Precisamos voltar às leis intelectuais da linguagem, para compreender a ordem e a medida do nosso repertório jurídico. Pela lei da repartição, evoca-se, intencionalmente, a separação entre as palavras que antes eram sinônimas, e que tomaram sentidos diferentes ao longo do tempo, de modo que já não poderiam ser empregadas uma por outra, em determinadas circunstâncias.
O povo possui seus sinônimos e nada ingressa nesta coletânea de maneira absolutamente nova, o método de inclusão em nosso espírito é o da aproximação — uma relação com algo já conhecido. Contudo, os efeitos desta propagação de sentido por (supostos) sinônimos, podem se revelar desastrosos, inclusive quando lidamos com um conjunto de textos normativos. Para resolver possíveis problemas com o uso das palavras, é preciso colocar uma certa ordem, recaindo sobre nós um espírito demiurgo, uma vez que a construção de normas jurídicas não é o ofício de recolhedores de sinônimos.
Quando trazemos verbos como conceder, habilitar, apurar e exonerar, antes de atribuir-lhes o grau de sinônimos, devemos analisar as circunstâncias e os efeitos do uso, para reconhecer, no contexto em que se fala, se é possível empregar uma palavra pela outra, sem prejuízos à conceptualização do conceito buscado — neste caso, o de Reintegra. Nosso papel é exercer a diferenciação, e compreender como o uso distingue e subordina as palavras.
Reintegra é uma palavra nova, inserida no nosso dicionário jurídico em 2011, com a publicação da Lei nº 12.546. Obviamente, a etimologia do substantivo \”reintegra\” remonta à origem da humanidade, com o perdão do excesso retórico, todavia a forma empregada pelo legislador tem um pouco mais de uma década.
O fato é que, ao longo dos últimos anos, o regime vem sofrendo uma metamorfose semântica, como se diversos sinônimos pudessem ser-lhe atribuídos sem que fosse feita a devida diferenciação, dentre os quais: incentivo, benefício, subvenção, subsídio, direito. Sob o aspecto dos procedimentos aplicáveis ao regime, outros tantos termos são igualmente utilizados, sem deferência, tais como: concessão e habilitação. Nada obstante, o que podemos adiantar é: não cabe tudo na acepção da palavra \”Reintegra\”!
Como não há espaço para explorar todos os cenários, nesta oportunidade, optamos por enfrentar os termos concessão e habilitação, para excluí-los, definitivamente, do uso e compreensão do regime.
Concessão pode ser interpretado de muitas maneiras, a principal diz respeito ao ato de conceder, dar, permitir, facultar. Habilitação, por sua vez, significa aptidão, capacidade. Quando assimilamos verbos, logo devemos identificar quem os pratica. Afinal, verbo é uma classe de palavras que contempla noções de ação, de processo.
Quem concede o Reintegra? A quem compete habilitar ao Reintegra? A resposta é: ao legislador.
Observando a dicção das leis (re) instituidoras, não há referência aos verbos conceder ou habilitar. Esses são verbos habitualmente utilizados em situações nas quais a lei delega ao Poder Executivo a realização de atos administrativos prévios para averiguar as condições de adequação do contribuinte ao tratamento tributário especial por ele pleiteado. Tão logo as condições sejam satisfeitas, sem exigências, a concessão ou habilitação do contribuinte se manifesta através de Ato Declaratório Executivo (ADE), expedido a título precário e publicado na imprensa oficial.
Para o Reintegra, no entanto, não há atos de concessão ou habilitação, expedidos por uma autoridade administrativa. Os artigos 22 e 23 da Lei 13.043/2014 nos parecem claros ao destacar que há o direito de o exportador apurar o crédito. A lei autoriza o exportador a tomar a iniciativa de apuração, com total autonomia para exercer atos de concretização do direito.
Se comparado o Reintegra – norma tributária de crédito — à repetição de indébito, a lógica é exatamente a mesma. O enunciado do artigo 165 do Código Tributário Nacional (CTN) dispõe sobre o direito de o sujeito ter restituído tributo indevido ou a maior. Indo mais adiante, em um fluxo decrescente de fundamento de validade, eis que se observa o artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, prescrevendo o direito de o sujeito apurar crédito (…) passível de restituição ou ressarcimento.
Quando a lei autoriza apurar um crédito passível de ressarcimento, tem-se uma norma que permite o credor realizar a sua constituição, analogamente ao que acontece com o tributo pelo autolançamento. Tem-se uma norma autoaplicável. Neste sentido, é prescindível qualquer ato preambular da autoridade administrativa, seja por ausência de disposição legal, seja por ser incompatível com a modalidade eleita pelo legislador para devolver os custos tributários residuais.
Basta passear por regimes como Recap, Reidi ou Repetro, para perceber de que maneira se instrumentaliza a sua fruição. Diferente do Reintegra, os referidos regimes interferem na norma tributária de incidência, por esta razão a lei prescreve a habilitação prévia do beneficiário pela autoridade fiscal, mediante a instauração de um processo administrativo instruído com uma série de documentos, dentre eles a certidão de regularidade fiscal. O cerne da antecedência é o juízo de adequação do contribuinte ao pleito tributário exonerativo, o que não acontece para o Reintegra.
Argumentando no mesmo sentido, compartilhamos o posicionamento exarado no Parecer Normativo Cosit nº 4, de 01 de dezembro de 2015, que reconheceu a dispensa de certidão de regularidade fiscal sempre que não se tratar de benefícios e incentivos fiscais que implicam a alteração na regra matriz do tributo (item 22). E, ainda, que o próprio termo \”benefício\” traz a conotação de um tratamento diferenciado e favorecido, de leis específicas que pressupõem a liberalidade legislativa para alterar a regra-matriz de incidência tributária de forma discriminada.
Decididamente, pela lei da repartição semântica, o Reintegra também não se confunde com normas tributárias exonerativas.