O Supremo Tribunal Federal (STF) homologou um acordo entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador de São Paulo, José Serra, para evitar que a União cobre dívida de R$ 15 bilhões daquele Estado. A dívida foi contraída com o INSS porque, nos anos 70, o governo paulista contratava professores e os demitia, ano após ano, para economizar com a Previdência. Ao todo, 200 mil servidores ativos e pensionistas ingressaram na Justiça para cobrar a contribuição previdenciária devida pelo Estado, criando um “esqueleto” de grandes proporções.
O curioso é que o acordo não foi possível no fim dos anos 90, quando o “esqueleto” ameaçava os cofres paulistas e tanto o governo de São Paulo quanto a Presidência da República eram ocupadas pelo PSDB. Em 1999, o então governador Mário Covas ingressou na Justiça contra o presidente Fernando Henrique Cardoso para evitar que São Paulo fosse cobrado pelo INSS. O maior problema estava nas multas que, somadas às contribuições devidas aos professores, chegavam a R$ 15 bilhões. Em 2001, o governo paulista obteve liminar para que não fosse cobrado. Mas, a decisão foi anulada e o processo foi ao STF. Agora, o acordo foi firmado por políticos que foram adversários diretos no segundo turno das eleições presidenciais de 2002.
Em maio, Lula pediu ao então ministro da Previdência, Luiz Marinho, para que negociasse uma solução de consenso com o governo paulista. Isso coincidiu com as negociações entre Lula e Serra, na ocasião, envolvendo a compra da Nossa Caixa (banco estadual de São Paulo) pelo Banco do Brasil. Marinho era pré-candidato à Prefeitura de São Bernardo e, portanto, seria bom para ele fechar um acordo no Estado, beneficiando os servidores. Em setembro, Lula e Serra concordaram com as diretrizes do entendimento. Em outubro, Marinho venceu as eleições.
A solução dada por Marinho envolveu a regularização dos servidores e o pagamento gradativo, pelo governo estadual, das contribuições que lhes eram devidas. Assim, os professores ficaram com a situação estabilizada. Quanto às multas devidas à União, ficou acertado que São Paulo poderá parcela-las. Com isso, o governo federal não recebeu nada de imediato.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, concordou com os termos do acordo e o advogado-geral da União, ministro José Antonio Dias Toffoli, trabalhou para viabilizá-lo do ponto de vista jurídico. Toffoli levou o caso ao STF, onde o ministro Joaquim Barbosa homologou os termos, em 2 de março. Barbosa era o relator da ação em que São Paulo contestava o pagamento ao governo federal. Com a homologação, a ação foi extinta sem o julgamento do mérito.
Para Toffoli, problemas como esse envolvendo disputas entre dois entes da Federação não devem ser levados ao Judiciário. O risco, segundo ele, é que por conta da demora na tramitação desses processos, os professores ficassem sem solução a respeito de seus direitos previdenciários. “Nesses casos, os chefes do Poder Executivo têm que sentar e chegar a uma solução, senão os maiores prejudicados seriam os servidores”, disse. “Precisamos resolver problemas como esses através de acordos, e não terceirizá-los para o Judiciário.”
O acordo entre Lula e Serra foi citado por Toffoli durante reunião com advogados da Varig, representantes dos sindicatos e credores da companhia aérea, na qual foram delineadas as linhas gerais para evitar que o STF julgue a ação em que a empresa cobra pelo menos R$ 6 bilhões do governo federal. Essa dívida decorreria dos prejuízos financeiros sofridos pela empresa durante o período de congelamento das tarifas no setor, entre 1986 e 92. Na reunião, ocorrida no dia 17, ficou definido que as partes envolvidas terão 60 dias para chegar a uma proposta que agrade a todos e, com isso, evitar o julgamento de uma ação que se arrasta há quase duas décadas na Justiça.
A expectativa é que o processo envolvendo a dívida de São Paulo demorasse pelo menos mais um ano até entrar na pauta de julgamentos do STF.