Se o Brasil já enfrentava enormes desafios sociais antes da chegada da pandemia, os impactos causados pela COVID-19 tornaram a tarefa ainda mais complexa. Um relatório divulgado ontem pela Organização das Nações Unidas conclui que somente uma ação múltipla, com atenção especial voltada para o sistema público de saúde, para o crescimento econômico e para a redução de desigualdades, será capaz de retirar o país do momento difícil em que se encontra.
Com análises sobre distribuição de renda, combate à fome, sustentabilidade e preservação do meio ambiente, igualdade de gênero e saúde, a ONU sugere 55 ações para recuperação do Brasil diante dos prejuízos gerados pela pandemia. O estudo faz parte do relatório COVID-19 e Desenvolvimento Sustentável: avaliando a crise de olho na recuperação.
O relatório propõe medidas como priorizar a reabertura de escolas com segurança, garantir renda básica universal, conectar todas as crianças e adolescentes à internet até 2030, oferecer linhas de crédito verde atrativas e investir em cidades inteligentes. Algumas dessas metas já fazem parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, instituídos pela ONU e dos quais o Brasil é signatário.
O levantamento da ONU analisa 94 indicadores de vulnerabilidade e de capacidade de resposta à pandemia, a partir dos quais estabelece as diretrizes da retomada. O documento estabelece as condições para o Brasil superar os impactos da pandemia de maneira consistente e homogênea. \”Uma recuperação eficaz dependerá de esforços conjuntos para fortalecer os sistemas de saúde, reforçar a proteção social, criar oportunidades econômicas, ampliar a colaboração multilateral e promover a coesão social\”, afirma o texto.
O estudo é resultado do trabalho de especialistas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud); da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco); do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef); e da Organização Pan-americana da Saúde (Opas). Os analistas discutem parâmetros de implementação e acompanhamento de políticas de melhorias para o Brasil. De acordo com os pesquisadores, o processo de recuperação representaria uma \”oportunidade histórica para se reimaginar as sociedades\” e \”alcançar um futuro melhor para todas e todos\”.
Os especialistas consideram a pandemia \”a pior crise sistêmica já vivida no planeta\” desde a criação da ONU. Na avaliação deles, os impactos foram \”desproporcionais\”, \”aprofundaram desigualdades\” e dificultaram o \”alcance do desenvolvimento humano e sustentável estabelecido pela Agenda 2030 das Nações Unidas\” no Brasil e no mundo. \”Embora todos os países sejam afetados, sociedades mais desiguais são as que mais sofrem com as consequências\”, observa o relatório preparado em conjunto pelas agências da ONU.
Participaram da cerimônia de divulgação do relatório representantes da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz); do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); da PUC-Rio; do Instituto Unibanco; e do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). Houve ainda a presença de agentes da ONU envolvidos na produção do relatório: Katyna Argueta, representante residente do Pnud no Brasil; Marlova Noleto, diretora e representante da Unesco no Brasil; Florence Bauer, representante da Unicef no Brasil; e Socorro Gross, representante da Opas/OMS no Brasil.
\”Embora o Brasil tenha registrado importantes progressos no desenvolvimento humano nas últimas décadas, a pandemia se sobrepôs às tensões não resolvidas entre os que têm acesso à oportunidade e aos que não têm. Tornando mais evidente as diferentes formas de acesso dos brasileiros a importantes recursos como serviços de saúde, educação, proteção social, emprego digno e renda, assim como redes de tecnologia\”, disse Argueta.
O levantamento reserva uma parte específica à educação. Segundo o estudo, ao menos 147 países fecharam escolas por causa da pandemia, o que representaria mais de 1,4 bilhão de alunos afetados, ou cerca de 86% da população estudantil mundial – 5,5 milhões de crianças e adolescentes só no Brasil. \”Se no início da pandemia não foram considerados como grupos de risco direto, são elas, de fato, as vítimas ocultas da COVID-19\”, comenta o relatório.
A suspensão das atividades escolares não representa apenas impasses no aprendizado. Em muitos casos, ficar afastado das instituições de ensino também prejudica a segurança alimentar e o acesso à infraestrutura de saúde, água, saneamento e higiene. \”Os impactos para crianças e adolescentes podem perdurar por toda a vida\”, ressalta o estudo. \”Sem deixar de lado as medidas essenciais para conter a propagação do novo coronavírus, é preciso ter clareza sobre os impactos do fechamento de escolas por um longo período na aprendizagem, na nutrição – uma vez que muitos deles dependem da merenda escolar – e na segurança de crianças e adolescentes, em especial os mais vulneráveis\”, prossegue o documento.
O uso da tecnologia como alternativa para compensar a ausência do ensino presencial também tem problemas e desafios. O acesso desigual à internet pode provocar aumento de taxas de abandono escolar, trabalho infantil e gravidez na adolescência, de acordo com o relatório. \”No Brasil, 28% das famílias não têm acesso à internet, percentual que aumenta conforme a renda diminui e chega a 48% em áreas rurais\”, registra o relatório.