Os mercados americanos persistem comemorando os sinais de arrefecimento da crise econômica. Depois da onda de comunicados expedidos por grandes instituições informando a obtenção de lucros nesse primeiro trimestre do ano, agora é a vez de indicadores começarem a reagir aos vários planos destinados a recuperar a economia dos EUA. Após sete meses em queda consecutiva, o número de moradias cuja construção foi iniciada em fevereiro aumentou 22,2%, quando os analisas esperavam baixa de 1,3%. O ciclo deflacionista já não é tão notório ou assustador. Divulgado ontem, o PPI (Índice de Preços ao Produtor) subiu 0,1% no mês passado, após avanço de 0,8% em janeiro. O núcleo do indicador subiu 0,2% em fevereiro, em seguida a alta de 0,4% em janeiro. Mas os mercados brasileiros não reagem como se a crise americana fosse terminar amanhã. Se reagissem, os juros iriam parar de cair no mercado futuro da BM&F e o dólar não interromperia, como fez ontem, a sequência de fortes desvalorizações.
O CDI para a virada do ano recuou ontem de 9,99% para 9,96%. A taxa para o contrato com vencimento em janeiro de 2011 cedeu de 10,36% para 10,30%. E o swap de 360 dias caiu levemente de 10,02% para 10,01%. O juro real (o que supera a projeção de IPCA para os próximos 12 meses do boletim Focus, de 4,34%) recuou a 5,43%.
O pregão de juros futuros da BM&F opera na certeza de que o Copom do Banco Central irá insistir numa velocidade de corte que trará a Selic para aquém da linha divisória dos 10% já no primeiro semestre do ano. Para tanto, ele nem precisa perseverar no compasso de 1,5 ponto de redução. Basta, na reunião do dia 29 de abril, baixar a taxa em um ponto e, na seguinte, dia 10 de junho, diminuir o ritmo para 0,75 ponto, para que a Selic encerra o primeiro semestre no patamar de 9,5%. Para os analistas, parece óbvio que a taxa básica não recua abaixo de 10% se a economia americana subitamente fornecer indicações de que a recessão, limitada a este ano, será menos grave do que se temia O mercado nem precisa de uma sinalização mais consistente de ressurgimento vigoroso dos EUA para providenciar um freio ao juro doméstico. Mas os analistas, depois das frustradas previsões de que “o pior da crise já passou”, se recusam agora a enxergar um fundo no poço. O otimismo está fora de moda, mesmo em relação aos indicadores relativos à economia brasileira.
Foi assim na sexta-feira quando o IBGE divulgou a pesquisa de vendas do comércio varejista relativas a janeiro. Elas cresceram 6% sobre janeiro de 2008, o que informa uma expansão de 1,4% sobre dezembro. O varejo parece não ter sentido a crise. Sentirá? “Num segundo momento da crise, com a continuidade da deterioração doméstica, renda e desemprego devem começar a ser mais afetados de forma mais intensa, ou seja, o consumo, que é a maior parcela do PIB, deverá começar a sentir mais claramente no segundo semestre. A resiliência que se vê no volume de vendas em supermercados tende a desacelerar com a tendência de deterioração no mercado de trabalho”, responde Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Os riscos inflacionários parecem hoje desprezíveis. É claro que o Copom, na ata que será publicada amanhã, não irá abandonar inteiramente suas cautelas. Mas será difícil evitar certas constatações. A primeira é que, como mostra a MB, o IPCA acumulado em 12 meses já deve atingir 4,5% até meados do ano. Mesmo com altas em medicamentos, energia e outros fatores de pressão nos próximos meses, é provável que o IPCA fique rodando em torno de 0,35% até o final do semestre. “Tanto que ajustamos o IPCA de 2009 de 4,7% para 4,5%”, diz Vale. Para 2010, os riscos parecem ser menores ainda.
A pesada queda no volume negociado ontem no mercado interbancário de câmbio forçou uma trégua no movimento primário de desvalorização do dólar. Como a tendência macroeconômica favorece a apreciação cambial – o Brasil possui fundamentos externos que podem neutralizar parte da aversão global a risco, enquanto persiste pagando o maior juro real do mundo -, os especuladores “comprados” aproveitam os dias de baixa liquidez para promover puxadas artificiais de preço. O giro de negócios recuou de quase US$ 6 bilhões na segunda-feira para cerca de US$ 1,6 bilhão ontem. Quando a oferta de dólares se restringe, os hedge funds “comprados” em dólar futuro tentam suavizar os prejuízos recentes. Mas trata-se de missão ingrata. Ontem, a moeda fechou em alta de 0,35%, cotada a R$ 2,2850, mas no acumulado desde o primeiro dia útil de março registra perda de 6,43%.