Se as usinas termelétricas do país ficarem ligadas ao longo de todo
este ano, para evitar o risco de um racionamento de energia no país,
isso vai encarecer em 15%, em média, a tarifa do consumidor no ano que
vem, considerando a geração de 13 mil megawatts (MW). O impacto é muito
maior do que a alta de até 3% calculada pelo diretor-geral do Operador
Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp. Isso significa que o
consumidor teria de pagar a mais pela energia R$ 14,4 bilhões em 12
meses, o que anularia, já no ano que vem, a redução média de 20% na
tarifa, sancionada esta semana pela presidente Dilma Rousseff e que
começa a chegar nas contas em março.
O valor a mais pago pelas
térmicas representa 16% da receita total por ano de R$ 90 bilhões dos
fornecedores (geradores) de energia. Para chegar ao resultado, os
especialistas do setor calculam a quantidade da energia gerada pelas
térmicas, a capacidade de geração dessas usinas, o custo médio da
energia, o número de meses e horas em que as usinas ficam ligadas, entre
outros fatores.
Em 2001 e 2002, época do racionamento de energia,
a fatura foi menor, entre R$ 12 bilhões e R$ 13 bilhões. Os pagamentos
naquela época foram para contratar o seguro-apagão e para cobrir o
endividamento que geradoras e distribuidoras tiveram com a redução do
consumo.
A conta elevada a ser paga pelo consumidor se deve à
falta de transparência no funcionamento do mercado livre a curto prazo,
no qual geradoras e grandes consumidores compram energia. Quando as
térmicas de segurança são acionadas, como está ocorrendo agora, um preço
mais baixo nesse mercado pode gerar prejuízo ao consumidor final. Isso
porque o preço de referência no mercado livre serve para cobrir o seguro
que garante o funcionamento das termelétricas (ESS, ou Encargo de
Serviços do Sistema), que é cobrado na conta de luz. Ou seja, quanto
menor o preço no mercado livre, maior a parcela do seguro que será paga
pelo consumidor.
Para as grandes geradoras de energia, a lógica é
diferente. Para elas é importante que o preço de referência não seja
muito alto porque, neste momento de escassez nos reservatórios, essas
empresas precisam comprar no mercado livre para honrar seus compromissos
com as distribuidoras. Por essa fórmula, as grandes beneficiadas são
Eletrobras (com as hidrelétricas) e Petrobras (que detém as
termelétricas).
Analistas cobram transparência nos cálculos
O
prejuízo que a fórmula de cálculo do preço no mercado livre pode trazer
para os consumidores foi detectado pela Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel) em 2007, mas até agora não houve qualquer alteração nas
regras. Em fevereiro daquele ano, o então diretor-geral da agência,
Jerson Kelman, determinou que o ONS realizasse uma licitação
internacional para contratar uma empresa que fizesse um novo modelo de
cálculo, usado para as medições do setor, inclusive da hidrologia.
Em
abril do mesmo ano, o então ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau,
presidente do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão
máximo do setor, assinou uma resolução retirando o poder da Aneel de
interferir na questão, levando-o para o conselho. A partir de então, o
CNPE passou a ter a incumbência de modificar os modelos computacionais
do ONS. Especialistas do setor consideram que a medida é ilegal, porque a
legislação determina que cabe à Aneel regular e fiscalizar o setor.
No
fim de 2007, o CNPE editou nova resolução, a número 8, assinada pelo
então ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, atual
diretor-geral da Aneel, que dividia a conta de custos extras com as
usinas termelétricas com todos os consumidores de energia, inclusive os
residenciais, que até então estavam livres do encargo. Com isso, o custo
de ligar as termelétricas e o risco de inadimplência dessas empresas
passaram a ser de todos.
Em fevereiro de 2008, o Ministério de
Minas e Energia criou a Comissão Permanente para Análise de Metodologias
e Programas Computacionais do Setor Elétrico (CPAMP). Presidida pelo
secretário-executivo do ministério, Márcio Zimmermann, ela não atualizou
o modelo do ONS que poderia evitar um aumento tão grande da conta dos
consumidores no caso de uso das termelétricas. Analistas criticam o
modelo do ONS e cobram transparência nos cálculos de preço da energia.
Procurados, Chipp e Zimmermann disseram que só poderiam se pronunciar
hoje, por problemas de agenda. Hubner disse “que não quer se posicionar
sobre o assunto”.