Dos mais de 20 processos administrativos abertos nos últimos três anos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por “insider trading”, a maioria envolve diretamente conselheiros, administradores e altos executivos das próprias empresas emissoras das ações, além de consultores e bancos de investimentos contratados para prestar serviços específicos. “Insider trading” significa uso de informação privilegiada na negociação com ações e desde 2002 é crime no Brasil.
As pessoas envolvidas são justamente as que deveriam zelar pela empresa. Mas, uma vez dentro da “cabine de comando”, usam dados, projetos e planos aos quais só eles têm acesso para ganhar dinheiro com a negociação dos papéis na bolsa em proveito próprio.
O número de casos de “insider” pode ser muito maior – esses são os detectados pela fiscalização da CVM e transformados em processos administrativos sancionadores (PAS).
Nos casos relacionados no quadro abaixo, os envolvidos receberam multas ou encerraram o processo com termo de compromisso (TC), instrumento previsto em lei para acelerar o andamento do processo. Pelo TC, o acusado “devolve” à CVM e, se for o caso, também a investidores prejudicados pelo menos o que ganhou com a operação irregular, comprometendo-se a não repetir o ato. Nos que são encerrados com multas, a CVM não conseguiu comprovar o delito, embora a investigação tenha se iniciado com essa suspeita.
Nenhum dos acusados recebeu a pena máxima, que é a prisão, quando o caso ultrapassa o âmbito administrativo e segue para a esfera criminal. Sequer a segunda maior pena, que é a inabilitação para a função por 20 anos. Em apenas dois casos, os acusados foram punidos com inabilitação, porém em um deles foi o próprio réu que propôs a inabilitação: o conselheiro José Olavo Mourão Alves Pinto, integrante do bloco de controle e membro do conselho de administração da construtora Tenda.
Também houve inabilitação de executivos da Sadia que negociaram ADRs da Perdigão no mercado americano em 2006, pouco antes da oferta hostil da Sadia para a compra da concorrente. O ex-conselheiro de administração da Sadia Romano Ancelmo Fontana Filho e ao ex-diretor de relações com investidores da companhia Luiz Gonzaga Murat Júnior forma punidos com inabilitação temporária por cinco anos.
“Isso é inadmissível”, diz João Pinheiro Nogueira Batista, vice-presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), referindo-se à participação de executivos e conselheiros nos delitos. Ele lembra que um dos motivos do crescimento do mercado nos últimos anos é a “percepção de que está mais seguro e que os investidores não serão passados para trás”.
Assim como outros especialistas do mercado ouvidos pelo Valor, Batista reitera o grande avanço que houve no Brasil nos últimos dez anos nesse tema, com o crime de “insider” tipificado na lei e a atuação do regulador como fiscalizador e sancionador. No entanto, o encerramento dos processos por meio de termos de compromisso tem levantado algumas críticas. “Acho que o termo de compromisso não é uma boa forma (de punição) porque ninguém admite culpa. Tinha que haver um mecanismo preventivo e punição dura, porém é muito difícil comprovar o ‘insider'”, afirma o advogado Luiz Otavio P. Villela, sócio do escritório Villela e Kraemer Advogados.
O procurador geral da CVM, Alexandre Pinheiro dos Santos, destaca que a aplicação de punições “depende da análise do julgador e observa a proporcionalidade”. Tudo depende do grau de participação dos envolvidos e da gravidade do ato. Pinheiro defende o que ele chama de “instrumentos de ajustamento de conduta”, como o TC, e diz que é uma tendência dos reguladores também em outros países para agilizar os processos.
Pinheiro rebate as críticas aos termos de compromisso e às penalidades que parecem pequenas enfatizando que a existência de ilícito em tese não assegura a condenação de quem quer que seja. “Em qualquer país civilizado, as pessoas são inocentes até que seja provado, após um julgamento final em um processo, que elas são culpadas. E, no mercado de capitais, o devido processo legal indispensável para uma eventual aplicação de penalidade a alguém envolve, em tese, duas instâncias administrativas, a CVM e Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional”.
Alexsandro Broedel Lopes, diretor da CVM que acaba de assumir o posto, concorda que é grave o fato de pessoas que deveriam cuidar da empresa usarem a posição privilegiada em beneficio próprio, competindo em total desvantagem com os demais investidores.
Segundo Broedel, pode-se discutir se não é o caso de aumentar a penalidade, mas afina sua visão com a de Pinheiro na tese de que a punição a esse tipo de crime tem de guardar alguma “proporcionalidade”. Broedel diz que o termo de compromisso é uma forma de “dar celeridade ao processo”. Apesar disso, preferiu não adiantar qual será sua posição nos futuros julgamentos de casos de “insider” dos quais ele começou a participar este ano como membro do colegiado da CVM. “Não dá para generalizar, depende de caso a caso”.