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A Juíza Giovana Farenzena, da 4.ª Vara Cível de Canoas, exarou acertada decisão no processo n.º 10900004191, ao confirmar a possibilidade de compensação de precatórios emitidos pelo IPERGS com dividas de ICMS, referendando, dessa forma, o pleito da empresa autora da ação.
Para uma melhor compreensão do tema, transcrevemos abaixo um breve trecho da sentença, in verbis:
“Como supra referi, defendo a idéia de que a compensação é possível, de modo que pedidos como o veiculado nestes autos devem ser aceitos. O Estado do Rio Grande do Sul, como é público e notório, não paga seus precatórios em dia, o que não impõe óbice à circulação dos créditos neles estampados.
O Fisco, não obstante a demora no pagamento dos precatórios, não se exime de cobrar seus créditos. Diariamente aportam perante a signatária diversas novas execuções fiscais fulcradas na Lei 6.830/80, não hesitando o ente público em requerer as mais diversas providências para ver as dívidas dos contribuintes pagas. Não defendo sejam os contribuintes isentados do pagamento dos impostos e demais tributos que lhes são cobrados – o contribuinte fomenta a Administração Pública –, mas há exageros que devem ser contidos. E a recusa na compensação de créditos oriundos de precatórios é um deles.
Não importa que os precatórios sejam do Instituto de Previdência do Estado. A Fazenda Pública é a mesma, e muito embora conte a autarquia com orçamento próprio, o dinheiro vem do mesmo lugar: dos cofres públicos do Estado.” (grifamos)
Embora não seja esta a situação ideal – seria desejável que União, Estados e Municípios honrassem suas dividas de precatórios – a compensação afigura-se uma excelente alternativa a todas as partes envolvidas: ao credor do precatório, que terá a oportunidade de receber, pelo menos em parte, a importância a que tem direito; e ao contribuinte, adquirente do precatório, que possui débitos tributários, os quais poderão ser quitados via compensação.
Causa espécie a resistência do Poder Público em aceitar a compensação de dividas tributárias com dividas de precatórios. Mais estranha ainda é a concordância do Poder Judiciário com tal pensamento.
Dessa forma, ao obstar as pretendidas compensações, o próprio Estado institucionaliza a figura do calote, com a devida chancela do Poder Judiciário, abarrota os Tribunais com processos, e, ao fim, descumpre as suas decisões, desmoralizando a Justiça e enfraquecendo suas instituições.
A doutrina brasileira se manifesta contrária a respeito do não pagamento de precatórios. Assim, Alexandre de Moraes em sua obra “Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional”, 5ª edição, pág. 1417, assevera o seguinte:
O não pagamento de débitos oriundos de sentenças judiciais transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, poderá consistir em desobediência à ordem judicial, autorizando, nos termos dos arts. 34, VI e 36, II, a decretação de intervenção federal.
Cumpre destacar que o reiterado descumprimento das decisões do Poder Judiciário constituem-se em grave afronta ao Princípio da Separação dos Poderes, um dos pilares sobre os quais se assenta o Estado Democrático de Direito. Tal princípio se materializa por meio do Sistema de Freios e Contrapesos, em que cada órgão exerce suas funções típicas – e também as atípicas, cabe lembrar – e controla o outro poder. Essa teoria, desenvolvida por Montesquieu em “O Espírito das Leis”, consagra a tripartição dos poderes como forma de um poder controlar o outro, mantendo, dessa forma, o equilíbrio, evitando-se os abusos ao máximo.
Essa mentalidade deve ser combatida e mudada, eis que a nossa realidade econômica assim o requer. A proibição de compensação de dividas tributárias com precatórios, acaba sendo, ao fim e ao cabo, mais uma forma de obstar a já debilitada iniciativa privada. Não espanta, dessa forma, os pífios percentuais de crescimento econômico do nosso PIB, tendo em vista que não há incentivo ao empreendedorismo criador de empregos. Ao contrário: o empresário é castigado com pesados e diversos tributos, de naturezas distintas, o que acaba limitando sua margem de lucro, diminuindo sua capacidade de se destacar num mercado já naturalmente competitivo.
Apesar de Estado e IPERGS serem pessoas jurídicas distintas, como sabiamente asseverado pela magistrada, os recursos provêm do mesmo local, qual seja: os cofres públicos do Estado do Rio Grande do Sul.
Infelizmente, recentemente assistimos a aprovação da famigerada “PEC do Calote”, resultado do lobby de governadores e prefeitos. A proposta de emenda constitucional institui limites orçamentários para a quitação das dívidas judiciais e cria um regime especial que extingue a ordem cronológica de pagamento. Conforme as mudanças efetuadas, os entes federativos que possuírem débitos judiciais superiores ao valor previsto em orçamento poderão pagar primeiro os precatórios considerados de pequeno valor e aqueles pertencentes a pessoas com mais de 60 anos. A proposta também institui um disparatado tipo de leilão, no qual quem conceder o maior “desconto” ao órgão estatal devedor, terá prioridade no recebimento dos valores.
O legislador não pode sair legislando ao seu bel talante. Deverá, para tanto, observar rígida obediência aos princípios e normas constitucionais. Infelizmente não é isso que se observa na atualidade, com grupos específicos praticando agressivo lobby junto aos legisladores, na defesa de seus interesses, e em detrimento do direito alheio.
Assim, frente à atual situação do sistema jurídico brasileiro – bem como do cenário econômico – urge uma mudança no agir da Administração Pública, de formar a admitir a compensação de precatórios com débitos tributários. Também o Poder Judiciário deverá seguir o exemplo da nobre julgadora do caso em comento, deferindo as compensações pleiteadas, de forma a salvaguardar os direitos e garantias dos contribuintes.
Configura-se indispensável, nesses casos, o incansável trabalho de advogados e demais operadores do direito, que militam em prol dos direitos do contribuinte, já tão castigados pela política fiscal brasileira.
Dra. Julia Reis