Os “fundos abutres”, como são chamadas as empresas especializadas em comprar títulos de crédito vencidos, também estão sobrevoando o Brasil. Por aqui, esses fundos que estão levando a Argentina à beira de um segundo calote, estão de olho num mercado que cresce a cada ano e já soma quase R$ 500 bilhões em “papéis podres”, tanto de pessoas físicas, quanto de empresas. A explosão do estoque de crédito no país, que saltou de R$ 200 bilhões em 2001 para R$ 2,7 trilhões atualmente, fez a inadimplência crescer, e esse cenário interessa aos “abutres”. Para eles, os papéis com mais de 90 dias de atraso passam a oferecer excelentes oportunidades de ganho.
“O aumento do crédito, e o consequente crescimento dos empréstimos em atraso, fez aumentar a procura por títulos não pagos, tanto por empresas nacionais como por investidores internacionais. Por ano, já são negociados até R$ 20 bilhões em títulos atrasados no Brasil”, diz Raul Schikmann, diretor da área de reestruturação da consultoria KPMG, que organiza a venda dos chamados “títulos podres” de empresas e bancos.
O consultor Celso Portásio, sócio da RGF & Associados, que oferece soluções financeiras para donos de empresas, lembra que, diferentemente dos bancos, os “fundos abutres” não têm relacionamento de longo prazo com as empresas devedoras. Assim, são mais enfáticos na cobrança. “Eles são mais agressivos para cobrar a dívida, mas sempre de forma legal. Vão à Justiça e não medem consequências para reaver o dinheiro. Por isso, a maior parte dessas empresas têm advogados entre seus sócios”, lembra Portásio.
A pejorativa classificação de “abutre”, usada porque negociam com quem está com a corda no pescoço e à beira da falência, não chega a ser um problema para quem atua no ramo. “Não me importo com o fato de empresas como a nossa serem chamadas de abutre, desde que nossa função seja entendida. Como numa cadeia alimentar, limpamos o sistema financeiro desses papéis podres para os bancos, mas com valor para nós”, diz Guilherme Ferreira, sócio da Jive, que comprou por R$ 800 milhões a carteira de securitização do banco Lehman Brothers no Brasil, quando este quebrou em 2008.
A Jive atua nesse segmento há sete anos, quando foi fundada. Hoje, já tem ativos equivalentes a R$ 4,1 bilhões do valor de face, sendo R$ 1,5 bilhão de títulos não pagos de empresas e R$ 2,6 bilhões de pessoas físicas. Ferreira explica que os números do Banco Central mostram que, este ano, o total de títulos de crédito em atraso, entre 90 e 360 dias, é de R$ 200 bilhões. “Além do estoque de títulos em atraso apontado, a estimativa do mercado é que existam mais R$ 300 bilhões em papéis vencidos no mercado, que já podem ter sido negociados pelos bancos, mas que ainda não foram recuperados. Em 2007, por exemplo, os números do BC mostravam que havia R$ 76 bilhões de títulos vencidos em estoque, o que mostra o crescimento desse segmento”, diz Ferreira.