A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) acertou ao manter ontem preso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto não é analisado o mérito do pedido da defesa para soltá-lo.
Os advogados de Lula argumentam que o ministro da Justiça, Sérgio Moro, agiu de modo parcial, movido por ambição política, ao condenar Lula no processo em que é acusado de ter recebido um apartamento triplex no Guarujá como propina em troca de contratos na Petrobras.
Entre as evidências de parcialidade apresentadas, incluíram as mensagens trocadas entre Moro e procuradores da operação Lava Jato, reveladas desde o último dia 9 pelo site The Intercept Brasil. Para a defesa, as mensagens deixam clara a parcialidade de Moro. O mérito da questão não foi analisado no julgamento de ontem na Segunda Turma.
O ministro Gilmar Mendes suspendera a votação em novembro passado, quando dois outros ministros – Edson Fachin e Cármen Lúcia – já haviam se manifestado contra a libertação de Lula. O próprio Gilmar afirmou ontem ser mais sensato esperar para avaliar melhor o conteúdo das mensagens. Sugeriu, enquanto não houvesse julgamento do mérito, que Lula aguardasse em liberdade. Foi esse o ponto posto ontem em votação, apoiado por Gilmar e Ricardo Lewandowski, mas derrotado pelos votos de Cármen, Fachin e Celso de Mello.
A inusitada sugestão da “libertação provisória” de Lula – que voltaria à prisão, caso rejeitado o pedido da defesa – criaria uma situação jurídica inédita. Seria mais um elemento de insegurança a pairar sobre a já incerta relação do cidadão brasileiro com a lei.
Não foi esse, porém, o motivo principal para que a sugestão de Gilmar fosse rejeitada. O argumento de Celso, autor do voto decisivo, precisa ser compreendido, para avaliar o impacto das revelações do Intercept na Lava Jato. Na essência, Celso concordou com a objeção levantada no parecer da Procuradoria-Geral da República, que apontou “fundadas dúvidas jurídicas sobre os fatos”.
Enquanto as autoridades não obtiverem acesso integral ao material em poder do Intercept, para que possam garantir sua integridade e autenticidade, será impossível usá-lo para tomar qualquer decisão juridicamente sólida.
É certo que não existe nenhuma evidência de que as mensagens tenham sido adulteradas, apenas a tentativa de Moro e dos procuradores de lançar tal dúvida para defender a própria reputação. Mas o Intercept também não as submeteu a perícia, não revelou sua origem, nem relatou o formato ou o modo como as obteve.
Mais que razoável, portanto, que se aguarde. Há uma diferença essencial entre o material de interesse jornalístico e provas judicialmente válidas de que Moro deveria ter se declarado suspeito para julgar o processo contra Lula. Foi esse o ponto, pertinente, levantado por Celso.
Por isso mesmo, afirmou que seu voto contra a sugestão de Gilmar para libertar Lula não deve ser interpretado como rejeição dos argumentos da defesa quanto à parcialidade de Moro. Só emitirá sua opinião sobre isso quando o mérito dessa questão for julgado.
Toda cautela se faz necessária, pois está em jogo bem mais que a liberdade de um réu. Lula, por sinal, poderá ser solto em breve, quando obtiver direito à progressão de pena (a PGR já se manifestou a favor de tirá-lo da cadeia). Nessa situação, sua condenação não correria o risco de ser anulada, nem Lula recuperaria seus direitos políticos, suspensos enquanto pesar contra ele uma sentença de segunda instância, como manda a Lei da Ficha Limpa.
Caso Moro seja declarado um juiz suspeito no caso, a situação muda de figura. O processo contra Lula poderia ser anulado, apesar de a condenação já ter sido referendada não apenas na segunda instância, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), mas também pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A suspeição de Moro poderia contaminar ainda as provas colhidas nesse caso e interferir noutros em que o atual ministro da Justiça atuou na Lava Jato.
A gravidade do que está em julgamento no STF recomenda que o Intercept entregue todas as mensagens que obteve para que sejam submetidas a perícia. O próprio interesse público funciona a favor da divulgação de todo o material comprometedor (obviamente, não das mensagens de natureza privada), em vez da publicação a conta-gotas segundo a conveniência política, estratégia do site.
Em depoimento ontem na Câmara, o jornalista Glenn Greenwald, fundador do Intercept, declarou que “vai ter muito mais ainda”. “O material já mostrou e vai continuar mostrando que Moro era o chefe da força-tarefa da lava Jato, que era o chefe dos procuradores”, disse. Se foi mesmo assim, é preciso que as autoridades tenham pleno acesso ao conteúdo, para que ele possa ser autenticado – e, só assim, Moro possa arcar com as consequências jurídicas de seus atos.