Consórcio de empresas pode ser alvo de execução fiscal pela Fazenda, diz STJ
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8 de outubro de 2025A devida compreensão sobre o funcionamento das cooperativas é uma necessidade no Brasil, para uma adequada aplicação de normas e construção da jurisprudência sobre temas tributários a respeito desse tipo societário peculiar. Um exemplo dessa situação pode ser visto na aplicação, para as cooperativas, dos precedentes do Supremo Tribunal Federal envolvendo o direito à imunidade de contribuições sociais nas exportações realizadas de forma indireta.
Isso porque as cooperativas vivenciam autuações da Receita Federal exigindo contribuições previstas no artigo 25, inciso I e II da Lei nº 8.212/91 (o conhecido Funrural), vinculadas a exportações de produtos de seus associados (cooperados).
Neste cenário as cooperativas defendem que o atual posicionamento do STF a respeito da imunidade (Tema 674) deve ser aplicado às cooperativas exportadoras em relação à produção de seus cooperados, eis que a cooperativa funciona como mera representante do cooperado e responsável por providenciar a exportação da produção ao exterior. Ou seja, o que é exportado é a produção dos cooperados, porém, por meio da cooperativa.
Assim, na coluna de hoje, pretendemos identificar o entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) acerca dessa sorte de litígio, no qual a instância administrativa tem sido instada a se manifestar a respeito da pertinência ou não de aplicação da atual jurisprudência do STF sobre a imunidade de exportação indireta às cooperativas.
Para tanto, é necessário inicialmente apresentar a posição do STF acerca da aplicação da imunidade às exportações indiretas, bem como os argumentos das cooperativas para sua aplicação no Carf.
No julgamento da ADI 4.735, o STF considerou inconstitucional o artigo 170, §§ 1º e 2º, da Instrução Normativa nº 971/2009, que previa que apenas as exportações diretas estariam abarcadas na imunidade. No voto vencedor, prolatado pelo relator, ministro Alexandre de Moraes, após extensa fundamentação, argumentou-se que o artigo 149, §2º, inciso I da Constituição confere imunidade às Contribuições Sociais e de Intervenção no Domínio Econômicos em relação a toda e qualquer receita oriunda das exportações, incluindo aí o caso de exportações indiretas (em que o produtor/fabricante repassa a mercadoria a sociedades exportadoras para posterior envio para fora do país).
Concluiu-se que a finalidade da imunidade prevista é, justamente, a desoneração da carga tributária sobre transações que envolvam a venda ao exterior. Levando em consideração essa finalidade, decidiu-se que não há, portanto, justificativa legal suficiente para limitar o alcance da referida imunidade, haja vista, inclusive, que o dispositivo legal garante a imunidade sobre “receitas de exportação”, sem diferenciação entre operações diretas ou indiretas.
Em 2020, seguindo essa mesma linha, o Recurso Extraordinário (RE) 759.244/SP, de relatoria do ministro Edson Fachin, reconheceu, por unanimidade, a aplicabilidade da imunidade referente às contribuições sociais sobre receitas decorrentes de exportação intermediada por empresas comerciais exportadoras (trading companies), dando origem ao Tema nº 674.
Frisamos que, no referido RE, a despeito de ter se pontuado o artigo 22-A da Lei nº 8.212/91, a decisão é clara no sentido de que a finalidade da imunidade seria o estímulo à exportação e, portanto, entende-se que não há que se falar em exigibilidade das contribuições previdenciárias sobre operações de exportação de modo geral reguladas pelas disposições infralegais, porquanto estas ofendem a limitação constitucional ao poder de tributar representada pela imunidade tributária específica, abarcando, por tanto, também a contribuição prevista no artigo 25, inciso I e II da Lei nº 8.212/91.
Nesse sentido, considerando o escopo da imunidade em comento (fortalecimento da economia e o desenvolvimento nacional, além da efetivação do princípio do destino na tributação do consumo no âmbito exterior), fica claro que também as exportações que envolvem aquisições domésticas do produto, antes do encaminhamento à exportação para outro país, devem ser desoneradas. No inteiro teor da decisão da ADI 4.735 há trecho específico sobre o tema, sinalizando que “levando em consideração a finalidade da norma constitucional imunizante, não há como simplesmente cindir as negociações realizadas no âmbito das exportações indiretas, de modo a tributar as operações realizadas no mercado interno e imunizar exclusivamente a posterior remessa ao exterior“. O entendimento pauta-se no fato de que a expressão “receitas de exportação”, prevista no dispositivo constitucional, é genérica, sem trazer diferenciações entre a comercialização ocorrida entre produtor/vendedor e aquelas ocorridas com empresas comerciais com finalidade específica de exportação.
Transpondo tais precedentes à realidade das cooperativas que têm como objetivo receber os produtos dos seus cooperados e destiná-lo ao mercado externo via exportação, entende-se que o pagamento repassado pela cooperativa ao cooperado como remuneração da produção vincula-se exatamente ao bem protegido pela imunidade e, por isso, sobre ele não deve incidir a contribuição previdenciária ao Funrural.
Esse racional já foi adotado pelo próprio STF em pelo menos quatro oportunidades recentes, nas quais concluiu-se pela aplicação do entendimento firmado no Tema 674 às cooperativas que praticam operações de exportação. São eles: Ag.Reg. nos Emb.Decl. no RE 850.113; Ag.Reg. no RE 1.446.645; Ag.reg. no RE 647.141; e Ag. Reg. no RE 809.198.
Nos quatro casos, a 1ª e a 2ª Turma do STF, entenderam que se deve aplicar o Tema 674 às cooperativas, afastando a tributação do Funrural no momento da entrega da produção dos produtores à cooperativa com destino à exportação. Veja-se a ementa do Ag.Reg. nos Emb.Decl. no RE 850.113:
“Direito tributário. Agravo interno em embargos de declaração em recurso extraordinário. Imunidade do art. 149, § 2º, I, da CF. Aplicação às exportações indiretas feitas por cooperativa. 1. Ao manter a incidência da tributação na hipótese em análise, o acórdão recorrido terminou por divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal, que, ao apreciar o Tema 674 da RG, fixou a seguinte tese de julgamento: “(…)”. 2. O poder de tributar deve considerar a comercialização feita pela cooperativa, e não a transferência entre o cooperado e a cooperativa. Nesse contexto, por se tratar de uma operação que tem por objeto a exportação, ainda que de maneira indireta, é de rigor a incidência da imunidade prevista no texto constitucional” (grifos das colunistas).
Os casos julgados pelo STF refratam a premissa comumente adotada nos autos de infração lavrados pela RFB de que, por se tratar de uma operação interna entre cooperado e cooperativa, a incidência sobre a receita bruta do produtor rural se dá no mercado interno e, por isso, não atrairia a imunidade constitucional das exportações, como se observa do seguinte trecho do Ag.Reg. no RE 647.141:
“Argumenta que o presente debate diz respeito à aquisição – por parte da cooperativa – da produção agrícola dos produtores rurais cooperados. Isso, a princípio, caracteriza uma compra e venda interna e não externa. E sobre essa receita decorrente do valor da comercialização da produção rural deve incidir a contribuição previdenciária conhecida como Funrural, expressamente prevista no art. 25, I e II, da Lei nº 8.212/91, e RAT”.
Eis a decisão ora agravada:
Em que pesem as ponderações feitas pelo tribunal de origem, o fato é que o Tema 674 da repercussão geral aplica-se ao presente caso.
Não há reparo a fazer no entendimento aplicado, pois o agravo interno não apresentou qualquer argumento apto a desconstituir os óbices apontados.
O raciocínio foi ainda mais transparente no Ag.Reg. no RE 809.198, quando, trazendo à baila o quanto decidido pelo STF no 598.085/RJ, decidiu-se que a norma imunizante do artigo 149, § 2º, inciso I, da CF deve ser aplicada como se os atos interno e externo fossem um único:
“3. Conforme constou da decisão ora impugnada, a imunidade às exportações, ex vi do art. 149, § 2º, inc. I, da Constituição da República, é de caráter objetivo, razão pela qual é independente do agente econômico que efetiva a operação.
- Ademais, a decisão proferida pela Corte de origem resulta violação à isonomia tributária. A restrição da aplicação da norma imunizante apenas às indústrias poderia gerar grave falha de mercado ao privilegiar determinado setor, gerar a concentração do poder econômico, em detrimento ao pequeno produtor, no caso, pessoas físicas organizadas em cooperativa. (…)
- Tampouco procede a alegação de inaplicabilidade da mencionada tese pelo fato de o caso envolver sociedade cooperativa. Do Texto Constitucional, extrai-se a necessidade de se conferir adequado tratamento tributário às cooperativas que leve em consideração sua realidade diferenciada, em que realizados atos internos — de transferência entre o cooperado e a cooperativa, visando a seus objetivos institucionais — e atos externos — efetuados entre a cooperativa e o mercado.
- Sobre o tema, valho-me das explicações do e. Min. Luís Roberto Barroso, em voto proferido quando do julgamento do RE nº 598.085/RJ (Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 06/11/2014, p. 10/02/2015). (…)
- A percepção da realidade diferenciada das cooperativas resulta na conclusão de que a norma imunizante do art. 149, § 2º, inc. I, da Constituição da República deve ser aplicada como se os atos interno e externo fossem um único. Desta feita, é plenamente cabível a aplicação da tese firmada no julgamento do Tema RG nº 674 ao caso.”
Ou seja, o STF, em ambas as suas Turmas, não só já analisou a aplicação do Tema 674 no contexto da cadeia de exportações da produção dos cooperados realizada pela cooperativa, como ratificou expressamente que a regra imunizante do artigo 149, §2ª, inciso I, da CF se estende à entrega da produção rural do cooperado à cooperativa, porque, em todo e qualquer caso, deve-se observar a destinação final das mercadorias (i.e., se serão ou não exportadas).
Fonte: Conjur
