida.
Ou seja, sem a adoção destas medidas ambientalmente orientadas, não é possível à empresa operar, o que, por sua vez, inviabiliza a obtenção de suas receitas. Recorde-se que justamente este deve ser o critério orientador do conceito de insumos: precisar os valores essenciais ou relevantes empregados por uma empresa para exercer sua atividade econômica e, com isso, gerar receita.
Assim, é possível se inverter a ordem de pensamento a respeito deste tema: a logística reversa não é um dispêndio incorrido após a conclusão do processo produtivo, mas é a premissa inescapável do início da produção do bem. Sem ela, não há autorização legal para a produção e, logo, não há receita.
Como bem pontua a jurisprudência do Carf, o fato de um dispêndio ser posterior ao processo produtivo, não necessariamente o desnatura como insumo para fins de creditamento de PIS e de Cofins. Em verdade, essa posição restritiva e rechaçada pelo Carf, parte do já superado conceito de insumo que equipara o creditamento para PIS e Cofins com o creditamento para o IPI.
Exemplificando a posição do Tribunal Administrativo para a matéria, destacam-se acórdãos que permitem o creditamento das referidas contribuições no caso de dispêndios com o tratamento de efluentes, os quais se vinculam diretamente a ideia de logística reversa. A título de exemplo, o Carf, por meio de julgamento de recurso repetitivo (Acórdão nº 3401-012.499) e de forma unânime, reconheceu o direito ao crédito aqui analisado em favor de uma fabricante de papel, com relação ao dispêndio com tratamento de efluentes, considerando a essencialidade da água utilizada no processo produtivo do papel, para além “da óbvia constatação de que as regras ambientais brasileiras são claras na necessidade de tratamento de resíduos para evitar a contaminação de rios e fontes de água potável”.
Um dos pontos fundamentais para a conclusão acima alcançada foi o fato de o fabricante estar sujeito a diferentes imposições legais para o tratamento dos efluentes, que também é tema já tratado pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, no Acórdão 9303-008.400, no qual se afirmou que “a atividade industrial gera efluentes que precisam ser tratados e dada a destinação correta, por força da legislação ambiental. Dessa forma, as reversões das glosas dos créditos sobre os custos/despesas incorridas com (i) tratamento e destinação de efluentes industriais (…) devem ser mantidas, reconhecendo-se o direito de o contribuinte aproveitar créditos sobre tais custos/despesas”.
No mesmo sentido, destaca-se o Acórdão nº 3301-013.627, de relatoria da conselheira Sabrina Coutinho Barbosa. No referido julgado se discutiu a possibilidade de creditamento em relação ao processo de descarte adequado de embalagens de fertilizantes e agrotóxicos, chamado no voto de “resíduo agrossilvopastoril”. No caso, esse descarte adequado, decorrente de imposição legal, seria relevante à atividade empresarial, implicando a admissão do creditamento relativo aos gastos com seu transporte.
Conforme se observa dos precedentes aqui analisados, é possível afirmar que o Carf se posiciona no sentido de que a existência de imposição legal é um importante critério para autorizar o creditamento dos dispêndios relacionados à preservação do meio-ambiente, ainda que não integrem o processo produtivo.
Ademais, como desenvolvido no texto, o procedimento de logística reversa é uma premissa para a produção em si do bem, pois é condição sine qua non para o próprio exercício de determinadas atividades empresariais, uma vez que sem a implementação de determinadas medidas de logística reversa, algumas atividades empresariais sequer podem ser realizadas.
Por tais razões, acreditamos que o Carf, na eventualidade de enfrentar outros gastos incorridos – para além do tratamento de efluentes – com a implementação de sistemas de logística reversa por imposição legal, igualmente deve concluir de forma favorável à possibilidade de tomada de créditos de PIS e Cofins, de modo a integrar a sua jurisprudência, conforme prescrito no artigo 926 do CPC.
Por fim, como se não bastassem as razões jurídicas para autorizar o creditamento dos gastos com implementação de logística reversa pelo PIS e Cofins, o descarte inadequado de produtos – cujo combate é o objetivo último da logística reversa – é incompatível com o atingimento das metas de redução de emissão de gases de efeito estufa assumidas pelo Brasil no plano internacional.
Fonte: Conjur
