No auge das turbulências da crise financeira, muitos foram os mercados, práticas de investimentos e instituições apontados como vilões. Um deles foi o short selling, ou venda a descoberto. Mas até que ponto essas operações realmente foram as responsáveis pela volatilidade nas bolsas e em que medida elas deveriam, hoje, ser penalizadas por um ambiente regulatório mais incisivo?
O tema gera polêmica. Intenções de se ampliar a regulação sobre o mercado de short selling foram anunciadas desde os EUA até a Ásia, passando pela Europa. A equipe de analistas do Deutsche Bank elaborou relatório a respeito com suas visões sobre o assunto.
Desconstruindo mitos
Antes de qualquer análise sobre o tema, os analistas do banco alemão fornecem, àqueles investidores que não conhecem tão a fundo o mercado de short selling, uma breve explicação a respeito dos principais conceitos que o regem.
“Vender a descoberto” consiste em vender algum ativo financeiro ou derivativo que não se possui, apostando em uma queda do preço para, então, poder comprá-lo e lucrar com a diferença. Em princípio, a operação pode ser realizada com qualquer classe de ativo financeiro, desde commodities a moedas, embora ações sejam as mais utilizadas.
O possível lucro a ser obtido com operações de short selling é limitado, uma vez que o menor valor que um ativo pode assumir é zero. Em contrapartida, teoricamente, não há limites para prejuízo, uma vez que cotações de ativos não possuem um teto máximo. Teoricamente porque, como ressalta o Deutsche Bank, na prática não é o que geralmente ocorre.
“As perdas geralmente são contidas uma vez que, na eventualidade de que os preços subam, o short seller provavelmente é instruído a cobrir as posições comprando o ativo em questão ou a prover capital extra para cobrir uma margem de segurança”, afirmam os analistas.
Segundo a equipe, dado seu alto risco, short sellings geralmente não são aplicados como investimentos, mas sim como instrumentos de hedge. Ademais, muitos são seus benefícios, como elevar a liquidez e mitigar bolhas otimistas no mercado ao limitar manipulações de elevação artificial de cotações, propiciando uma formação mais eficiente de preços.
O short selling no mundo
Ainda assim, grande debate vem se desenrolando desde a crise financeira sobre uma maior regulação sobre o mercado de short selling. No plano internacional, a IOSCO (International Organization of Securities Comissions) é quem atua na regulação das operações. Recentemente, o órgão anunciou planos de implementação de diversas medidas, tais como a criação de um regime de divulgação de estatísticas sobre posições assumidas e sanções para abusos e descumprimento de normas já em vigor.
Nos EUA, operações de naked short selling, apontadas como as mais arriscadas, são proibidas. Ademais, transações de short selling que superem 0,25% do total de ações negociadas devem ser reportadas oficialmente à SEC (Securities and Exchange Comission). Recentemente, no entanto, a agência vem estudando a possibilidade de proibir o short selling a papéis que registrem queda superior a 10% em um pregão.
Na Europa, posições em vendas a descoberto superiores a 0,20% devem ser reportadas às agências reguladoras e posições superiores a 0,50% devem ser divulgadas em público. No Reino Unido, a jurisdição determina, assim como nos EUA, que posições superiores a 0,25% sejam explicitadas em relatório.
A visão do Deutsche Bank
“Não há nada de errado com o short selling”, afirmam categoricamente os analistas do banco alemão, relembrando os benefícios já citados da prática. A equipe vai além, amenizando também os temores de muitos investidores sobre os riscos do naked short selling: “o impacto dessas transações é gradual. Limitá-las não irá prevenir quedas drásticas nos preços dos ativos, elas irão ocorrer de qualquer forma”.
Quanto às intenções de maior regulação por parte de agências ao redor do mundo, o Deutsche Bank também tem suas críticas. No caso da Europa, o banco vê com cautela a imposição de se divulgar publicamente posições assumidas no mercado, uma vez que isto poderia gerar reações desmedidas.
Nos EUA, a possível proibição de short selling a ativos com desvalorizações superiores a 10% no intraday “pode enfraquecer a posição competitiva do mercado norte-americano frente ao mercado europeu”.
Já no plano internacional, a crítica dos analistas do Deutsche Bank é tecida quanto à falta de uma estrutura simples e transparente. “Os agentes de mercado deparam-se com uma cada vez mais fragmentada teia de regras complexas ao redor do mundo. Isto aumenta os custos de transação e eleva os riscos. Uma melhor coordenação se faz urgentemente necessária”, conclui a equipe de economistas liderada por Steffen Kern.