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20 de agosto de 2024A aplicação da tese fixada no Tema 677 do Superior Tribunal de Justiça em execuções fiscais tem levado tribunais de todo o país a reconhecer a existência de saldo devedor do contribuinte que fez o depósito judicial da dívida como garantia.
Aplicação da tese do STJ às execuções fiscais pode contrariar leis tributárias e prejudicar o contribuinte
A tese foi revisada pela Corte Especial do STJ em 2022 para fixar que, na fase de execução, quando um devedor deposita o valor referente à dívida, no todo ou em parte, ele não necessariamente fica liberado de pagar juros e correção monetária.
Esses encargos continuam correndo normalmente até o fim do processo, quando o dinheiro é levantado pelo credor. Nesse momento, é possível que exista uma diferença entre o valor da condenação e aquele liberado pelo banco que recebeu o depósito.
Isso acontece se o índice adotado pela instituição financeira para juros e correção monetária for menor do que o escolhido na decisão judicial. Nesse caso, haverá um saldo a ser quitado pelo devedor.
Até então, o STJ entendia que o depósito judicial deveria extinguir a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada. Em abril deste ano, a Corte Especial manteve a revisão feita e afastou a modulação temporal de seus efeitos.
A aplicação do Tema 677 em execuções fiscais não foi discutida no julgamento do STJ, mas tem sido adotada por Tribunais de Justiça. A revista eletrônica Consultor Jurídico encontrou exemplos nos TJs de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul.
São acórdãos que indeferem a extinção da execução fiscal pela satisfação do débito, após a conversão do depósito judicial em renda. Assim, o ente público fica liberado para seguir com a cobrança do saldo devedor.
Esses mesmos tribunais têm exemplos de acórdãos recusando a aplicação do Tema 677 em execuções fiscais. Existe, portanto, uma divergência que, até o momento, não chegou ao STJ para pacificação.
O saldo devedor pode aparecer principalmente em casos de tributos municipais. Nos impostos federais, a Lei 9.703/1998 determina que todos os depósitos judiciais devem ser feitos na Caixa Federal e atualizados pela taxa Selic.
Como a Selic é também a taxa de atualização do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, dívida e depósito crescem na mesma proporção, o que elimina a hipótese de saldo devedor.
Os demais entes têm liberdade para escolher suas próprias taxas de remuneração do crédito fiscal. Segundo o Supremo Tribunal Federal, estados e Distrito Federal só não podem adotar percentual maior do que o usado pela União. O STF ainda vai decidir se isso vale para municípios.
Já a remuneração do depósito depende dos contratos entre bancos e tribunais, em regra a partir de tabela estabelecida por cada corte. A diferença entre esses índices vai abrir a possibilidade de saldo residual nas execuções fiscais com garantia em dinheiro.
Um dos casos em que o Tema 677 foi usado trata da cobrança de IPTU pelo município de Caraguatatuba (SP) contra a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). A dívida é do exercício de 1999.
A Sabesp fez o depósito judicial do valor integral em 2007 e opôs embargos à execução, que foram julgados improcedentes. O valor foi levantado pelo município, que notou que faltavam R$ 2 mil, referentes a juros de mora e correção monetária.
O saldo devedor levou o juiz da execução fiscal a indeferir a extinção do processo pela satisfação do débito, decisão que foi mantida pela 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, mediante aplicação da tese do STJ.
No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 2ª Câmara Cível seguiu a mesma linha. Relator de um caso semelhante, o desembargador José Joaquim Guimarães da Costa destacou que a obrigação do banco de corrigir os valores do depósito judicial não impede a incidência dos encargos moratórios.
“A suspensão da exigibilidade da dívida tributária obsta a prática de atos constritivos, não importando na suspensão dos efeitos da mora”, disse o relator do agravo regimental.
“Não há que se falar em liberação do devedor nos casos em que o depósito é realizado para garantia de juízo ou em razão de penhora, permanecendo o devedor, portanto, obrigado a arcar com consectários de sua mora”, concluiu o desembargador Leopoldo Mameluque em um caso julgado pela 6ª Turma do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Para os tributaristas consultados pela ConJur, os tribunais erram ao aplicar o Tema 677 em casos de execução fiscal. Em primeiro lugar, porque esse procedimento é regido por regras específicas definidas em legislação especial.
A Lei de Execuções Fiscais determina nos artigos 9º, parágrafo 4º, e 11, parágrafo 2º, que a garantia em dinheiro por depósito ou penhora faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e por juros de mora. E o artigo 151 do Código Tributário Nacional fixa que o depósito do valor integral do crédito tributário suspende sua exigibilidade. Assim, se ele deixa de ser exigível, não caberia a cobrança de juros e outros encargos legais.
Em segundo lugar, porque o precedente do Tema 677 foi construído sob a dinâmica do processo de execução cível, em que os juros de mora inclusive podem ser convencionados entre as partes que assinaram o contrato.
Um exemplo dessa diferença de tratamento está no fato de que, no âmbito federal, o valor do depósito judicial é transferido pela Caixa Econômica Federal para a Conta Única do Tesouro Nacional, por determinação da Lei 9.703/1998.
Ou seja, a União passa a usufruir dos recursos imediatamente, antes mesmo de saber o resultado do processo. Nos processos civis, a parte vencedora só levanta o valor quando a decisão se torna definitiva.
São fatores que levam o advogado Bruno Teixeira, sócio do escritório TozziniFreire Advogados, a defender a inaplicabilidade do Tema 677 em execuções fiscais. “A dinâmica do processo de execução fiscal é diferente do processo de execução cível”, apontou ele.
Para Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado Associados, o problema do saldo devedor precisa ser enfrentado, mas não em prejuízo de quem fez o depósito de boa-fé. Caberia a estados e municípios igualar os índices legais para evitar a discussão.
“Isso deveria ser legislado para garantir que o contribuinte que faz o depósito integral do valor do tributo, lá na frente, não seja questionado, nem tenha de se defender da cobrança de um débito completar.”
O impacto dessa conduta dos Tribunais de Justiça não é só financeiro, segundo a tributarista. Aplicar o Tema 677 às execuções fiscais retira do devedor a alternativa de desembolsar dinheiro para evitar os efeitos da mora. Trata-se de uma proteção conveniente inclusive para o poder público.
“Além da insegurança, haveria, de fato, um grande desestímulo para a realização de depósitos judiciais, pois eles representariam uma ‘saída de caixa’, mas sem oferecer qualquer proteção adicional com relação à fiança bancária ou ao seguro-garantia”, afirmou Maria Andréia.
Mírian Lavocat, sócia do Lavocat Advogados, segue a mesma linha ao prever que o contribuinte vai preferir se valer de outras formas de garantir a execução, como a fiança bancária ou o seguro-fiança.
“Ao final da execução, para além dos valores depositados, os quais já impactam no capital de giro das empresas, o contribuinte se responsabiliza pelo pagamento de custas extras que, dependendo do valor da causa e da duração do processo, podem se tornar exorbitantes.”
Dados do Conselho Nacional de Justiça, no relatório “Justiça em Números”, apontam que o tempo médio de baixa das execuções fiscais é de sete anos e nove meses. Trata-se do principal gargalo do Poder Judiciário.
Mírian Lavocat ainda destaca que, nos casos de ação anulatória de débito fiscal, usada para contestar uma dívida já consolidada, não se admite substituição do depósito. A suspensão da exigibilidade depende apenas do depósito integral do valor.
“Portanto, caso esse entendimento se estenda à esfera tributária, aquele contribuinte que venha a optar por uma ação anulatória como meio de defesa a uma provável execução, além de realizar o depósito em dinheiro do valor integral do débito discutido — já corrigido até a data da propositura da ação —, deverá arcar também com os encargos excedentes ao final do processo, que poderá ter longa duração.”
Fonte: Conjur