A estagnação econômica e a piora no nível de endividamento do país levaram a agência de classificação de risco Moody’s a revisar para baixo a sua perspectiva para os títulos do governo. Em pleno período eleitoral, a projeção da empresa passou de estável para negativa, tornando mais concreta a chance de a nota de crédito brasileira ser reduzida mais adiante. Se isso ocorrer, o país ficaria a apenas um degrau abaixo no chamado nível especulativo.
Até o momento, o grau de investimento está mantido pela Moody’s. Essa, no entanto, é a segunda vez em menos de um ano que a agência revisou negativamente a perspectiva de avaliação de risco. Em outubro de 2013, o indicador passou de positivo para estável. Caso a nota de crédito seja reavaliada dos atuais Baa2 (considerado um grau médio baixo de investimento) para nível inferior, atingirá o mesmo patamar da nota dada pela agência Standard & Poor’s ao Brasil, rebaixada no início do ano.
Há um mês das eleições, a possibilidade de rebaixamento atrapalha a candidatura à reeleição de Dilma Rousseff. Os resultados ruins para a economia no atual governo estão entre as principais armas dos concorrentes à Presidência da República.
Motivos
Três fatores principais levaram a agência de classificação financeira a revisar a projeção: o baixo crescimento, a piora dos indicadores fiscais e a “deterioração acentuada no sentimento do investidor”, o que tem afetado negativamente o investimento. Para a Moody’s, o Produto Interno Brasileiro (PIB) não deve crescer mais do que 1% em 2014 e ficará abaixo dos 2% em 2015. “Diante da falta de sinais de uma recuperação, a Moody’s acredita que a próxima administração no Brasil enfrentará condições econômicas deprimidas. A continuidade de taxas de crescimento persistentemente fracas poderia corroer ainda mais a posição fiscal do Brasil e prejudicar consideravelmente seu perfil de crédito”, divulgou a agência em nota.
Além disso, o informe divulgado destaca os indicadores de confiança que estão nos piores patamares desde 2009, no auge da crise financeira global, e analisa que a situação vai “impor obstáculos para uma recuperação econômica (…). Na ausência de investimento privado mais forte é improvável que se desenvolva uma recuperação sustentada da atividade econômica”. Há o receio ainda de que o declínio dos indicadores fiscais levem a uma deterioração adicional da dívida do governo.
“O rebaixamento já era esperado, dado o baixo crescimento que estamos tendo, o cenário de taxa de juros alta e o desempenho ruim do resultado primário, o que gera um avanço da dívida bruta e líquida do país. O governo fala que não precisa de ajuste e dá a impressão de que não vai fazer nada diferente para mudar a situação, o que reforça o pessimismo”, explica o especialista em contas públicas Mansueto Almeida.
O economista sênior do Espírito Santo Investment Bank, Flávio Serrano, aponta que o aumento da vulnerabilidade do país está sendo destacada por várias instituições, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Federal Reserve System (FED, na sigla em inglês). “A decisão da Moody’s é simples de entender quando se olha a dinâmica econômica. Já vínhamos percebendo uma deterioração da estrutura atual, uma piora fiscal. Em 2014, tenhamos, talvez, o pior resultado fiscal dos últimos anos”, analisa. O desempenho fiscal é o esforço do país para pagar os juros da dívida.
Condições
Na nota divulgada, a agência Moody’s determina que, caso a tendência dos indicadores fiscais e da dívida do governo não seja interrompida e revertida e o crescimento do PIB continue abaixo da tendência, a nota de crédito do país será revisada para baixo. Além disso, condiciona a volta da perspectiva do país para “estável” caso haja uma “consolidação econômica conduzida por investimento” e o “cumprimento rígido das metas de superávit primário no intervalo de 2% a 3% do PIB”, mas reforça que uma elevação é “improvável nos próximos um a dois anos”.
Em nota, o Ministério da Fazenda justificou que a decisão da Moody’s “reflete fatores conjunturais que afetaram o crescimento econômico do país no primeiro semestre (…), mas não condiz com a evolução no segundo semestre, quando esses problemas estão sendo superados”. As dificuldades de recuperação são relacionadas ao cenário internacional, à seca intensa e a menor quantidade de dias úteis no primeiro semestre. A nota acrescenta, ainda, que “a última emissão soberana do Tesouro Nacional (na semana passada) é uma evidência de que o Brasil continua contando com a confiança dos investidores internacionais”.
População de mau humor
A maioria dos brasileiros considera ruim a situação da economia brasileira, aponta pesquisa da Pew Research Center. O levantamento feito em 44 países, com 48,6 mil pessoas, mostra que no Brasil apenas 32% da população avaliam positivamente o momento do país. Em 2013, o percentual era de 59%. A queda de 27 pontos percentuais é a maior entre todas as nações em que o estudo foi feito.
O mau humor dos brasileiros contrasta com nível de confiança da população de outras economias emergentes. Para 89% dos chineses, a situação é boa. Na Índia, o nível de satisfação chega a 64%, enquanto que na África do Sul, 51% consideram positivos os resultados do setor produtivo. Entre os russos, 44% avaliam o momento atual como bom. O Brasil fica na frente apenas de países mergulhados em profunda crise, como Grécia, Espanha, Itália e Ucrânia.
Entre os brasileiros ouvidos na pesquisa, 85% apontam a inflação como principal problema econômico e outros 72% a falta de oportunidades de emprego. As desigualdades sociais também são um entrave. Para 68% da população a situação é muito grave. O levantamento foi feito no Brasil em abril.
Abandono do tripé Para o economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira, esses resultados são reflexo de uma política econômica que abandonou o regime de metas de inflação, o controle fiscal e o câmbio flutuante. “O abandono do tripé e a adoção de uma nova matriz não funcionou. Esses resultados não me surpreendem. Precisamos voltar a controlar os três eixos para dar previsibilidade, voltar a gerar empregos e controlar a inflação”, comentou.
Na opinião da economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour, o país só voltará a crescer quando a inflação estiver controlada e o nível de investimentos aumentar. “Temos um descompasso com preços administrados que vão continuar a pressionar a economia no próximo ano. Precisamos reformular nossa política econômica. O nível de confiança de empresários e consumidores leva em conta todo esse cenário negativo”, completou.