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15 de setembro de 2025O agronegócio ocupa posição central na economia brasileira e, ao mesmo tempo, é um dos setores mais expostos à volatilidade de preços, à sazonalidade produtiva e às tensões de crédito. Nesse cenário, a recuperação judicial vem sendo acionada por produtores rurais e, inclusive, por tradings agrícolas, com o objetivo de coordenar obrigações e preservar a atividade econômica. Para que esse objetivo não se converta em promessa vazia, é decisivo qualificar corretamente o que, numa trading de grãos, constitui o núcleo econômico indispensável à execução do plano.
O artigo 47 da Lei 11.101/05 orienta a preservação da empresa, da fonte produtora, do emprego e dos interesses dos credores de forma coletiva. Outrossim, o artigo 49, §3º, veda a retirada de bens de capital essenciais no stay period, enquanto o artigo 6º, §7º-A, confere competência exclusiva ao juízo da recuperação para suspender constrições que recaiam sobre ativos indispensáveis à atividade.
No caso dos estoques de grãos, a salvaguarda decorre da seguinte fundamentação: a conjugação do artigo 47 com a centralização dos atos constritivos no juízo universal, justamente para evitar que execuções isoladas esvaziem o ativo circulante essencial e inviabilizem o cumprimento do plano de soerguimento.
Em precedente, o Superior Tribunal de Justiça firmou que cabe exclusivamente ao juízo da recuperação avaliar atos constritivos que incidam sobre bens essenciais, inclusive quando se trate de créditos extraconcursais ou garantidos fiduciariamente. Essa centralização não apenas resguarda a lógica do princípio par conditio creditorum, mas também impede que a tutela individual de um credor comprometa a finalidade coletiva do processo de soerguimento.
Nesse contexto, recentemente, o juiz de Direito Osvaldo Alves da Silva, da 4ª Vara Cível de Cascavel (PR), reconheceu a natureza essencial da safra de milho produzida por empresa em recuperação judicial. Ao fundamentar a decisão, o magistrado ressaltou que, embora os créditos extraconcursais não estejam sujeitos aos efeitos da recuperação, o artigo 6º, §7º-A, da Lei nº 11.101/05 confere ao juízo universal a competência para suspender constrições que atinjam bens de capital essenciais à continuidade da atividade empresarial.
Respaldado em precedente do STJ, concluiu que a safra de milho, por integrar diretamente o ciclo produtivo, deveria ser qualificada como bem essencial:
“No caso em apreço, é incontroverso que a atividade principal da requerente é o cultivo de milho e a comercialização de sementes, cereais, leguminosas, dentre outros, os quais constituem o objeto central da empresa. Trata-se, portanto, de insumo essencial e intrinsecamente vinculado à cadeia operacional da empresa, de modo que deve ser declarada a sua essencialidade, a fim de viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor e preservar a empresa, sua função social e sua atividade econômica“.
Nessa perspectiva, o TJ-PR, em caso envolvendo trading agrícola, concluiu que os grãos estocados não configuram meros bens de consumo, mas elementos essenciais da operação comercial e financeira, devendo o crédito ser discutido no juízo universal da recuperação judicial.
Por outro lado, o TJ-MT, em precedente paradigmático, declarou expressamente a essencialidade dos grãos e plantio como bens essenciais, vedando atos expropriatórios durante o período de suspensão. O desembargador Sebastião de Arruda Almeida consignou em seu voto:
“No que tange a manutenção da fonte produtora, dos empregos e dos interesses dos credores, como bem expõe o Agravante “sem o grão não há nova safra/safrinha, sem o grão não há recursos para pagar sequer o diesel utilizado na própria colheita ou novo plantio e, por consectário lógico, acarretaria o fim do ciclo produtivo e da atividade, levando os recuperandos à bancarrota”, são fatos que justificam a ponderação dos direitos da recuperanda e seus credores, pena de comprometimento da finalidade legal do aludido instituto recuperacional.
Nessa toada jurídica, aparenta que suprimir os grãos da recuperanda, que são resultado do processo produtivo, é impedir que esta exerça sua atividade empresarial de ponta-a ponta, valendo-se na integralidade do conceito de empresa que é, justamente o exercer ‘profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços’ (artigo 966 do Código Civil/2002). Ou seja, sem poder exercer atividade econômica e sua função social constitucional, que também se relacionam a capacidade da recuperanda em estar ativa no mercado, envolvendo compra e venda de bens, fere-se de plano a disposição do art. 47 da LRF”.
Portanto, a análise da essencialidade dos estoques de grãos em processos de recuperação judicial de tradings agrícolas evidencia que tais ativos não podem ser reduzidos à condição de simples mercadorias disponíveis para expropriação individual. Ao contrário, configuram-se como elementos estruturantes do ciclo produtivo e do próprio modelo de negócios do agronegócio, representando não apenas a fonte imediata de receita, mas também a base material para viabilizar safras futuras, assegurar o cumprimento de contratos de exportação e manter a engrenagem econômica da empresa em funcionamento.
Sob a ótica do artigo 47 da Lei nº 11.101/05, a proteção dos estoques de grãos nas recuperações judiciais de tradings agrícolas revela-se como medida indispensável à preservação da empresa e da função social da atividade, pois é a partir deles que se viabiliza a continuidade do ciclo produtivo e a satisfação coletiva dos credores, reforçando o papel do juízo universal para o equilíbrio necessário ao efetivo cumprimento do plano de recuperação.
Fonte: Conjur
