Enquanto a procura e as taxas para empréstimos de ações no mercado doméstico disparavam, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) aproveitou para encaminhar a seus associados, em março, um parecer de orientação. Apesar de aquele ser um momento particular e inédito do segmento de aluguel de ações, que estava superaquecido, a Anbima aproveitou para, com sutileza, tocar em um assunto já um pouco mais antigo no mercado quando se fala nessas operações. O texto do parecer iniciava citando um item de seu código que diz que as operações realizadas pelos fundos de investimento devem ter sempre “propósitos econômicos compatíveis com sua política de investimento, sobretudo aquelas referentes a empréstimos de títulos e valores mobiliários”.
O que chamou a atenção dos atores dessa indústria foi o destaque dado pela entidade para que os propósitos dessas operações sejam econômicos. No entender dos agentes do mercado de fundos, o recado foi claro para aqueles que adotam uma prática que tem sido comum nesse mercado e por vezes se acentua. Ela consiste em buscar nas operações de aluguel não um ganho econômico de estratégia de gestão, como em operações de “long and short”. Mas, sim, um benefício fiscal.
Funciona assim. Os gestores aguardam os anúncios de grandes empresas que pagam juros sobre capital próprio e têm uma grande base de acionistas pessoa física, tais como Bradesco ou Petrobras, apenas para citar alguns exemplos. Logo após a divulgação do provento, os gestores correm para alugar esses papéis antes do pagamento. Como a procura sobe, taxas de empréstimos disparam no mercado.
A razão para tanto interesse está na diferença de tributação que se aplica a esse provento. Os fundos de investimento recebem juros de capital próprio cheios, sem a incidência de imposto no ato. Já pessoa física é tributada – há Imposto de Renda na fonte à alíquota de 15%, na data do pagamento.
O fundo aluga o papel da pessoa física e recebe o pagamento do provento cheio. Quando devolve a ação para esse pequeno investidor, transfere a ele o valor, descontado o imposto, e embolsa a diferença para a sua cota. Segundo especialistas, a operação é absolutamente legal. É planejada e está cursada em bolsa. Do ponto de vista do administrador e do gestor, eles estão propiciando um ganho para os cotistas, observa uma fonte. E quem doa o papel para o empréstimo recebe o provento da mesma maneira e ainda ganha com as taxas de aluguel, mais altas nesses momentos do que na média do mercado, mas que ainda assim trazem ganho para os fundos.
De acordo com uma fonte, como não há ilegalidade, não há nada o que fazer. “Impossível isso crescer demais ou até mesmo durar pra sempre. Quanto maior o fluxo dessas operações, mais elas chamarão a atenção da Receita, que fechará a porta”, afirmou.
Do ponto de vista ético, também não há questionamento, avaliam interlocutores. O gestor do fundo está procurando retorno e jogando segundo as regras em vigor – embora não esteja entregando um retorno a mais a seu cotista pelo seu talento em escolher boas empresas para investir. O que se pode discutir é se essa operação, que distorce as taxas de aluguel, é desejável para o mercado. Do lado sistêmico, a pergunta que se faz é se é interessante para o sistema ter um fluxo de aluguel imenso para determinadas ações logo após o anúncio do pagamento desses proventos.
Além disso, elas já criam uma indústria de benefícios para aqueles corretores ou distribuidores que conseguem reunir grandes quantidades de acionistas pessoa física detentores das ações em questão e que possam alugá-las. Para ter lucro com essa operação, grandes quantidades de empréstimos são necessárias.
A Anbima encerrou seu parecer de orientação dizendo que os seus associados devem sempre “evitar práticas que possam vir a prejudicar a indústria de fundos de investimento”. E esclareceu que especialmente em relação às operações de empréstimo de títulos e valores mobiliários durante a ocorrência de eventos corporativos dos emissores, não basta o propósito econômico estar fundamentado na rentabilidade da carteira, na permissão legal ou na ausência de vedação para a sua realização pelo regulamento do fundo, devendo tais operações estarem baseadas em outros elementos objetivos e relevantes, de forma a evidenciar o propósito econômico da operação”.