Agravo de Instrumento: 452.308-5/6-00
Partes: Danapur Comercial Cosméticos Ltda. x FESP
Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Público do TJSP
Comentário:
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em julgamento de Agravo de Instrumento decidiu que precatórios devidos pelo FESP, podem compensar dívida do ICMS das empresas devedoras do Estado de São Paulo.
O Ilustre Julgador, Dês. Relator Nogueira Diefentäler, em sua decisão constatou inexistir óbice para a nomeação de precatório à penhora, desde que o precatório com o qual se pretende garantir a Execução Fiscal, seja dirigido contra o mesmo ente federativo que promove a execução fiscal, destacou ainda que é importante se constatar se realmente houve a cessão dos créditos em apreço e o pedido de substituição processual
Entendeu por fim o ilustre julgador que não há afronta de forma alguma ao artigo 170 do Código Tributário Nacional, como quis fazer crer a FESP em sua manifestação, pois não se está a cuidar de compensação mas de oferta de bem de valor integralizado, certo e indiscutível, se dando – como aceitável – a obrigação da Fazenda Pública de que os precatórios não tem valor em bolsa.
Tal decisão vem de encontro com o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal que vem decidindo no sentido de reconhecer a possibilidade de compensação dos débitos através de precatórios, senão vejamos:
DECISÃO: Discute-se no presente recurso extraordinário o reconhecimento do direito à utilização de precatório, cedido por terceiro e oriundo de autarquia previdenciária do Estado-membro, para pagamento de tributos estaduais à Fazenda Pública.
2. O acordão recorrido entendeu não ser possível a compensação por não se confundirem o credor do débito fiscal — Estado do Rio Grande do Sul — e o devedor do crédito oponível — a autarquia previdenciária.
3. O fato de o devedor ser diverso do credor não é relevante, vez que ambos integram a Fazenda Pública do mesmo ente federado [Lei n. 6.830/80]. Além disso, a Constituição do Brasil não impôs limitações aos institutos da cessão e da compensação e o poder liberatório de precatórios para pagamento de tributo resulta da própria lei
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Inicialmente cumpre-nos diferenciar as farmácias de
manipulação das farmácias em geral, em que temos a venda de medicamentos. Não
se pode confundir a natureza das atividades praticadas pelas farmácias de manipulação
com a das farmácias de simples venda de medicamentos, "medicamentos de
prateleira", produtos esses que a empresa já recebe prontos para a venda,
somente repassando ao consumidor. Enquanto na farmácia de manipulação temos
como principal característica do negócio jurídico uma obrigação de fazer,
confeccionar o produto, na farmácia de venda de medicamentos temos uma
obrigação de dar, entregar mediante venda ao consumidor produto confeccionados
por outros laborátórios. Vejamos a lição de José Eduardo Soares de Melo: "Os serviços
(obrigações de fazer) distinguem-se das mercadorias (obrigações de dar), sendo
irrelevante a significação econômica, os bens utilizados, e o fato de se
traduzirem em elementos corpóreos. É impertinente aplicar uma teoria da
preponderância com o objetivo de mensurar o custo pertinente ao esforço
intelectual e material (serviço), e aos bens aplicados (mercadorias)". [1] Assim podemos facilmente concluir de na simples venda de
medicamentos incide ICMS. Vejamos então o caso das farmácias de manipulação e a
materialidade do ISS. O Imposto Sobre Serviço foi inicialmente implantado pelo CTN
em 1966, em seus arts. 71, 72 e 73, que já em 1968 foram revogados pelo
Decreto-Lei 406/68. O Decreto foi recepcionado pela Constituição Federal de
1988 e apenas em 2003 tivemos nova legislação sobre o tema com a promulgação da
Lei Complementar nº 116/03. Tanto o Decreto-Lei 406/68[2] como a Lei
Complementar nº 116/03[3] trazem os aspectos fundamentais
do imposto, tal qual seu fato gerador, base de cálculo, e o local eleito como o
da ocorrência do fato jurídico tributário entre outros, e uma lista anexa que
define os serviços que sofrem a incidência do ISS. Tivemos muitas discussões doutrinárias e jurisprudenciais
acerca do ISS. Primeiramente foi questionada a legalidade de tamanha
intervenção federal num tributo de competência municipal e o desrespeito ao
pacto político e à soberania municipal. A seguir foi questionado se a lista
anexa ao Decreto-Lei 406/68 e a Lei Complementar nº 116/03 seriam taxativas ou
exemplificativas. Muitas discussões ocorreram também quanto ao local onde se dá
o fato gerador, se na sede da empresa prestadora ou no local onde o serviço é
tomado. Esses pontos não são o foco de nosso trabalho, assim passamos por eles
para irmos diretamente ao enfrentamento da questão proposta. A Constituição prevê a tributação sobre serviços em seu art.
156 ao discorrer sobre as competências municipais em matéria tributária. A
referência é direta ao expressar que os serviços tributáveis são os não
compreendidos pelo art. 155, II (de competência dos Estados) e definidos em Lei Complementar
(no caso a LC 116/03)[4]. Temos então que a tributação ocorrerá sobre o negócio
jurídico da prestação do serviço, sob o regime de direito privado, como
atividade fim do prestador. Como diz Gustavo da Silva Amaral: “... serviço possui a qualidade do esforço humano dirigido a
outrem (obrigação de fazer, lhe dá nota característica), com ganho econômico,
em caráter negocial e habitual, visando produzir um bem material ou imaterial,
não padronizado”[5] É importante frisar que o bem produzido pelo serviço
prestado não pode ser padronizado, pois assim teríamos a incidência de IPI e
ICMS, impostos de competência Federal e Estadual, respectivamente. Pelo que vimos até o momento, o serviço de manipulação de
medicamentos pelas farmácias de manipulação se enquadra perfeitamente ao
critério material do ISS. Temos a manipulação dos medicamentos como o serviço
de produzir produto não padronizado por solicitação de outrem, mediante negócio
jurídico de direito privado, com ganho econômico e realizado de forma habitual. Porém temos ainda a que verificar a Lei Complementar 116/2003. Todavia a lista
anexa e sua possível taxatividade não são grandes problemas visto que o item nº
4.07 elenca: “Serviços Farmacêuticos”. Assim não teríamos nenhuma dificuldade
em afirmar que a manipulação de medicamentos é serviço que sofre a incidência
de ISS. Outrossim, os Estados
realizam a cobrança de ICMS sobre os produtos resultantes deste serviço,
alegando ser uma atividade mista em que a entrega, ou seja, a venda do produto
seria a atividade preponderante, assim ignorando não só a LC 116/2003, que
trata do ISS, mas também a LC 87⁄96, que
trata do ICMS e dispõe: “Art. 2º O imposto incide sobre: (...) IV – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não
compreendidos na competência tributária dos Municípios" A questão é nova e a jurisprudência não está pacificada, mas
segue na direção da incidência exclusiva de ISS, com recente julgado do STJ[6] que declarou a
incidência de ISS e não de ICMS nesses casos. A decisão data de 16/10/2008 e com Relatoria do Ministro Herman
Benjamin, a 2ª Turma, de forma unânime, deu provimento ao REsp 975.105-RS,
interposto por Dermapelle Farmácia Ltda e outros contra o Estado do Rio Grande
do Sul. A decisão fez referência a julgado de março deste ano realizado na 1ª
Turma da Casa, REsp 881.035-RS, e assim, ambas turmas unificam entendimento no
sentido de que a incidência de ISS pelo serviço constante na Lista anexa à LC
116/03 afasta a incidência de ICMS. O fundamento do REsp 881.035-RS, de Relatoria do Ministro
Teori Albino Zavaski é claro e preciso: “... o ISS incidirá tão-somente sobre serviços de qualquer
natureza que estejam relacionados em lei complementar, ao passo que o ICMS,
além dos serviços de transporte, interestadual e intermunicipal, e de
comunicação, terá por objeto operações relativas à circulação de mercadorias,
ainda que as mercadorias sejam acompanhadas de prestação de serviços, salvo
quando esteja relacionado em lei complementar, como sujeito a ISS. Trata-se, como se vê, de normas que convivem em perfeita
harmonia, não havendo a menor dificuldade em sua interpretação. ... De tudo se colhe, em suma, o seguinte: (a) sobre operações
"puras" de circulação de mercadoria e sobre os serviços previstos no
inciso II, do art. 155 da CF (transporte interestadual e internacional e de
comunicações) incide ICMS; (b) sobre as operações "puras" de
prestação de serviços previstos na lista de que trata a LC 116⁄03 incide ISSQN;
(c) e sobre operações mistas, incidirá o ISSQN sempre que o serviço agregado
estiver compreendido na lista de que trata a LC 116⁄03 e incidirá ICMS sempre
que o serviço agregado não estiver previsto na referida lista. ... Ora, os serviços farmacêuticos constam do item 4.07 da lista
anexa à LC 116⁄03, que arrola os serviços sujeitos à incidência do ISSQN.
Assim, estabelecido que o fornecimento de medicamentos manipulados constitui
operação mista, que agrega necessária e substancialmente a prestação de um
típico serviço farmacêutico, não há dúvida de que, a partir da vigência da
referida Lei Complementar, tal operação não está sujeita a ICMS, mas sim a
ISSQN.”[7] Assim concluímos pela incidência unicamente de ISS sobre os
serviços de manipulação de medicamentos realizados por farmácias,
conseqüentemente sendo ilegal a cobrança de ICMS sobre esses serviços, pois
viola a LC 116/2003 e a LC87⁄1996. [1] Paulsen, Leandro, Impostos: federais, estaduais e municipais, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2004 [2] Decreto-Lei 406/68 Art.
1º O imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias tem como
fato gerador... Art.
8º (...) §
1º Os serviços incluídos na lista ficam sujeitos apenas ao
imposto previsto neste artigo, ainda que sua prestação envolva fornecimento de
mercadoria. § 2º O fornecimento de mercadorias com a prestação de serviços não
especificados na lista fica sujeito ao imposto sobre circulação de mercadorias. [3] Lei Complementar nº 116/03 Art.
1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios
e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes
da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante
do prestador. (...) § 2º Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela
mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à
Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual
e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva
fornecimento de mercadorias [4] Constituição Federal de 1988 Art.
156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155,
II, definidos em lei complementar. Art.
155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II
– operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda
que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (...) §
2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) IX
– incidirá também: (...) [5] AMARAL, Gustavo da Silva. “ISS – Materialidade de sua
Incidência”. In: Curso de especialização de direito tributário: estudos
analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Coord. Eurico Marcos Diniz
de Santi. Rio de Janeiro: Forense: 2007. p. 483/498. [6] Informativo nº 0372.
Período: 13 a 17 de outubro de 2008. Segunda Turma. SERVIÇO. FARMÁCIA. MANUPULAÇÃO. Trata-se de REsp em que o cerne da questão é saber se incide o ICMS ou o
ISS sobre os serviços prestados por farmácia de
manipulação. A Turma deu provimento ao recurso por entender que, no caso das farmácias de
manipulação, que preparam e fornecem medicamentos sob encomenda conforme a
receita apresentada pelo consumidor, há incidência exclusiva do ISS, visto que se trata de serviço previsto
expressamente na legislação federal (item 4.07 da lista anexa à LC n.
116/2003). Precedente citado: REsp 881.035-RS, DJ 26/3/2008. REsp 975.105-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 16/10/2008. [7] REsp 881.035-RS, Relator Ministro Teori Albino
Zavascki, 1ª Turma STJ, DJ 26/3/2008.
Ano : 2010
Autor : Dr. Vinicius Santos
A incidência exclusiva de ISS na manipulação de medicamentos por farmácias – ilegalidade da cobrança de ICMS
4. Esta Corte fixou jurisprudência na ADI n. 2851, Pleno, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 3.12.04, no sentido de que:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM DÉBITO DO ESTADO DECORRENTE DE PRECATÓRIO. C.F., art. 100, art. 78, ADCT, introduzido pela EC 30, de 2002.
I. – Constitucionalidade da Lei 1.142, de 2002, do Estado de Rondônia, que autoriza a compensação de crédito tributário com débito da Fazenda do Estado, decorrente de precatório judicial pendente de pagamento, no limite das parcelas vencidas a que se refere o art. 78, ADCT/CF, introduzido pela EC 30, de 2000.
II. – ADI julgada improcedente.”
Dou provimento ao recurso extraordinário, com fundamento no disposto no art. 557, § 1º-A, do CPC. Custas ex lege. Sem honorários.
Publique-se.
Brasília, 28 de agosto de 2007.
Ministro Eros Grau – Relator –
(grifos nossos)
No mesmo sentido o Ilustre doutrinador catarinense Alexandre Macedo Tavares em sua obra Compensação do Indébito Tributário, Edit. Juruá, 1ª ed., 2002, Curitiba, pág. 201, destaca que é cabível a compensação:
“Por sua vez, munidos desse documento probatório da mora da Fazenda Pública, cabe ao contribuinte pleitear administrativamente a compensação do crédito tributário com o débito emergente do precatório não depositado no prazo legal, porém, caso negada essa pretensão pela autoridade fazendária, face à inexistência do contencioso administrativo, restar-lhe-á aberta a via judicial, sendo que a demanda poderá encampar o caráter mandamental, cautelar, consignatório ou declaratório-positivo, no sentido de restarem devidamente vislumbrados os elementos ensejadores da compensação.”.
A mesma opinião tem o Magistrado Carlos Henrique Abrão, em sua obra O Precatório na Compensação Tributária, RDDT n° 64, janeiro/2001, pág. 55, onde aduz brilhantemente que:
“Estigmatizados os pontos cruciais que sinalizam a possibilidade de compensação da obrigações, por causa da existência do precatório impago, na radiografia subministrada é plausível assinalar algumas conclusões:
I – Admitiu a Emenda Constitucional 30, de 13 de setembro de 2000, no seu parágrafo 2°, do art. 78, a viabilidade de compensação entre o crédito tributário e o débito do precatório em mora;
II – Compensar-se-ão os valores desde que atendidos os pressupostos legais, cuja validade se adstringe às somas líquidas, certas, exigíveis, vencidas ou vincendas, tudo sob a provocação do interessado e manifestação da autoridade administrativa;
III – Emerge plausível a compensação quando a Fazenda Pública não depositar a soma do precatório, extraindo o credor (devedor do tributo)a certidão, documento indispensável a formalizar o pleito;
IV – Recusando a autoridade administrativa o direito à compensação, ou se omitindo na manifestação, compete ao contribuinte a propositura de medida judicial, cuja a liminar ou antecipação de tutela se faz admissível;
V – Vislumbrada a mora da devedora Fazenda Pública, presente cobrança da dívida ativa ou assente parcelamento do débito tributário, os fatores permitem, dado o lineamento de identidade, a compensação como forma de extinção obrigacional, predicado de celeridade e sobretudo de economia no relacionamento entre as partes, no color da tutela judicial.”
Deste modo, através do disposto na Emenda Constitucional de n° 30, o precatório é perfeitamente passível de compensação com tributos, independente da espécie, sendo perfeitamente aplicável os termos do art. 170 do CTN ao caso.”.
Dessa forma, diante do posicionamento maciço da doutrina e da jurisprudência em reconhecer a possibilidade de compensação dos créditos tributários através dos precatórios impagos, é de se ressaltar a legalidade de tal operação, não restando dúvidas sobre sua eficácia. Por fim, a aquisição de precatórios para a compensação dos tributos de ICMS é uma alternativa bastante viável para que as empresas possam reduzir a sua carga fiscal com lucratividade, pois nos parece óbvio que Precatório é dinheiro e paga ICMS.
Dr. Andre Luiz Corrêa de Oliveira