De acordo com os recentes dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça, as ações judiciais ajuizadas para discutir a exigibilidade do Imposto sobre Serviços representam 3,36% das discussões contenciosas tributárias atuais. Se, por um lado, IPTU, ICMS, PIS e Cofins parecem alavancar o volume de processos judiciais tributários nos tribunais estaduais e regionais federais, por outro, as teses que envolvem o ISS têm protagonizado grandes discussões no Supremo Tribunal Federal.
Nos últimos dois anos, provocado a examinar os limites da incidência do ISS, o Plenário do STF definiu tanto questões relacionadas à extensão da taxatividade da lista anexa à Lei Complementar n.º 116/2003 quanto discussões referentes aos conflitos de competência tributária entre estados e municípios, a exemplo dos leading cases que declararam a constitucionalidade da incidência do ISS sobre contratos de licenciamento de software e também a constitucionalidade da incidência do ISS sobre a inserção de publicidade online.
Recentemente, nos autos do RE 1.348.288, o Plenário da Suprema Corte alcançou quórum suficiente para reconhecer a existência de uma nova questão constitucional, referente à incidência do ISS sobre a cessão de direito de uso de marca. A matéria foi alçada ao Tema nº 1.210 da Repercussão Geral.
Mais uma vez, os ministros do STF serão desafiados a examinar os limites da hipótese material de incidência do ISS e o conceito constitucionalmente definido de serviço tributável, o qual é entendido como o serviço impulsionado por uma conduta humana apta a adimplir uma obrigação de fazer.
É certo que a mera aferição de obrigação de fazer não encerra, por si só, as polêmicas em torno da incidência do ISS. Há, ainda, dois requisitos vinculados à possibilidade de cobrança de tributo, quais sejam, a necessidade de previsão específica do serviço em lei complementar e, ainda, a obrigatoriedade de que o serviço prestado não identifique serviço de comunicação, situação na qual, inexoravelmente, a tributação ocorrerá por meio do ICMS.
Não obstante, fato é que a tributação pelo ISS pressupõe, necessariamente, a prestação de um serviço consubstanciada em uma obrigação de fazer, pura ou mista. A vinculação da incidência do imposto municipal à elaboração, execução ou confecção de algo é refletida na própria jurisprudência do STF, que se preocupou em editar a Súmula Vinculante nº 31 para definir que é inconstitucional \”a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS) sobre operações de locação de bens móveis”.
Não há dúvidas, portanto, de que a caracterização da prestação de serviço para fins de tributação pelo ISS foi o argumento central que liderou diversas controvérsias no STF. Porém, a discussão acerca da incidência do imposto municipal sobre a cessão de uso de marca é matéria inédita e, até hoje, nunca teve o mérito examinado pela Suprema Corte.
Isso, porque todos os precedentes suscitados para embasar a suposta orientação jurisprudencial da Corte sobre a matéria buscam fundamento de validade na Reclamação Constitucional nº 8.623/RJ, julgamento no qual a 2ª do STF afastou a apontada identidade entre a locação de bens móveis, de um lado, e a cessão de uso de marca, de outro. Na ocasião, a análise da discussão se restringiu à eventual correlação entre os institutos, inexistindo qualquer exame referente à natureza da cessão de uso de marca, tampouco sobre a constitucionalidade do ISS sobre esses contratos específicos.
Por essa razão, não tendo a Reclamação nº 8.623/RJ examinado a matéria agora alçada ao Tema nº 1.210 da Repercussão Geral, tampouco assim fizeram os precedentes posteriores a esse julgamento, que apenas se limitaram a citar a decisão da Segunda Turma do STF reciprocamente.
Por outro lado, a aplicação da Súmula Vinculante nº 31 e a equiparação da cessão de uso de marca à locação de bens móveis não esgotam a controvérsia agora levada à apreciação do STF. Nos autos do RE 1.348.288, o Plenário deverá examinar a natureza da cessão do uso de marca enquanto obrigação em si, cujo escopo contratual apenas autoriza o uso de marcas e imagens específicas, ou seja, cedendo o acesso e a utilização de conteúdo específico.
Nesse contexto, ao identificar autorização onerosa e temporária de determinada coisa, a cessão de direito de uso de marca revela natureza de obrigação de dar, motivo que reclama o afastamento do ISS sobre esses contratos e, ainda, a declaração de inconstitucionalidade do item 3.02 da lista anexa à LC nº 116/2003.