O advogado gaúcho Paulo Waldir Ludwig (OAB-RS nº 23.878) – preso anteontem (29) pela Operação Rábula, junto com mais quatro pessoas, sob a acusação de lesar clientes e até colegas de profissão, já tem uma condenação criminal de primeiro grau, por crime tributário. Na forma do art. 5º, inciso LVII da Constituição “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Paulo Waldir Ludwig recebeu também duas suspensões impostas pelo Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-RS que o impedem de advogar por 150 dias – prazo prorrogável até que sejam prestadas as contas e feitos os pagamentos devidos a dois ex-clientes que ingressaram com representações na Ordem gaúcha. Segundo o TED, não há informações de que os lesados tenham sido ressarcidos.
Ludwig foi denunciado porque, “no período relativo aos exercícios fiscais de 1998, 1999, 2000 e 2001 reduziu e suprimiu tributo federal (Imposto de Renda Pessoa Física – IRPF) no montante de R$ 321.209,23 – valores que, acrescidos dos consectários legais (juros de mora e multa), perfazem um crédito tributário em favor da União no montante de R$ 994.180,52”.
Segundo o MPF, “a supressão e a redução do imposto federal acima referido operou-se mediante a omissão de informações (receitas) e prestação de declarações falsas às autoridades fazendárias por parte do denunciado, que manteve considerável movimentação financeira em suas contas-correntes bancárias no Banco do Brasil e Caixa Federal” .
No interrogatório, Ludwig disse “não ser verdadeira a denúncia oferecida, pois os valores apontados como movimentados nas contas correntes e poupança envolviam apenas valores que pertenciam aos clientes”. As cifras teriam sido recebidas pelo advogado em decorrência de condenações trabalhistas impostas à CEEE, à AES Sul e à Brasil Telecom.
O advogado também informou ao Juízo que “era procurador de clientes junto à Justiça do Trabalho; quando do pagamento no processo judicial, os clientes eram procurados. Não havendo êxito na procura dos clientes, o depoente realizava um depósito em conta a fim de futuramente entregar o numerário aos reclamantes”.
Fundamentação da pena
O juiz federal José Luís Luvizetto Terra, de Passo Fundo (RS) concluiu, em 22 de junho de 2007, que “a culpabilidade é exacerbada, uma vez que o demandado, advogado e conhecedor das lides jurídicas, tinha condições de portar-se de maneira diversa; ele já registra antecedentes criminais, embora tendo conduta social abonada”.
Assim, nos termos do art. 71 do Código Penal, e tendo em vista que o ´quantum´ do aumento deve refletir-se no número de condutas, o magistrado elevou a pena provisória em um terço, e, ante a ausência de outras causas de modificação, tornou-a definitiva em quatro anos, um mês e dez dias de reclusão.
Presentes os requisitos legais, o juiz substituiu a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito (§ 2º do artigo 44 do Código Penal): prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pela duração da pena substituída, na forma dos artigos 46 e 55 do Código Penal, e pena pecuniária, “devendo o condenado, no prazo máximo de 30 dias após o trânsito em julgado, depositar na conta-corrente vinculada ao Juízo, na Caixa Econômica Federal, a quantia de 15 salários mínimos, vigentes à época do pagamento, verba que será destinada, oportunamente por ocasião da execução da pena, a uma das entidades assistenciais que mantém convênio com este Juízo Federal Criminal”.
A sentença também assegurou o direito de apelar em liberdade.
O recurso de apelação criminal interposto pelo advogado condenado aguarda julgamento no TRF da 4ª Região. O relator sorteado é o desembargador federal Paulo Afonso Brum Vaz. (Proc. nº 2004.71.04.000055-0/RS).
LEIA A ÍNTEGRA DA SENTENÇA
AÇÃO PENAL PÚBLICA (PROCEDIMENTO CRIMINAL COMUM) Nº 2004.71.04.000055-0/RS
AUTOR:MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
RÉU:PAULO WALDIR LUDWIG
ADVOGADO:NELSON MOHR
:DEBORA SIMONE FERREIRA PASSOS
SENTENÇA
Réu: PAULO WALDIR LUDWIG, brasileiro, casado, advogado, natural de Selbach, neste Estado, nascido em 28/04/51, filho de Willibaldo Ludwig e Florentina Ludwig, portador do CPF 158.468.810-68, residente na Rua Brenner, 37, Bairro Tirol, em Gramado, neste Estado.
RELATÓRIO
O Ministério Público Federal, com base em Representação Fiscal originária da Delegacia da Receita Federal de Passo Fundo, neste Estado, denunciou Paulo Waldir Ludwig, acima qualificado, como incurso nas sanções do artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, quatro vezes. Narra a inicial acusatória o seguinte fato delituoso (fls. 02-05):
No período relativo aos exercícios 1998, 1999, 2000 e 2001 (anos-base 1997, 1998, 1999 e 2000), com vencimentos, respectivos, nos dias 30 de abril de 1998, 30 de abril de 1999, 30 de abril de 2000 e 30 de abril de 2001, o denunciado Paulo Waldir Ludwig reduziu e suprimiu tributo federal (Imposto de Renda Pessoa Física – IRPF) no montante de R$ 321.209,23 (trezentos e vinte e um mil, duzentos e nove reais e vinte e três centavos), valores que, acrescidos dos consectários legais (juros de mora e multa), perfazem um crédito tributário em favor da União no montante de R$ 994.180,52 (novecentos e noventa e quatro mil, cento e oitenta reais e cinqüenta e dois centavos), conforme demonstrativo da fl. 26.
A supressão e a redução do imposto federal acima referido operou-se mediante a omissão de informações (receitas) e prestação de declarações falsas às autoridades fazendárias por parte do denunciado, sendo que o acusado deixou de apresentar, nos exercícios fiscais de 2000 e 2001 (anos-base 1999 e 2000), a oportuna Declaração Anual de Ajuste do IRPF, com vistas à supressão do tributo devido.
O denunciado manteve considerável movimentação financeira em suas contas-correntes bancárias mantidas no Banco do Brasil S/A (…) e Caixa Econômica Federal (…), consistente tal movimentação em diversos valores creditados nas referidas contas de depósito e poupança, omitindo tais rendimentos percebidos, revelando a existência de créditos/rendimentos não oferecidos à tributação, mantidos à margem das DIRPFs anuais, (…).
Restou positivado que o denunciado, nesse contexto, a par de não comprovar a origem dos recursos mantidos nas mencionadas contas-correntes e de poupança bancárias, manteve a disponibilidade financeira sobre recursos em montantes superiores aos rendimentos declarados nos exercícios fiscais de 1997 e 1998, além de deixar de oferecer à tributação os rendimentos auferidos e mantidos nas contas bancárias nos anos de 1999 e 2000.
A denúncia foi recebida em 06 de fevereiro de 2004 (fl. 423).
O réu, citado e intimado, foi interrogado (fls. 522/523), apresentando, ato contínuo, defesa prévia (fl. 524/526).
Na instrução, foram inquiridas a testemunha arrolada pela acusação Valmir Scheid (fls. 532/535), bem como aquelas indicadas pela defesa Rudinei Onofre de Brito (fls. 551/552) e João Victor dos Santos (fls. 553/554). Nas fls. 652/654, e após diversas diligências com o escopo de localizar a testemunha Maristela dos Santos Fagundes, indeferi a expedição de nova precatória e declarei encerrada a instrução.
No prazo do art. 499 do CPP, o agente acusador requereu a atualização das certidões de distribuição em nome do demandado, restando silente a defesa.
Em alegações finais, o Ministério Público Federal pugnou pela procedência da inicial, com a condenação do réu Paulo Waldir Ludwig como incurso nas sanções do art. 1º, I, da Lei 8.137/90, por quatro vezes.
Na mesma fase processual, a defesa técnica referiu que o agente não foi pessoalmente intimado acerca dos termos da autuação fiscal, decorrendo daí prejuízo ao direito de suspensão ou extinção da punibilidade pelo parcelamento ou pagamento do indébito. Anotou que, não obstante a notícia trazida pelo carteiro, o demandado permaneceu com domicílio no local indicado à Receita Federal. No mérito, aduziu a impossibilidade de lançamento de tributo com base unicamente na movimentação bancária, como também a ausência de dolo.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
Preliminares
Ainda que não tenham sido apregoadas como legítimas preliminares, tenho por relevante analisar, de logo, três questões de especial relevância, quais sejam: uma, a validade (ou não) da intimação ficta levada a cabo pela autoridade fazendária; duas, a possibilidade de apuração da variação patrimonial a descoberto tendo por suporte apenas a movimentação bancária e, três, a relação entre a execução fiscal (e sua parcial garantia no juízo cível) e esta ação criminal.
I – Da intimação por edital
Bateu-se a defesa, durante toda a instrução processual, na invalidade da intimação por edital promovida pelo agente fazendário quando do desenrolar do procedimento administrativo. Acentuou, no prazo final, que o artigo 23 do Decreto 70.235/72, com a redação da época dos fatos, não autoriza a ciência do contribuinte por meio ficto sem antes proceder às intimações pessoal e por via postal cumulativamente, lembrando que, no caso dos autos, apenas a última forma de cientificação (por carta) foi utilizada.
Refiro, inicialmente, que o art. 23 do Decreto 70.235/72, redação em vigor na data do procedimento administrativo, dispunha a seguinte orientação:
Art. 23. Far-se-á a intimação:
I – pessoal, pelo autor do procedimento ou por agente do órgão preparador, na repartição ou fora dela, provada com a assinatura do sujeito passivo, seu mandatário ou preposto, ou, no caso de recusa, com declaração escrita de quem o intimar; (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997)
II – por via postal, telegráfica ou por qualquer outro meio ou via, com prova de recebimento no domicílio tributário eleito pelo sujeito passivo; (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997)
III – por edital, quando resultarem improfícuos os meios referidos nos incisos I e II.
De outro lado, o § 3º (na redação originária) estabelecia que “os meios de intimação previstos nos incisos I e II deste artigo não estão sujeitos a ordem de preferência”, mantendo-se, o texto hoje em vigor, a mesma orientação, modificado, apenas, porque previu, também, nova forma de notificação, qual seja, o meio eletrônico.
Assim, na época dos fatos, ao revés do apregoado pela defesa, a intimação por edital dar-se-ia quer quando inexitosa a intimação pessoal, quer quando frustrada a realizada por via postal, e não quando ambas as notificações restassem infrutíferas. É dizer: pode o ente fiscal escolher entre qualquer das formas, sem preferência entre elas, nos exatos termos do art. 23 do decreto antes citado. Nesse sentido, aliás, remansosa a jurisprudência, tanto do Superior Tribunal de Justiça quanto deste Regional, senão vejamos:
TRIBUTÁRIO – INTIMAÇÃO PARA O PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL – VALIDADE DAQUELA PROMOVIDA PELA VIA POSTAL RECONHECIDA – INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 23 DO DEC. N. 70235/72.
É de clareza meridiana a redação do art. 23 do Decreto 70235/72, o qual possibilita que a intimação para o processo administrativo fiscal seja feita, tanto pessoalmente, quanto pela via postal, inexistindo qualquer preferência entre os dois meios de ciência.
Recurso especial improvido.
(REsp 380368/RS, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEGUNDA TURMA, julgado em 21.02.2002, DJ 08.04.2002 p. 196)
PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL – INTIMAÇÃO POR EDITAL. – A intimação via postal feita em endereço que consta no cadastro da Secretaria da Receita Federal, quando frustrada, autoriza a intimação pela via editalícia. (TRF4, 2004.71.15.003002-0, Segunda Turma, Relator Antonio Albino Ramos de Oliveira, publicado em 29/06/2005)
Feitas essas considerações, cumpre atentar para o domicílio fiscal do réu e se o endereçamento da carta foi acertado. A questão merece acurada análise.
O termo de início da fiscalização tributária lavrado em nome de Paulo Waldir Ludwig foi enviado à Rua Bento Gonçalves, 853/301, nesta cidade, devolvido com a informação mudou-se, cônsono verifica-se nas cópias da fl. 563 e seguintes. Após essa tentativa primeira, e tal questão é bem esclarecida pelo Auditor Valdir Scheid, fls. 534/535, obteve o fiscal, junto ao sítio da Brasil Telecom, novo endereço (Av. General Neto, 385/1002), para onde foi remetida correspondência (veja-se as cópias dos documentos comprovantes dessa realidade nas fls. 567/570), resultando mais uma vez infrutífera a diligência (novamente com a rubrica mudou-se).
A partir de então, promoveu, a meu ver com acerto, a notificação por meio de edital.
Destaco, de pronto, que o domicílio fiscal do réu, informado por ele próprio à Receita Federal quando das declarações de rendimentos é exatamente esse: Rua Bento Gonçalves, 853/301, realidade estampada nos documentos das fls. 399 e seguintes, referente aos anos-calendários 1998 e 1999. Assim, embora as intimações pelo correio tenham acontecido no ano de 2002, convém lembrar que o réu restou omisso em face das declarações de rendimentos em 2000 e 2001, inexistindo, portanto, novo endereço porventura informado ao órgão.
O acusado, durante a instrução processual, trouxe a juízo o depoimento de Rudinei Onofre de Brito, então porteiro do Edifício Torremolinos, informando sobre a forma de entrega de correspondências pelos Correios, bem como de João Victor dos Santos, Office-boy do demandado à época.
Contudo, parece haver baralha entre endereços. Ora: o domicílio do réu, indicado à Receita Federal, é Rua Bento Gonçalves, 853/301, local onde mantinha residência, e não Rua Bento Gonçalves, 859/701, onde possuía seu escritório de advocacia. Tal é relevante porque não importa ao presente feito a forma como se dava o recebimento dos ARs na portaria do escritório do demandado, sequer se, à época, estava ali laborando, porque, e a repetição é propositada, o domicílio fiscal dele era outro, qual seja, Rua Bento Gonçalves, 853 e não 859.
Digo de outra forma: a correspondência, remetida em 22 de agosto de 2002 (fl. 564) à Rua Bento Gonçalves 853/301 retratou a realidade dos fatos, ou seja, que o acusado não mais residia nesse local, e este não logrou informar sua nova residência ao fisco.
Tanto a assertiva é verdadeira – qual seja, de que em agosto de 2002 seu domicílio efetivo era outro – que vários dos documentos trazidos ao feito retratam essa nova realidade. Vejamos, via gratia, que a conta telefônica carreada aos autos na fl. 628 (observo que a listagem juntada nas fls. 624/627 refere-se ao endereço da Rua Bento Gonçalves 859, imprestável, portanto, à presente instrução) diz respeito, de fato, ao domicílio fiscal do acusado (Rua Bento Gonçalves 853/301); contudo, tem relação a janeiro de 2000. Ou seja: apenas comprova que o acusado, nessa época (janeiro de 2000), residia no endereço constante do cadastro fiscal.
Ressalto, por absolutamente relevante, que a conta telefônica carreada na fl. 637 informa que, no mês de junho de 2001 (a fatura foi emitida em 01/07/2001), não houve qualquer ligação telefônica, restando descrito apenas o serviço básico mensal. Tal situação indica que, já a partir de junho de 2001, a residência do réu encontrava-se inabitada, morando o acusado em local outro, não informado, digo de novo, à Receita Federal.
Outros elementos suasórios demonstram que, em agosto de 2002, Paulo Waldir Ludwig não mais mantinha residência na Rua Bento Gonçalves, 853/301, notadamente o documento das fls. 466/469 – veja-se que o agente informa, fl. 466, que residia, em 19 de novembro de 2001 (data do documento) na Rua Presidente Roosevelt, 492, em São Leopoldo, mesmo endereço constante da procuração trazida na fl. 471 e firmada em 08 de maio de 2002.
Nesse estado das coisas, a menção de moradia na Rua Bento Gonçalves, 853/301 indicada na petição da fl. 472 e seguintes (produzida em 10 de setembro de 2002) acaba por perder relevância, vez que a procuração pública que embasou o referido pleito informou o endereço do acusado já na cidade de Gramado/RS (fl. 474).
Síntese conclusiva: após todo esse longo – mas necessário – raciocínio, depreende-se que: primeiro, a expedição de edital pela Delegacia da Receita Federal foi válida, não se exigindo a intimação postal e pessoal, conjugadamente e, segundo, ainda que necessária a notificação pessoal do contribuinte, o mesmo não mais se encontrava residindo na Rua Bento Gonçalves, 853/301 quando da expedição da carta, sendo omisso ao mudar de residência (sem comunicar à receita seu novo paradeiro quando deveria). Restaria inócua, de qualquer sorte, a diligência pessoal eventualmente empreendida
Finalmente, cumpre observar que o acusado, ao que parece, tem por hábito não manter atualizados seus cadastros junto aos órgãos públicos, tanto que, nesse próprio feito, foi citado, por primeiro, através de edital (após diversas tentativas de localização, como bem salientado pelo MPF), e, ao comparecer a juízo e ser interrogado, informou endereço igual àquele onde fora procurado e não fora encontrado.
Hígida, portanto, a atuação da Receita Federal nesse caso concreto, não havendo se falar, corolário lógico, em mácula no processo legal ou na impossibilidade de defesa do contribuinte.
II – Da apuração da variação patrimonial
Advogou o demandado, também na fase do art. 500 do CPP, que a simples movimentação de conta bancária não é meio idôneo a dar azo ao lançamento fiscal e, por conseqüência, a processo criminal sobre os mesmos fatos.
Refiro, desde já, que a controvérsia gravita em torno da aplicação retroativa da Lei Complementar nº 105/01. É que, antes da edição do novel dispositivo legal, apenas informações sobre os valores movimentados a título de CPMF poderiam ser, em determinados casos, repassados à autoridade fiscal, vedada sua utilização para constituição do crédito tributário (art. 11, § 3º, da Lei 9311/96, texto reformado pela Lei 10.174/01).
Autoriza o art. 6º da Lei Complementar 105/01 o exame de livros, documentos e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósito e aplicações financeiras, desde que já instaurado o procedimento fiscal. No caso presente, como bem delimitou Valmir Scheid (fls. 534/535) e constou do próprio auto de infração, fl. 34, existia prévio contencioso administrativo quando da transferência do sigilo – expressão utilizada pela própria lei para o caso em tela. Assim, em tese, não há óbice para a ocorrência do lançamento fiscal e, por conseguinte, à instauração do processo criminal para apuração dos fatos que tais, tendo por base a análise da movimentação financeira do contribuinte.
A celeuma doutrinária e jurisprudencial tem por objetivo delimitar o alcance temporal da norma veiculada na já citada lei complementar. É dizer: se pode retroceder a fatos geradores acontecidos antes de sua vigência (a lei foi publicada em 10 de janeiro de 2001), ou, ao revés, em assim retroagindo, estaria ferindo direito adquirido do contribuinte. Tal se apresenta relevante ao deslinde da causa, quer porque apenas um dos quatro delitos demandados ocorreu após a eficácia da LC 105, quer porque se tem admitido, em casos excepcionais, que o juiz criminal examine a questão de fundo da exigência fiscal e, se for o caso, julgue improcedente a denúncia.
Em que pese este Regional tenha sufragado entendimento de que a retroação da LC 105/2001 ensejaria a violação ao princípio da irretroatividade (veja-se, via gratia, Embargos Infringente 2003.04.01.001720-4, Primeira Seção, Relator Álvaro Eduardo Junqueira, publicado em 01/12/2004), tenho comigo que não é essa a melhor interpretação. É que dispõe o art. 144, § 1º, do Código Tributário Nacional que se aplica ao lançamento a legislação que, embora posterior ao fato gerador da obrigação, tenha atribuído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliando os poderes de investigação das autoridades administrativas.
Assim, a autorização legal para transferência do sigilo bancário apenas intensificou os poderes investigatórios do fisco, não incorrendo, só por isso, em ofensa à regra da irretroatividade da lei. Com esse sentir, recente e unânime julgamento levado a termo perante a primeira seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. LC 105/2001 E LEI 10.174/2001. USO DE DADOS DE MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS PELAS AUTORIDADES FAZENDÁRIAS. OSSIBILIDADE. CONDIÇÕES. APLICAÇÃO IMEDIATA. PRECEDENTES.
1. A Lei 9.311/1996 ampliou as hipóteses de prestação de informações bancárias (até então restritas – art. 8 da Lei 4.595/64; art. 197, II, do CTN; art. 8º da Lei 8.021/1990), permitindo sua utilização pelo Fisco para fins de tributação, fiscalização e arrecadação da CPMF (art. 11), bem como para instauração de procedimentos fiscalizatórios relativos a qualquer outro tributo (art. 11, § 3º, com a redação da Lei 0.174/01).
2. Também a Lei Complementar 105/2001, ao estabelecer normas gerais sobre o dever de sigilo bancário, permitiu, sob certas condições, o acesso e utilização, pelas autoridades da administração tributária, a documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras” (arts. 5º e 6º).
3. Está assentado na jurisprudência do STJ que “a exegese do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, considerada a natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei Complementar 105/2001 e 1º da Lei 10.174/2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada pela decadência” e que “inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários, máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário a Autoridade Fiscal tem o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de tributar da entidade estatal” (REsp 685.708/ES, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 20/06/2005. No mesmo sentido: REsp 628.116/PR, 2ª Turma, Min. Castro Meira, DJ de 03/10/2005; AgRg no REsp 669.157/PE, 1ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJ de 01/07/2005; Resp 691.601/SC, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de 21/11/2005.
4. Embargos de divergência a que se dá provimento.
(EREsp 608053/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09.08.2006, DJ 04.09.2006 p. 219, grifei)
Dessa forma, hígido o lançamento que teve por base unicamente a movimentação financeira do réu.
III – Da garantia do juízo cível em execução fiscal
Informou a defesa técnica, fl. 710, a existência de execução fiscal referente a esse feito, já embargada. Ainda que não tenha pleiteado a suspensão desta ação criminal ou a eventual extinção da punibilidade pela garantia do juízo cível, tenho por bem esclarecer a questão.
Venho decidindo, com arrimo em orientação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (RCSE 2004.70.06.001458-8, 8ª Turma, rel. Des. Fed. Luiz Fernando Wowk Penteado, julgado em 18 de maio de 2005) que, uma vez garantido o juízo da execução fiscal, deve-se suspender a marcha processual do feito criminal, ante a iminente conversão em rendas do resultado daquela ação. Entrementes – e essa a peculiaridade do caso concreto que pede resultado diverso – a dívida neste feito alcança a cifra, hoje, de mais de um milhão de reais (a consulta da execução fiscal no sítio da Justiça Federal indica o valor consolidado em R$ 1.296.922,04), ao passo que se encontra garantido o juízo em apenas R$ 7.217,78, ou seja: tão-só 0,5 % do crédito tributário está sob o abrigo da penhora (notícia também obtida através da consulta processual on line), não sendo razoável suspender o processo até eventual conversão em rendas desse valor.
Dito isso, passo, de logo, à análise do mérito da acusação.
Mérito
Materialidade
A prova material dos crimes agora analisados encontra subsídio nos documentos constantes da representação fiscal para fins penais, notadamente aqueles juntados nas fls. 07 e seguintes, como também nos papéis anexados à presente ação criminal nos apenso I e II.
Conduta
Interrogado judicialmente (fls. 522/523), disse o réu:
Não é verdadeira a denúncia oferecida, pois os valores apontados como movimentados nas contas correntes e poupança envolviam apenas valores que pertenciam aos clientes do depoente. O depoente era procurador de clientes junto à Justiça do Trabalho, sempre na qualidade de procurador de reclamantes. Quando do pagamento no processo judicial, os clientes eram procurados. Não havendo êxito na procura dos clientes, o depoente realizava um depósito em conta a fim de entregar o numerário aos reclamantes. Todos os clientes foram localizados posteriormente e o valor foi repassado, através do respectivo saque. Assim, os valores apontados na denúncia como de movimentação financeira em conta bancária não pertenciam ao depoente, mas aos seus clientes. (…) O depósito em conta era exigência das empresas reclamadas, tais como CRT, CEEE, AESul, e outras empresas. Em regra, a retirada dos alvarás que eram pagos por empresas reclamadas que não exigiam o depósito em conta eram transferidos para uma conta corrente do depoente para permitir o pagamento a seu cliente, através de cheque ou saque no próprio caixa. Não era seguro levantar o alvará e transportar até o cliente o valor devido.
Referiu o demandado, conforme visto, que os valores que transitaram pela sua conta-corrente pertenciam unicamente a clientes seus, advindo de demandas trabalhistas, aduzindo que entendia não se apresentar seguro levantar o alvará e encaminhar o numerário ao patrocinado.
Contudo, o acusado não fez qualquer adminículo de prova dessa realidade, quer junto à Receita Federal (onde restou revel), quer perante esse Juízo Criminal, nos exatos termos do art. 156 do CPP.
Deveria – e peço vênia ao Parquet para me utilizar do seu argumento – um, indicar as reclamatórias trabalhistas que atuou como advogado e quais desses processos restou vencedor; dois, fornecer a nominata dos reclamantes aos quais teria repassado os valores e, três, trazer cópia dos recibos com a quitação dos respectivos pagamentos.
Contudo, e a idéia deve ser gizada, não comprovou a origem do dinheiro e o posterior repasse. Não requereu a oitiva de nenhuma das pessoas para as quais teria efetivado pagamento de lides trabalhistas, deixando de trazer qualquer outro documento – indiciário que se afigurasse – a fim de dar respaldo a sua tese.
Cumpre destacar que nada referiu sobre a omissão da entrega das respectivas declarações relacionadas aos anos-base 1999 e 2000.
O que há – e isso já é suficiente – é o trânsito, na conta-corrente de titularidade do acusado, de vultosa soma de dinheiros, indicada nas fls. 22/30 do processado, com montante demonstrado nas fls. 38/41 e que perfaz R$ 1.254.664,57, valor esse cuja origem não foi comprovada. Houve, portanto, variação patrimonial a descoberto, passível, pois, de configurar crime contra a ordem tributária. Gize-se que o réu, nos únicos momentos em que apresentou declarações de renda (anos-base 97 e 98), o fez com valores ínfimos: no primeiro caso, indicou rendimento de R$ 8.350,00 (fl. 400) e, no ano seguinte, de apenas R$ 9.500,00 (fl. 403)
Nesse estado das coisas, convém trazer outra peculiaridade do caso concreto. É que consta dos autos, fl. 594 e seguintes, certidão narratória de processos distribuídos junto ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, onde é acusado (e suspenso por mais de uma vez), como incurso (ao menos em um dos feitos) no art. 34, XXI, c/c art. 37, §2º, ambos da Lei 8906/94, que diz respeito à recusa injustificada a prestar contas ao cliente de quantias recebidas dele ou de terceiro por conta dele, situação que poderia indicar que alguns dos valores que transitaram pela conta-corrente do acusado foram fruto de eventual apropriação indébita.
A questão, então, ganharia novos contornos, mas com a mesma solução: a validade do lançamento e da persecução criminal. Veja-se.
Discute-se, doutrinária e jurisprudencialmente, a possibilidade de o ilícito ser fato gerador de tributo, com posições antagônicas bem definidas. Cito, por exemplo, a enfática solução apresentada por Aliomar Baleeiro, defendendo a neutralidade moral do fisco e a conseqüente possibilidade de o resultado de crime ser tributado e, de outro lado, Cezar Roberto Bitencourt e Andrei Zenkner Schmidt (Sonegação de tributo incidente sobre produto de crime: imoralidade anunciada. Boletim IBCCRIM n. 118, set. 2002, p. 6-7), ensinando que o produto do delito deve ser perdido como efeito da condenação, e não fato gerador de imposto.
A celeuma atinge, em iguais parâmetros, a jurisprudência. Nesse sentido, em que pese recente (e dissidente) decisão do Superior Tribunal de Justiça dando conta que fatos criminosos não são aptos ao regular nascimento da obrigação tributária (HC 55217/RR, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 20.06.2006, DJ 25.09.2006 p. 315), é livre de dúvidas, junto ao Supremo Tribunal Federal, que o resultado da operação delitiva, desde que apresente evolução patrimonial (ou outro fato gerador qualquer), deve ser tributado, e a omissão ou a falsa declaração, de igual sorte, punida na seara criminal. Veja-se a tradicional jurisprudência:
Sonegação fiscal de lucro advindo de atividade criminosa: “non olet”. Drogas: tráfico de drogas, envolvendo sociedades comerciais organizadas, com lucros vultosos subtraídos à contabilização regular das empresas e subtraídos à declaração de rendimentos: caracterização, em tese, de crime de sonegação fiscal, a acarretar a competência da Justiça Federal e atrair pela conexão, o tráfico de entorpecentes: irrelevância da origem ilícita, mesmo quando criminal, da renda subtraída à tributação. A exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminoso – antes de ser corolário do princípio da moralidade – constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética.
(HC 77530. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Julgado em 25/08/98, Primeira Turma, grifei).
Conclusão: quer se tratem de valores advindos de verbas honorárias (ou de qualquer outra origem, já que os apregoados destinatários dos valores não foram relacionados ou comprovadas as operações tais), quer se trate de resultado de apropriação indébita, de qualquer sorte a falsa declaração e a conseqüente redução de tributo (anos 97 e 98) e a omissão total de informação (anos 99 e 2000) configuram-se como crimes tributários, nos exatos moldes apontados na inicial acusatória.
Assim, e por tudo o que já restou delimitado, tenho que presentes os elementos exigidos pelo tipo penal do art. 1º, I, da Lei 8.137/90, cujo texto assim estabelece: omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias, condutas essas aptas à produção do resultado – crédito tributário – cujos valores já foram indicados precedentemente.
Dolo
Cumpre analisar, então, a existência do elemento subjetivo do tipo, qual seja, o dolo.
O réu, ao prestar declarações falsas e, noutra oportunidade, quedar omisso, causou prejuízos ao erário, no montante descrito na exordial. Refiro, por oportuno, que a conduta descrita no artigo 1º, da Lei 8.137/90 não exige o chamado dolo específico, qual seja, a intenção especial de reduzir ou suprimir tributo, bastando apenas a conduta omissiva ou, se for o caso, comissiva (prestar declaração falsa, por exemplo). Não se indaga, pois, se houve a intenção destinada à supressão ou redução do tributo – é necessária somente a real supressão ou redução. Defende-se, pois, a desnecessidade de especial vontade do agente, nos termos dos seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
CRIMINAL. SONEGAÇÃO FISCAL. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. (…) 5. Os delitos de que trata a inicial acusatória, quais sejam, tipificados no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, embora de evento, são formais, não dependendo, para a sua consumação, da efetiva ocorrência do resultado ou mesmo a caracterização do dolo específico. 6. Recurso conhecido.
(STJ, RESP nº 124035, Sexta Turma, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, publicado no DJ em 03/10/2001, pg. 946, grifei).
PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º, I, LEI 8137/90. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 2º, I. DOLO. SÚMULA 182 DO EXTINTO TFR. CRIME CONTINUADO. REDUÇÃO DA PENA. SUBSTITUIÇÃO. 1. (…). 2. O art. 1º da Lei 8137/90 é um tipo múltiplo. Em nenhum dos seus incisos descreve elemento subjetivo do tipo. Logo, omitir informação à autoridade fazendária, com decorrente redução de tributo, como no caso desses autos, subsume a figura típica, sem se indagar se houve intenção especial de reduzir tributo.(…) 6. Apelação parcialmente provida. (TRF 4, ACR nº 200004010164674/SC, Sétima Turma, Des. Federal Fábio Rosa, publicado no DJ em 03/10/01, pg. 946, grifei).
PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. PRELIMINAR DE UNIFICAÇÃO DAS PENAS APLICADAS PELA JUSTIÇA ESTADUAL E FEDERAL REJEITADA. OBTENÇÃO D EPROVAS SEM MANDADO JUDICIAL PELA RECEITA FEDERAL. POSSIBILIDADE, DEVER DE EXIBIÇÃO DO EMPRESÁRIO. DOLO DO TIPO PENAL DO ART. 1º, INCISOS I, II E V, DA LEI 8.137/90 CONFIGURADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. APELAÇÃO IMPROVIDA.
1 – (…)
4 – Em relação às condutas arroladas no inciso I e V do art. 1º da Lei nº 8.137/90 não há que se perquirir a respeito da existência de dolo na conduta, porquanto a espécie delitiva se perfectibiliza com a ocorrência dos fatos, como demonstrado na denúncia e na sentença (…)
(TRF 4, AC nº 2000.71.00.009157-5/RS, Sétima Turma, Relator Des. Federal Fábio Rosa, publicado no DJ em 25/06/2003, p. 863/864, grifei).
Assim, da análise dos elementos probatórios colacionados aos autos, infere-se que o acusado, ao contrário do que alegado, tinha vontade e conhecimento de que as ações e omissões perpetradas causariam prejuízos ao Erário, situação que se confirmou.
No presente caso, como já demonstrado, houve a efetiva supressão ou redução do tributo, devendo, então, incidir o art. 1º, inciso I, da Lei 8.137/90. Como exemplo desse entendimento na jurisprudência, cito o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º, I, LEI 8137/90. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 2º, I. DOLO. SÚMULA 182 DO EXTINTO TFR. CRIME CONTINUADO. REDUÇÃO DA PENA. SUBSTITUIÇÃO. 1. Tendo a conduta delituosa do apelante consistido em omitir rendimentos em suas declarações de renda dos anos de 1993 e 1994, com redução do imposto de renda devido, enquadra-se ela no tipo previsto no art. 1º, I, da Lei 8137/90, não sendo caso de desclassificação para o art. 2º, I, dessa mesma lei.
(Processo: 2000.04.01.016467-4. Orgão Julgador: Sétima Turma. Data da Decisão: 18/09/2001. DJU DATA:03/10/2001. Relator: Juiz Fabio Rosa, grifei)
Assim, constatada a tipicidade do delito contra a ordem tributária como descrito nos artigos 1º, inciso I, da Lei 8.137/90 e comprovadas a autoria e a materialidade, não havendo causa que exclua o crime ou isente o réu de pena, na forma da fundamentação, a procedência da ação penal se impõe, com a conseqüente condenação do acusado pela prática dos fatos descritos na denúncia.
Refiro, por derradeiro, que a jurisprudência acerca da matéria considera configurado o delito quando da entrega da declaração de rendimentos, ou do transcurso desse prazo in albis (TRF4, Questão de Ordem na apelação criminal nº 2003.71.07.010442-0, Sétima Turma, Rel. Tadaaqui Hirose, julgado em 21/06/2005). Do mesmo relator, também o Recurso em Sentido Estrito nº 2004.71.02.008448-0 (Sétima Turma, julgado em 14-06-2005), sendo que a consumação do crime ocorre na data da entrega do ajuste da declaração do imposto de renda da pessoa física ou jurídica. Ou seja, momento em que foi utilizado efetivamente o documento com a intenção de suprimir ou reduzir tributo.
Dessa forma, como bem trazido pelo Parquet, há a ocorrência de quatro delitos, cada qual atinente a uma declaração de renda direcionada com informação falsa ou não entregue, situação que, não obstante quem pense em contrário, pode, sim, dar azo à aplicação da continuidade delitiva, mesmo que em prazo superior a trinta dias:
PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI Nº 8.137/90, ART. 1º, INC. I. NULIDADE DO PROCESSO. ART. 563 DO CPP. AUTORIA. MATERIALIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. CONTINUIDADE DELITIVA, ART. 71 DO CP.
1. O Código de Processo penal adotou no art. 563 a teoria de que não se decreta a nulidade do processo sem prova do prejuízo, razão pela qual, não demonstrado o efetivo gravame ao exercício da ampla defesa, repelese a anulação pretendida.
2. A materialidade decorre da constatação pelo Fisco, de que tal agir implicou em declaração falsa do valor de sua receita bruta e, conseqüentemente, na redução do valor dos tributos devidos.
3. A culpabilidade do agente repousa na constatação de seu efetivo poder de mando na atividade financeira da empresa.
4. Consuma-se o crime de omissão e prestação de declarações falsas à autoridade fazendária, quando o agente assim age com o evidente intuito de suprimir ou reduzir o pagamento do imposto de renda.
5. Se o crime consiste em omitir tributos e prestar declarações falsas à autoridade fazendária com vistas a suprimir ou reduzir o pagamento, é possível considerá-lo continuado para fins de cálculo da pena, mesmo que entre as declarações tenha se passado um ano, pois é exatamente este o prazo para a prática de tal ato.
(TRF4, 2000.04.01.024979-5, Sétima Turma, Relator Vladimir Passos de Freitas, publicado em 18/06/2003)
Adianto que, porque idênticas as condições em todos os delitos, não urge a fixação, em cada um deles, de sua respectiva pena (com esse sentir, STJ, HC 14174, Sexta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 13-02-01).
Passo, de imediato, à fixação da reprimenda.
Fixação das penas
Pena privativa de liberdade
A culpabilidade é exacerbada, uma vez que o demandado, advogado e conhecedor das lides jurídicas, tinha condições de portar-se de maneira diversa.
O acusado registra antecedentes criminais, conforme se verifica na certidão das fls. 674/675. Conduta social abonada.
Os motivos e as circunstâncias do crime são os típicos do ilícito. Não há que falar em contribuição da vítima para o delito.
Conseqüências em desfavor, uma vez que, embora o valor atribuído a cada um dos delitos, per si, não indique a aplicação da causa especial de aumento do art. 12 da Lei 8.137/90, o quantum é substancial, e, por isso, deve tornar negativa essa circunstância.
Considerando as operadoras do art. 59 do Código Penal, fixo a pena-base, nos termos do art. 1º da Lei 8.137/90, em 03 (três) anos e 01 (um) mês de reclusão.
Não existem circunstâncias agravantes, atenuantes e causas de diminuição, razão pela qual mantenho a pena provisória em 03 (três) anos e 01 (um) mês de reclusão.
Verifico a ocorrência, conforme analisado na fundamentação, de 04 condutas, que, pelas condições de tempo, lugar e modo de execução, devem as seguintes ser consideradas como continuidade da primeira. Assim, nos termos do art. 71 do Código Penal, e tendo em vista que o quantum do aumento deve refletir-se no número de condutas, elevo a pena provisória em 1/3 (um terço), e, ante a ausência de outras causas de modificação, torno a pena definitiva em 04 (quatro) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão.
Do Regime Inicial
A pena aplicada ao réu está dentro dos parâmetros previstos no art. 33, § 2º, alínea “c”, do Código Penal. Portanto, fixo o regime aberto para o seu cumprimento.
Da pena de multa
Tendo em vista as circunstâncias do caso concreto, a pena fixada e demais condições, fixo a multa em 90 (noventa) dias, e, em simetria ao aumento provocado pela aplicação da continuidade delitiva, aumento em 1/3, fixando-a, definitivamente, em 120 (cento e vinte) unidades diárias. Levando em conta a aparente situação econômica do acusado – advogado -, fixo o dia-multa à razão de 1/2 (um meio) do salário mínimo vigente na data do 1º fato, atualizado monetariamente desde então (data do 1º fato) até o efetivo pagamento.
Da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos
Presentes os requisitos legais, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, consoante faculta o § 2º do artigo 44 do Código Penal, quais sejam, pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pela duração da pena substituída, na forma dos artigos 46 e 55 do Código Penal, e pena pecuniária, na forma do artigo 45, § 1º, do mesmo estatuto, devendo o condenado, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o trânsito em julgado, depositar na conta-corrente vinculada ao Juízo, na Caixa Econômica Federal, a quantia de 15 (quinze) salários mínimos, vigentes à época do pagamento, verba que será destinada, oportunamente por ocasião da execução da pena, a uma das entidades assistenciais que mantém convênio com este Juízo Federal Criminal. Arbitro o valor da pena pecuniária considerando a avaliação das condições pessoais do condenado e a conseqüente suficiência da substituição para o caso concreto (artigo 44, inciso III, do Código Penal).
Tem entendido a jurisprudência, especialmente o Superior Tribunal de Justiça (vide, via gratia, Habeas Corpus 18.281, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, julgado em 11-12-01), acerca da necessidade de indicação dos motivos pelos quais se escolheu a restritiva, sob pena de ausência de fundamentação. Pois bem: dentre aquelas prestações arroladas no art. 43 do Estatuto Repressivo, a prestação de serviços à comunidade é aquela que “melhor atinge as finalidades da substituição: afasta o condenado da prisão e exige dele um esforço a favor de entidade que atua em benefício do interesse público, tornando-o partícipe e colaborador de seus programas e objetivos.” (Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Aplicação da Pena. Porto Alegre: Ajuris, 2002, p. 16). Assim, por esses e outros motivos (notadamente a também citada eficácia preventiva geral), a prestação de serviços é a mais indicada entre as penas do art. 43 do Código Penal. Entre as outras penas elencadas, aquela que menor gravame trará ao acusado é, certamente, a prestação pecuniária, além de reverter, à sociedade, os valores angariados.
DISPOSITIVO
ANTE O EXPOSTO, julgo PROCEDENTE a denúncia para CONDENAR o réu PAULO WALDIR LUDWIG às penas de 04 (quatro) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 120 (cento e vinte) dias-multa, à razão diária de 1/2 (um meio) do salário mínimo vigente na época do 1º fato, devidamente corrigido a partir de então (época do 1º fato), por infração ao artigo 1º, I, da Lei 8.137/90, c/c art. 71 do Código Penal.
A pena privativa de liberdade foi substituída na forma da fundamentação.
O réu poderá apelar em liberdade.
Custas pelo condenado.
Em caso de conversão, o regime inicial de cumprimento da pena será o aberto.
Ainda que conste dos autos a movimentação bancária do acusado, não há menção pormenorizada nesta sentença a esses dados, razão pela qual não há óbice à publicação do ato na Internet, assinado digitalmente.
Após o trânsito em julgado, cumpram-se as disposições do artigo 809, § 3º, do Código de Processo Penal e do artigo 327 do Provimento nº 2 da Corregedoria-Geral de Justiça da 4ª Região. Lance-se o nome do réu no rol dos culpados. Oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral, para fins do artigo 15, inciso III, da Constituição.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se, através do Diário Eletrônico da Justiça Federal da 4ª Região.
Passo Fundo, 22 de junho de 2007.
José Luís Luvizetto Terra
Juiz Federal Substituto