O mercado monetário parece estar querendo ler na ata do Copom que será divulgada na quinta-feira a intenção do Banco Central de suavizar o ritmo de corte da Selic já na próxima reunião, em 11 de março. Tal sinalização seria coerente com os alertas adicionados quarta-feira passada ao comunicado pós-Copom. O texto passa a idéia de que a baixa de um ponto foi meramente incidental, portanto não repetível. Mesmo que o Copom indique e depois concretize uma atenuação da baixa para 0,75 ponto, isto não é garantia de que a Selic não atingirá profundezas nominais há muito tempo não vistas
O que o BC não conseguiu com suas advertências acauteladoras, o IPCA-15 referente a janeiro obteve com relativa facilidade. A alta de 0,40% registrada pelo indicador, acima das expectativas do mercado, embora completamente forjada por reajustes sazonais previsíveis, reverteu a tendência de queda do juro futuro. Para alguns operadores, foi um mero pretexto para a realização de lucro por parte dos \”vendidos\” em taxa no mercado futuro de CDI da BM&F. Seja como for, o juro real avançou de 5,86% para 6,05%. Este era um dos efeitos almejados pelo BC quando indicou que o corte de um ponto feito na quarta-feira foi a \”parte relevante\” do ciclo de desaperto recém-iniciado. Mesmo com este alerta e o placar dissonante indicando a intenção de diminuir o ritmo de corte da taxa para 0,75 ponto na reunião seguinte, não logrou inverter o viés declinante do DI futuro. Os analistas levantaram a hipótese de o Copom invocar o IPCA mais alto como argumento para atenuar o ímpeto de queda. Apesar de mais elevado que os prognósticos, o patamar de 0,40% não é inteiramente desconfortável. Para o índice ficar dentro da meta central de inflação, de 4,5%, basta uma evolução mensal de 0,37%.
Ninguém está abandonando o combate à inflação. Mas acontece que a desaceleração da economia brasileira jogará o IPCA para o centro ou algo abaixo dele por mais audacioso que se revele o BC nesse primeiro semestre do ano. A economista-chefe do Banco Fibra, Maristella Ansanelli, projeta Selic a 10,5% ainda no primeiro semestre de 2009. Como a taxa está em 12,75% e faltam ainda três reuniões (março, abril e junho) até o final do semestre, a economista está supondo a possibilidade, entre outras, de instalação de um ritmo linear de 0,75 ponto a cada encontro. Ou seja, se o BC fizer questão de ser cauteloso e ortodoxo, mesmo assim a Selic ficará em patamar historicamente baixo. Para Maristella, a fraqueza do mercado de trabalho retira a contundência de eventuais pressões inflacionárias. Enquanto o contágio externo estiver batendo pesado na economia brasileira via commodities e crédito, enquanto o crédito local estiver racionado e a demanda comprimida por perda de renda e temor quanto ao futuro, falar em inflação é tergiversar sobre o nada.
A Selic não só reúne condições técnicas para cair mais fundamente como precisa cair para reduzir o spread bancário e normalizar o mercado de crédito doméstico. O nível da taxa básica oficial faz muita diferença, sim, nas condições de crédito. Como mostra o gestor de portfólio de crédito da Rio Bravo Investimentos, José Romeu Del Moro Robazzi, a Selic interfere em três aspectos: 1) ao reduzir o custo direto de curto prazo, a Selic menor aumenta a diferença entre o dinheiro com risco (aquele emprestado com spread) e o dinheiro sem risco (LFT e outros títulos públicos). O afrouxamento eleva, portanto, o prêmio para risco de crédito e pode atrair o emprestador; 2) ao definir um custo menor do dinheiro hoje e projetar mais quedas à frente, faz com que os juros futuros passem a embutir estas expectativas e o custo de longo prazo cai imediatamente, aumentando ainda mais o prêmio por liquidez e risco de credito, criando, portanto, incentivo para o banqueiro emprestar, desencaixando liquidez; 3) O juro para empresas que tomam empréstimos em CDI fica mais baixo, o pode ajudar a diminuir a inadimplência (um dos fatores classicamente usados para justificar os spreads elevados).
Se, no curto prazo, a redução da Selic não provoca um aumento da oferta de crédito, nem diminui as taxas prefixadas, no médio e longo prazos o movimento declinante tem um impacto considerável, pois as empresas com dívidas indexadas ao CDI vão pagar menos juros, os bancos vão enxergar mais prêmio no crédito e vão gradativamente voltar a emprestar assim que perceberem que estão realmente sólidos, e que suas carteiras não se deterioraram tanto. \”Para algumas empresas endividadas em CDI, o corte dos juros pode fazer a diferença entre quebra e sobrevivência\”, diz Robazzi. Portanto, Selic menor equivale a menos inadimplência, o que equivale a carteiras melhores nos bancos, o que equivale a mais capital para servir de base a novos empréstimos.