PAULO. O mais poderoso grupo de nações emergentes do mundo — o chamado Bric, que reúne Brasil, Rússia, Índia e China — terminou ontem sua segunda cúpula de chefes de Estado e de governo cobrando a fatura por ter ajudado a sustentar a economia mundial durante a crise. Na declaração publicada ao final do encontro, os quatro países ressaltaram que ajudaram “significantemente” a dar poder de fogo financeiro ao Fundo Monetário Internacional (FMI) durante a turbulência, por meio de aporte de capital, mas, mesmo assim, continuam subrepresentados na instituição.
Impondo prazo para que os países do Bric sejam atendidos, a declaração, assinada pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Hu Jintao (China) e Dmitri Medvedev (Rússia) e o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, afirma: “Nós demandamos que a reforma do poder de voto no Banco Mundial seja concluída na próxima reunião de primavera (que começa na próxima semana) e esperamos que a reforma de cotas no FMI seja concluída até o encontro do G20 em novembro deste ano”. O texto ressalta ainda: “Existe uma necessidade de aumento da participação dos países emergentes no FMI”.
Na esfera política, os Bric defenderam também uma reforma da ONU, fazendo uma referência indireta às candidaturas de Brasil e Índia a um assento no Conselho de Segurança da ONU.
“Nós reiteramos a importância que damos ao status da Índia e do Brasil nos temas internacionais e entendemos e apoiamos suas aspirações em ter um papel maior nas Nações Unidas”, afirma a declaração.
Para aumentar o cacife do bloco de maiores nações emergentes do mundo, os países confirmaram que vão aprofundar sua cooperação na área de comércio e estudar acordos de utilização de compra e venda de mercadorias em moeda local, a partir da coordenação de seus ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais. Reiteradas vezes os representantes do Bric afirmaram que o mundo deve contar com mais de uma moeda de referência. O documento também diz que é importante a manutenção de reservas elevadas e de políticas fiscais sustentáveis.
Diferentemente do encontro de Moscou, há um ano, quando ainda estavam na fase da criação de grupos de trabalho, os quatro líderes assinaram acordos de cooperação, ampliação do comércio e investimentos. O primeiro ato assinado pelos líderes foi uma cooperação entre os bancos de desenvolvimento do bloco para financiar projetos dos quatro países, como antecipou ontem o GLOBO. Esse pode vir a ser um projeto bilionário de um “BNDES dos Bric”.
— O acordo de cooperação entre nossos bancos de desenvolvimento vai nos permitir ampliar as atividades de fomento dos projetos de infraestrutura e a integração entre nossas cooperativas para estimular vários setores produtivos — afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao fim do encontro e antes do jantar oficial.
Terremoto na China antecipou cúpula Em sua intervenção, Singh enfatizou a necessidade da reforma não só dos organismos multilaterais, mas também do sistema financeiro global, abalado com a crise de 2008. Esta é a principal agenda imediata do Bric, já que na semana que vem ocorre a reunião de primavera do FMI e do Bird e os quatro países pressionarão por mudanças. O discurso político da declaração final vai orientar a atuação das equipes econômicas no evento.
— É preciso uma reforma institucional do sistema financeiro e da ONU. Nós apoiamos uma ordem mundial democrática, justa e multipolar com a ONU no centro — disse o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, em referência indireta à inclusão de novos membros no Conselho de Segurança da ONU.
Medvedev reforçou o coro: — A crise econômica mostrou a necessidade de fortalecimento do sistema financeiro internacional.
Hu apelou ao peso econômico do Bric para demonstrar a força do grupo para se colocar como interlocutor junto aos países ricos.
Brasil, Rússia, Índia e China detêm hoje 15% do PIB mundial.
De acordo com o FMI, o grupo deve ser responsável 61,3% do crescimento global no período de 2008 a 2011.
— Os quatro países tiveram papel importante no enfrentamento da crise e na retomada do crescimento — lembrou Hu.
O terremoto que atingiu a China no início da semana obrigou o presidente chinês a antecipar sua volta ao país. A decisão foi comunicada ao Itamaraty na quartafeira às 23h. Na programação inicial estava prevista para quintafeira uma cúpula do Ibas (grupo composto por Índia, Brasil e África do Sul) e o encontro do Bric só ocorreria hoje. Mas com a saída antecipada de Hu Jintao, os diplomatas das duas cúpulas mudaram a agenda e concentraram os eventos num só dia.
O economista-chefe do banco Goldman Sachs, Jim O’Neill, criador da expressão Brics, disse que a cúpula se tornou um evento político relevante devido à importância que essas nações têm hoje na economia global. Ao mesmo tempo, o evento evidencia a perda de representatividade dos organismos multilaterais