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18 de abril de 2024O processo judicial, assim como concebido pelo legislador desde os primórdios do direito processual brasileiro, trata a relação das partes perante o poder judicial como uma tríade.
A referida tríade é formada pelas partes integrantes do processo como se uma \”pirâmide\” fosse. No topo está o magistrado, como representante do Estado-Juiz, sendo revestido, portanto, quando no intento de seu múnus como o próprio estado em pessoa. Já em ambas as bases da pirâmide encontramos as partes. A parte autora que provoca o Estado-Juiz, apresenta a suas razões, as quais surgem em virtude de uma pretensão que é resistida pela parte ré.
Busca-se a jurisdição do Estado quando se tem uma pretensão resistida. Pugna-se, a partir de então, pela determinação superior do cumprimento daquela vontade. No processo judicial é que se verificará, nos termos da lei, doutrina e jurisprudência, aquele que é detentor (ou não) de determinado direito.
Às partes é conferido ainda, ao título II, artigo 5º, LXXVIII da CRFB/88 (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) no âmbito do processo judicial e administrativo, o direito à razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Daí, consigna-se, que a relação das partes, no curso do processo deve se pautar sempre pelo princípio da cooperação e da boa-fé, incluindo-se o magistrado. O teor do artigo 6º do Código de Processo Civil vigente, neste sentido, reza que todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Quando não há pelas partes a referida cooperação no curso do processo, tampouco se observa os desígnios de boa-fé, torna-se necessária a imposição de penalidades pelo Estado-Juiz. O Código de Processo Civil, ao art. 80 e incisos seguintes, exemplifica as condutas que o jurisdicionado ao adotar incorrerá em litigância de má-fé. Senão, vejamos:
\”Artigo 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II – alterar a verdade dos fatos;
III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI – provocar incidente manifestamente infundado;
VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório\”.
Em que pese a clareza do caput do artigo 80, do Código de Processo Civil, na prática forense, criou-se alguns requisitos para que se proceda à devida punição daquele que litiga de má-fé.
Além da conduta se amoldar a uma ou mais hipóteses do supracitado artigo 80, tem-se entendido que a conduta da parte que litiga em má-fé deve gerar algum tipo de prejuízo à outra parte. Além disso, antes de eventual condenação, deve se garantir ao suposto litigante de má-fé o direito de defesa.
O artigo 81, do Código de Processo Civil, por sua vez, define como pena àquele que litiga de má-fé a condenação ao pagamento de multa superior a 1% e inferior a 10% do valor corrigido (i. e. atualizado) da causa.
Diante da sucessão indefinida de recursos processuais interpostos em face das decisões judiciais, tanto a legislação quanto a jurisprudência dos tribunais vêm buscando soluções para impedir o abarrotamento de processos, principalmente nos tribunais superiores.
Uma das principais medidas é a aplicação de multa por litigância de má-fé em virtude da oposição de reiterados Embargos de Declaração, os quais pela sua natureza processual suspendem os prazos para a interposição do recurso cabível, nos termos do artigo 1.026, do CPC, bem como é julgado pelo mesmo magistrado ou órgão julgador que proferiu a decisão hostilizada.
O atual entendimento que vem se consolidando no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a interposição de recursos cabíveis no processo, por si só, não justificam a litigância de má-fé ou ensejam a aplicação da multa prevista no artigo 81 do CPC, mesmo que os argumentos trazidos aos autos não traduzam qualquer novo fundamento apto a rebater a decisão recorrida e mesmo que os argumentos sejam os mesmos já reiteradamente refutados pelo tribunal a quo.
Contudo, em determinadas situações do processo, a interposição sucessiva e desmedida de recurso denota tão somente o dolo do recorrente de obstar o andamento, o que configura, por certo, o abuso de direito passível de multa por litigância de má-fé nos termos do atual códex.
Como dito, os Embargos de Declaração, pela sua declarada natureza processual, em muitos casos são utilizados pelas partes de forma estratégica a postergar o trânsito em julgado do processo e obstar o regular andamento processual. Tanto é que, prevendo tal situação, desde o CPC de 1973 é que o legislador incluiu a multa específica constante do artigo 538, parágrafo único que previa o seguinte:
\”Artigo 538. Os embargos de declaração suspendem o prazo para a interposição de outros recursos.
Parágrafo único. Quando forem manifestamente protelatórios, o tribunal, declarando expressamente que o são, condenará o recorrente a pagar ao recorrido multa, que não poderá exceder de 1% sobre o valor da causa\”.
Todavia, o teor do dispositivo do mesmo códex previa em seu artigo 17, V e VII, que a resistência injustificada ao andamento do processo e a interposição de recurso com intuito manifestamente protelatório era hipótese que justificava a aplicação de multa por litigância de má-fé.
Ora, a oposição de embargos de declaração com intuito manifestamente protelatório também se traduz como forma de oposição injustificada ao andamento do processo, justificando simultaneamente a aplicação da multa por litigância de má-fé e a aplicação da multa prevista pelo legislador quanto à oposição sucessiva de aclaratórios que não visam colmatar eventuais vícios da decisão hostilizada.
Em muito se entendeu como descabida a aplicação simultânea da multa do artigo 538, parágrafo único, do CPC/73 (regramento específico), e da multa por litigância de má-fé prevista no artigo 18 do Código anterior (regra geral).
O Código de Processo Civil vigente manteve os entendimentos, tendo como correspondente ao artigo 538, parágrafo único, do CPC/73, o artigo 1.026, §§2º e 3º, do CPC/15. Já o artigo 17, V e VII, do CPC/73 tem correspondência com o artigo 80, IV e VII, do CPC/15.
A discussão surgida daí era no sentido de justificar a incidência de duas reprimendas pelo mesmo ato. As teses no sentido contrário discursavam que a aplicação simultânea de multas representava verdadeiro bis in idem ao defender que a previsão legal presente atualmente no §2º, do artigo 1.026 é idêntica à previsão do VII, do artigo 80, do Código de Processo Civil vigente, além de que \”não há previsão legal que determine a cumulação das multas\”.
As teses em sentido contrário à possibilidade de cumulação de multas por litigância de má-fé militavam, também, no sentido de que na hipótese da má-fé verificada em sede de embargos de declaração deveria ser aplicado tão somente o regramento específico, ao passo que a regra geral somente é aplicável em demais hipóteses, observando o critério da especificidade das regras — lex specialis derogat legi generali — segundo a qual a regra especial prevalece sobre a geral.
No Tribunal Superior do Trabalho, houve hipótese em que a tese em sentido contrário à aplicação da cumulação de multas pelo regramento geral e especial foi aplicado.
De acordo com a ministra Maria Helena Mallmann, no julgamento do RR — 10486-76.2015.5.08.0129, o TST tem entendimento de que \”verificado o intuito protelatório dos Embargos de Declaração, aplica-se tão somente a penalidade específica, qual seja, aquela prevista pelo artigo 1.026, §2º, do CPC\”. A justificativa, para tanto, é de que a aplicação da multa cumulada à indenização por litigância de má-fé em decorrência do mesmo fato gerador (oposição de aclaratórios com intuito protelatório), não é possível, haja vista a ausência de previsão legal neste sentido. O entendimento foi ementado da seguinte forma:
\”PAGAMENTO DE DUAS MULTAS POR EMBARGOS PROTELATÓRIOS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CUMULAÇÃO PELO MESMO FATO GERADOR. IMPOSSIBILIDADE. Por ocasião do julgamento dos embargos de declaração, o Tribunal Regional aplicou duas multas de 2% sobre o valor da causa, por reputá-los protelatórios, e, ainda, determinou o pagamento de indenização de 5% por litigância de má-fé. Esta Corte tem o entendimento de que, verificado o intuito protelatório dos embargos declaratórios, é aplicável a penalidade específica a ele cominada no artigo 1.026, §2º, do CPC/2015, não sendo possível a aplicação simultânea da indenização por litigância de má-fé em decorrência do mesmo fato gerador (interposição de embargos de declaração protelatórios). Precedentes. No que tange à determinação de pagamento duas multas pela interposição de embargos declaratórios, a previsão constante no artigo 1.026, §2º e §3º, do NCPC, estabelece o pagamento da penalidade não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa, assim como a elevação do valor até dez por cento em caso de reiteração de embargos de declaração manifestamente protelatórios. No caso, embora o Tribunal Regional tenha evidenciado elementos suficientes para divisar o intuito procrastinatório da parte, não há previsão legal para aplicação quantitativa da referida penalidade processual, bem como não se constata a reiteração de embargos considerados protelatórios, o que torna forçoso limitar a aplicação de uma multa no valor de 2% sobre o valor da causa. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido\”.
Já a tese favorável à cumulação das multas geral e específica defende que tal aplicação dupla tem intento de desmotivar de pronto a insistente e sucessiva interposição de Embargos de Declaração manifestamente protelatórios. Cite-se assim, o entendimento conferido pelo ministro Mauro Campbell Marques quando do julgamento do REsp 979.505/PB, que consignou que \”na falta de modificação no comportamento das partes e de seus advogados — que seria o ideal —, torna-se indispensável que o Judiciário não compactue com expedientes utilizados unicamente com o objetivo de procrastinar o feito\”.
O Superior Tribunal de Justiça, diante da sensibilidade do tema, editou o tema repetitivo nº 507 em que a questão submetida tinha como pano de fundo declarar a impossibilidade da cumulação da multa aplicada em razão do caráter protelatório dos Embargos Declaratórios com a imposição da indenização decorrente do reconhecimento da litigância de má-fé.
A tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça na ocasião foi a de que \”a multa prevista no artigo 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil tem caráter eminentemente administrativo — unindo conduta que ofende a dignidade do tribunal e a função pública do processo —, sendo possível sua cumulação com a sanção prevista nos artigos 17, VII e 18, §2º, do Código de Processo Civil, de natureza reparatória\”.
Cumpre-se observar, portanto, que a tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça é de que as multas têm naturezas diversas. A prevista pelo artigo 81 do Código de Processo vigente tem natureza geral, ao passo de que a prevista pelo artigo 1.026, §§2º e 3º, tem natureza especial.
O entendimento do STJ não é isolado. O Supremo Tribunal Federal, por intermédio do ministro Celso de Mello (voto vencedor) ao julgar, o AI 207808 -ED – ED consignou o entendimento de que \”a norma de natureza especial não exige o \’intuito\’ manifestamente protelatório, isto é, dispensa a caracterização da culpa grave ou do dolo por parte do recorrente — exigida pela regra geral\”.
A interpretação reflexiva do dispositivo processual pelo STF foi no sentido de que o intuito do legislador ao incluir as duas normas dentro do mesmo códex não foi de conferir tratamento mais benevolente àquele que litiga de má-fé, haja vista que este se utiliza do expediente do manejo de aclaratórios com desígnio procrastinatório, incorrendo, pois, nas duas hipóteses legais.
Assim, os entendimentos que vigoram nos tribunais superiores, responsáveis pela interpretação da lei infraconstitucional e da carta magna reconhecem que a aplicação cumulada da multa por litigância de má-fé e a multa pela interposição de Embargos de Declaração com intuito manifestamente protelatório é totalmente cabível, haja vista a natureza diversa dos institutos processuais, sendo a previsão do artigo 80 e seguintes como regramento geral e a previsão do artigo 1.026 como regramento específico, de caráter administrativo, referindo-se à conduta que não fugindo à má-fé, ataca diretamente a dignidade do Tribunal em que o feito tramita.
Conclui-se, pois que surge a possibilidade de cumulação de ambas as multas sob a plausível justificativa de criação de mecanismos que evitem a interposição desmedida de recursos e a utilização, pelas partes, de subterfúgios que impeçam o regular andamento dos processos nos tribunais, impondo a aplicação de multas em valor que desmotive a adoção de condutas que afetam a dignidade da Justiça.