A nova norma contábil sobre combinação de negócios, que entra em vigor em 2010, vai mudar sensivelmente a maneira como as empresas fecham negócios de fusões, aquisições e incorporações no país. A primeira novidade é que o especialista em contabilidade passa a se sentar à mesa de negociação junto com a direção das empresas envolvidas, advogados e bancos.
A depender do efeito contábil da estrutura acertada entre as partes, o negócio pode ser alterado ou até cancelado por conta das novas medidas. “Isso antes não acontecia. O pessoal de fusões e aquisições fazia a operação e o contador só registrava a operação depois de fechada”, afirma Fábio Cajazeira, sócio da PricewaterhouseCoopers (PwC).
Uma das principais novidades previstas nesta nova norma, chamada de CPC-15, será a identificação obrigatória de qual empresa é a compradora e qual é a vendedora na operação.
Acaba, portanto, a possibilidade de as companhias anunciarem que houve uma associação, quando na realidade ocorreu uma aquisição. Tudo tem que ser divulgado de forma clara.
Ainda dentro do conceito da norma internacional de contabilidade, de que a essência deve prevalecer sobre a forma, é possível que juridicamente a empresa A esteja comprando a B, mas que economicamente a relação seja inversa. E é essa segunda visão que será levada em conta no momento do registro contábil da operação. Isso ocorre, por exemplo, quando há uma incorporação reversa e a incorporada passa a controlar a incorporadora.
Se a tarefa de identificar o adquirente não for tão simples, as empresas devem observar se uma empresa é muito maior do que a outra antes do negócio, se houve desembolso de caixa, se a administração de uma delas vai ter preponderância na empresa combinada e assim por diante.
E essa diferença não terá efeito “meramente contábil”, garantem os especialistas. “Pode ter implicações na alocação de ágio quando se verificar que na verdade não foi a empresa A comprando B e sim o contrário”, explica Alexandre Seguim, sócio da BM&A Consultoria Tributária. Neste caso, muda-se o registro da operação no balanço da empresa adquirente, com possíveis consequências no resultado futuro.
E há que se chamar atenção de que, apesar de as regras valerem apenas para operações fechadas em 2010, a norma internacional exige a reapresentação do balanço de 2009 conforme o novo padrão. Assim, as operações feitas neste ano sem que essas regras tenham sido levadas em conta podem ter tratamento distinto daquele imaginado pelas empresas. “Pouca gente atentou para isso”, diz Seguim, que ressalta a complexidade dos novos normativos.
“Há risco de surpresa sim”, concorda Cajazeira, da PwC, em referência a operações fechadas neste ano. Para exemplificar isso, ele lembra que o CPC-15 exige que os ativos e passivos da empresa adquirida sejam registrados no balanço da adquirente pelo seu valor justo.
Em uma situação hipotética, uma empresa A paga R$ 1 bilhão por uma empresa B, que tem valor patrimonial de R$ 500 milhões. O ágio, portanto, seria de R$ 500 milhões pela prática antiga e conforme a legislação tributária. No entanto, ao se ajustar os ativos e passivos pelo valor justo, incluindo ativos intangíveis como marcas, patentes e contratos (que não estavam registrados no balanço da adquirida por terem sido gerados internamente), pode-se verificar que os ativos e passivos a serem contabilizados no balanço da adquirente valem R$ 1,5 bilhão.
Desta forma, uma operação que inicialmente teria gerado ágio, na verdade fica caracterizada como uma compra vantajosa, ou de barganha, e provoca um deságio. Esse deságio, por sua vez, terá que ser registrado como ganho no resultado da empresa adquirente.
Se as duas partes chegam a esse tipo de conclusão na fase de planejamento da aquisição, segundo Cajazeira, isso pode acabar influenciando nas condições do negócio. “Sem dúvida o vendedor pode querer rever o negócio”, afirma o especialista.
O mesmo pode ocorrer do lado contrário, com o comprador se surpreendendo. Os passivos contingentes de uma empresa, por exemplo, só devem ser provisionados no balanço caso a administração considere que a perda é provável. Se ela for apenas possível, basta mencionar a informação nas notas explicativas.
A nova norma contábil exige, no entanto, que se uma outra empresa adquirir essa companhia a adquirente terá que registrar o valor dessas contingências no seu passivo, caso seja capaz de estimar qual seria o tamanho dessa perda, mesmo que ainda considere que ela não seja provável.
Nessa hipótese, a empresa a ser comprada tem um valor da maneira que está, mas outro diferente ao ser consolidada na adquirente, o que pode levar a mudanças nos acordos negociados.