A recente alteração na jurisprudência da
1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no sentido de não mais admitir
Habeas Corpus substitutivo, pode vir a mudar novamente. Desta vez, no
entanto, a mudança será em direção à flexibilização de sua
inadibissibilidade “linear”. E a modificação parte justamente do
ministro Marco Aurélio, quem, em 2012, capitaneou a “virada na
jurisprudência”, ao posicionar-se contra o recebimento de Habeas Corpus
substitutivo do Recurso Ordinário.
Sob o entendimento de que o
Habeas Corpus estava sendo barateado ao ser utilizado sem previsão legal
como substitutivo de R.O., o ministro Marco Aurélio assentou, durante
julgamento na 1ª Turma, em agosto de 2012, o entendimento de que o HC
substitutivo, além de deturpar a vocação do Habeas, repercute
também numa avalanche de ações que afogam, não só o Supremo Tribunal
Federal, mas principalmente o Superior Tribunal de Justiça.
Nesta terça-feira (21/5), contudo, em julgamento de um HC contra acórdão do Superior Tribunal Militar, Marco Aurélio votou,
como relator, no sentido de admitir a impetração de HC substitutivo nos
casos em que a liberdade de ir e vir estiver ameaçada por via direta,
isto é, quando expedido o mandado de prisão ou no caso de o impetrante
já estar em custódia.
O ministro justificou a mudança a partir de
considerações vindas da “comunidade acadêmico-jurídica” por força da
alteração de jurisprudência na 1ª Turma do STF. As ponderações trazidas
pela academia, afirmou o ministro, tratam das dificuldades de se julgar
com celeridade o Recurso Ordinário em oposição a agilidade do Habeas
Corpus. Levando o dado em consideração, o ministro conta que resolveu se
voltar para a essência da garantia constitucional, que, no inciso 68 do
artigo 5º da Carta Magna, preconiza o recebimento de Habeas Corpus sem
distinção quando a liberdade estiver atingida.
“Tivemos uma virada
na jurisprudência capitaneada por mim, porque estavam barateando muito o
HC, que servia para mil coisas, como um Bombril. Houve então realmente
uma ponderação da comunidade acadêmico-jurídica, que o Recurso Ordinário
custa muito a ficar aparelhado para o julgamento pelo colegiado”,
explicou o ministro Marco Aurélio à revista Consultor Jurídico,
no intervalo da sessão desta terça. “Eu, então, resolvi pinçar a
essência da garantia constitucional, no que voltada a preservar a
liberdade de ir e vir. E puxei o voto [no HC desta terça] já admitindo o
Habeas Corpus quando a liberdade de ir e vir estiver alcançada ou pela
expedição do mandado de prisão ou pelo cumprimento do mandado de
prisão”, disse.
Os demais colegas da 1ª Turma, os ministros Luiz
Fux e Rosa Weber, que haviam acompanhado o ministro Marco Aurélio em
2012, demonstraram que também pretendem seguir o ministro na “evolução
da premissa”. Dias Toffoli havia ficado vencido anteriormente no sentido
de não restringir HCs substitutivos.
Toffoli disse a Marco
Aurélio nesta terça que há precedentes da 2ª Turma no mesmo sentido do
voto trazido pelo ministro. Marco Aurélio afirmou, contudo, desconhecer
precedentes da 2ª Turma sob a mesma premissa. Frente a isso, o ministro
Luiz Fux, embora tenha assegurado que acompanhará Marco Aurélio no novo
entendimento, pediu vista, a fim de checar melhor a jurisprudência da 2ª
Turma.
“Eu estava alinhado totalmente com vossa excelência. Agora
é uma mudança até certo ponto radical”, disse o presidente da 1ª Turma,
ministro Luiz Fux. “Mudança radical foi a anterior. Essa aqui é uma
mudança muito ponderada, para admitir o Habeas Corpus apenas quando a
liberdade já estiver atingida”, respondeu Marco Aurélio.
Bater carimbo
Marco Aurélio observou em Plenário que, na decisão em que foi
contra o recebimento de Habeas Corpus substitutivo do Recurso Ordinário,
“não estava em jogo nem mandado de prisão nem a custódia já
verificada”, sendo, naquele caso, tratada apenas a questão alusiva à
instrução processual. “Depois, então, começamos a bater carimbo”, disse.
“Agora, eu homenageio, num alcance maior, a garantia constitucional do
inciso 68 do artigo 5º, que revela que se concederá sem se distinguir
Habeas Corpus quando a liberdade estiver atingida”, afirmou.
Ao se
referir ao seu voto, o ministro observou que a comunidade jurídica e
acadêmica foi “sensibilizada” pelo fato de o Recurso Ordinário seguir
parâmetros instrumentais que implicam na demora para julgá-lo.
“Daí
evoluir para, presente a premissa segundo a qual a virtude está no
meio-termo, adotar a óptica de admitir a impetração toda vez que a
liberdade de ir e vir, e não somente questões ligadas ao processo-crime,
à instrução deste, esteja em jogo na via direta, quer porquanto
expedido mandado de prisão, quer porque já foi cumprido, encontrando-se o
paciente sob custódia”, diz em trecho de seu voto.
Antes de o
ministro Luiz Fux pedir vista, a ministra Rosa Weber disse que
pretendia acompanhar o relator quanto à ratificação da liminar, mas que
se sentia impelida em voltar à sua posição anterior, mais no sentido do
entendimento do ministro Dias Toffoli, de que, no caso de HCs
substitutivos, cabe o exame caso a caso. Porém, como o julgamento de
2012 não tratava da ameaça à liberdade de ir e vir, mas tão somente da
instrução no processo crime, Fux,Toffoli e Weber sugeriram que tendem a
acompanhar o voto de Marco Aurélio neste caso em particular.
A mudança para uma jurisprudência mais restritiva em relação ao uso do HC foi praticamente consolidada pela
3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que julga matéria criminal. A
3ª Seção do STJ tem assumido o entendimento quase que pacificado ao
restringir o uso do HC substitutivo.
“Não sei como o STJ irá
encarar isso [a mudança de entendimento desta terça], porque eles estão
sobrecarregados com HCs e adotaram a restrição de forma linear. Os
antigos filósofos materialistas gregos, eles assentaram, contudo, que a
virtude está no meio”, disse o ministro à ConJur.