Em meio à desgraça que tem tomado conta do noticiário nos últimos meses, é provável que um fato notável tenha passado despercebido: a supreendente recuperação da economia chinesa. Depois de uma queda histórica de 6,8% no primeiro trimestre, em virtude da crise provocada pelo novo coronavírus, a China voltou a crescer no segundo: 3,2% em relação ao mesmo período de 2019.
O salto chinês de um trimestre a outro foi de 11,5%. Economistas já trabalham com a perspectiva de um crescimento robusto no ano que vem. Há quem fale em perto de 10%, superando a média estrutural chinesa, que gira perto dos 6%. Seria uma retomada sem paralelo. Transposta para os termos brasileiros, equivaleria a um crescimento anual de 5%, patamar que não registramos há dez anos.
Pare agora para pensar um pouco. Faz sentido tamanho otimismo diante da devastação que se abateu sobre as empresas brasileiras? Pelos dados do IBGE divulgados ontem, dentre 1,3 milhão de empresas paralisadas pela pandemia, nada menos que 716 mil fecharam as portas e não voltarão à atividade. Dessas, 522 mil atribuem a decisão de modo explícito ao novo coronavírus.
O exemplo chinês sugere, contudo, que tal situação poderia ser rapidamente revertida. Assim como a crise destruiu empresas e empregos de uma hora para outra, a retomada também poderia se dar de modo repentino, quase instantâneo, diferentemente do que aconteceu noutras recessões. O motivo para isso é a natureza da crise atual, em tudo distinta das outras, em particular da que se abateu sobre o planeta depois do colapso financeiro de 2008.
É um truísmo: crises econômicas derivam de problemas econômicos. Pode ser seca de capital, excesso de demanda, falta de oferta, solavanco no ciclo produtivo e uma miríade de fenômenos que os economistas costumam debater de modo acalorado e raramente compreensível.
Desta vez, contudo, a causa é externa. É aquilo que os economistas chamam, em seu linguajar peculiar, de “fator exógeno”. O novo coronavírus obrigou todos a ficar em casa para sobreviver e evitar o colapso do sistema de saúde. Centenas de atividades tiveram de ser interrompidas, houve ondas de demissão, empresas fecharam – como se o mundo tivesse sido obrigado a puxar o freio de mão ao deparar com uma barreira na estrada.
Mas não acabou a gasolina nem quebrou o motor. Todas as condições produtivas e mercantis continuam presentes: capital, instalações, gente para trabalhar e vender. Está tudo aí. O exemplo chinês mostra que, uma vez que se encontre um jeito eficaz de conviver com o vírus, é possível soltar o freio de mão e voltar a andar. Para eles, a estrada é uma descida, então a retomada é mais rápida.
No Brasil, com uma ladeira fiscal íngreme e incerta adiante, não dá para confiar numa aceleração tão pronunciada. Mesmo assim, o mecanismo é parecido. Os chineses mostraram que não é impossível retomar o trabalho e conviver com o vírus.
Depois do lockdown que extinguiu a epidemia em Wuhan – primeiro local a registrar um surto –, novas ondas foram suprimidas com quarentenas localizadas e programas de testagem maciça (como em Pequim). Escolas voltaram a funcionar. A população sentiu tranquilidade para sair às ruas e ir às compras.
Medidas de precaução, como máscaras e trabalho remoto, se disseminaram por todo o país. O investimento cavalar em pesquisa traz a esperança de que haja uma vacina num prazo tangível. Das 23 candidatas em testes clínicos, 8 são chinesas (ou usam tecnologia chinesa). Tudo isso transmite ao mercado a confiança necessária para investir e acreditar na volta a uma vida mais próxima da normal.
O exemplo da China mostra também o erro daqueles que, desde o início da pandemia, insistem no relaxamento nas medidas de isolamento como forma de amortecer o impacto econômico. Na verdade, a retomada depende da confiança, que só existe quando o avanço do vírus cessa (ou dá sinais de cessar). Quanto mais relaxadas as medidas de controle, mais difícil deter a expansão da doença e maior a insegurança dos agentes econômicos – sejam eles empresas, sejam consumidores.
O governo brasileiro, em vez de negar fatos científicos e insistir em drogas milagrosas e teorias conspiratórias para ganhar curtidas nas redes sociais, deveria garantir um acompanhamento profissional da pandemia. Em vez de militares e generais ignorantes, a gestão deveria ser posta a cargo de epidemiologistas e médicos qualificados.
O receituário para conviver com o vírus já é conhecido. Foi aplicado não apenas na China, mas em todos os países bem-sucedidos no controle da pandemia: obrigatoriedade de máscaras, proibição de grandes aglomerações (como torcida em jogos de futebol), incentivo ao trabalho remoto, infra-estrutura para testes em massa e isolamento dos infectados, restrições ao movimento nas regiões afetadas, quarentena radical para debelar novos surtos.
Está tudo ao nosso alcance. Se não tivéssemos um governo e uma elite política e empresarial tão ignorantes, com tanta resistência a estudar e a aceitar a realidade, seria perfeitamente possível – quem sabe? – alcançar um crescimento de 5% já no ano que vem. Claro que, nesse caso, não seríamos o Brasil, mas talvez um país mais parecido com a China.