O economista Paul Volcker é mais conhecido no Brasil por ter empurrado nossa economia para a crise do balanço de pagamentos dos anos 1980, ao promover um monumental aperto monetário para controlar a inflação nos Estados Unidos, que puxou o custo de financiamento da nossa dívida externa. Alguns economistas com cargos importantes no governo naquela época, porém, contam uma história alternativa: Volcker ajudou o Brasil a renegociar a dívida com os banqueiros internacionais e, em anos mais recentes, se tornou um admirador de nossa política econômica.
“Ele é um grande amigo do Brasil”, afirma o ex-ministro Ernane Galvêas, que comandou os ministérios do Planejamento e Fazenda no governo Figueiredo. “É uma grande bobagem essa história de que o Volcker quebrou o Brasil. Nossos problemas se devem a nossos próprios erros”, atesta o economista Carlos Langoni, presidente do BC na mesma época.
Em 1980, Volcker assistiu a uma apresentação de Langoni na reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) e se interessou pelas opiniões daquele que, então com 36 anos, era o mais jovem banqueiro central do mundo. Foram almoçar juntos e, desde então, mantém contato muito próximo. Na ocasião, Langoni relatou a Volcker que o aperto monetário americano provocava efeitos negativos na economia brasileira. “Certamente ninguém, nem ele, tinha ideia do terremoto que viria pela frente.”
Em 1981, Volcker aceitou um convite para assistir à inauguração da atual sede do BC, em Brasilia, e passou seu aniversário no Rio de Janeiro, onde participou de seminários econômicos. “De certa forma, os Estados Unidos e o Brasil viviam uma situação muito parecida, só que estávamos mais vulneráveis”, afirma Langoni. “Eles tinham subido os juros para combater uma inflação que chegava aos dois dígitos, e no Brasil atravessávamos a crise do segundo choque do petróleo.”
Essa aproximação entre Volcker e Langoni foi muito útil quando, em 1983, o Brasil entrou de fato em uma crise do balanço de pagamentos. “Volcker nos ajudou bastante no entendimento com os bancos e o FMI”, afirma Galveas. “Todo mundo diz que o culpado da nossa crise é o Volcker. Não está certo. Ele tinha que agir para corrigir a inflação americana, e seu único instrumento era o juro, já que o resto do governo americano não estava disposto a fazer um ajuste fiscal.”
Langoni conta que, nessa época, passou algumas tardes de sábado no apartamento de Volcker em Nova York fazendo as contas sobre quanto o Brasil precisava para fechar as contas externas.
“Volcker foi mais importante para o Brasil que o próprio FMI”. Uma das grandes preocupações era a possibilidade de quebra do Banco do Brasil, depois que a instituição teve cortado o seu acesso ao mercado interbancário. “Ele abriu a linha de redesconto do Federal Reserve para os bancos brasileiros”, afirma Langoni. “O Federal Reserve de Atlanta ficava aberto até que os bancos brasileiros fechassem as suas reservas.”
De lá para cá, Volcker visitou o Brasil várias vezes e foi pescar – seu maior hobby – em Angra dos Reis, onde Langoni tem uma casa. Em janeiro de 1999, quando o então presidente do Banco Central caiu e o Brasil resolveu adotar o regime de câmbio flutuante, Volcker estava em um seminário no Rio de Janeiro. “Ele apostou comigo que o dólar iria sair de R$ 1 para R$ 4 ou R$ 5”, diz Langoni.
Volcker dizia que administrar um câmbio flutuante é tarefa difícil até para os Estados Unidos, uma economia mais avançada. Na década de 1970, ele foi um dos artífices do abandono do padrão de Bretton Woods, que vinculava o valor do dólar ao ouro, em favor do câmbio flutuante. “O sucesso do Brasil na administração do câmbio flutuante fez do Volcker um admirador da política economica brasileira”, diz Langoni.