Sem singularidade do objeto, não há inexigibilidade de licitação
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10 de outubro de 2025O debate sobre a adoção do modelo de split payment (pagamento fracionado) no Brasil vem ganhando força e, ao mesmo tempo, despertando grande preocupação no setor produtivo. A sistemática, que transfere automaticamente ao Fisco a parcela tributária de cada operação, promete reforçar o combate à sonegação e reduzir a inadimplência, mas também acende o alerta vermelho para empresas que podem ter sua liquidez e seu capital de giro comprometidos de forma significativa.
O split payment já é adotado em países como Itália e Polônia, principalmente em relação ao IVA. O mecanismo funciona de forma direta: no momento do pagamento, o valor da operação é dividido, e a parte referente ao tributo é destinada imediatamente ao Estado, enquanto o fornecedor recebe apenas o montante líquido. Na prática, isso elimina a possibilidade de o contribuinte reter o imposto e não repassá-lo posteriormente. No Brasil, embora não exista ainda legislação federal que institua a medida de maneira ampla, já existem experiências pontuais, como a retenção de ISS em serviços prestados a entes públicos e os descontos automáticos em operações com marketplaces e cartões de crédito. Além disso, a reforma tributária (EC 132/23 e o PLP 108/24 em discussão) recolocou o tema no centro da agenda.
Do ponto de vista arrecadatório, o modelo antecipa a receita e reforça o controle estatal. Contudo, para as empresas, o impacto recai diretamente sobre o fluxo de caixa. Indústrias e setores com ciclos longos de produção e recebimento tendem a sofrer mais, já que deixam de contar com o prazo até a data normal de recolhimento dos tributos, normalmente no mês seguinte. Pequenas e médias empresas, especialmente as que operam com margens apertadas, correm o risco de ver sua capacidade de honrar compromissos imediatos, como folha de pagamento, fornecedores e investimentos, severamente reduzida. Basta imaginar uma companhia com faturamento mensal de R$ 10 milhões e margem líquida de 6%. Se os tributos forem retidos no ato, até 80% da liquidez que estaria disponível para compromissos imediatos pode ser comprometida, obrigando a empresa a recorrer a capital de terceiros.
No campo jurídico, a adoção do split payment traz discussões densas. Há quem sustente que a retenção imediata pode ferir o princípio da capacidade contributiva (artigo 145, §1º, CF/88), por desconsiderar a realidade econômica de cada empresa. O risco de caracterização de confisco indireto também surge (artigo 150, IV, CF/88), já que a perda abrupta de liquidez compromete a própria sobrevivência do contribuinte. Ademais, sua implementação exige lei específica, respeitando os princípios da legalidade e da anterioridade (artigo 150, I e III, CF/88), sob pena de inconstitucionalidade. O tema ainda dialoga com a neutralidade tributária prevista na EC 132/23 e com os princípios da livre iniciativa e da concorrência (artigo 170, CF/88), uma vez que grandes empresas absorvem melhor o impacto do que as pequenas.
A experiência internacional mostra que países que adotaram o sistema o fizeram com mecanismos compensatórios, regimes diferenciados e prazos de adaptação. Na Itália e na Polônia, por exemplo, a implementação do split payment veio acompanhada de medidas para mitigar os efeitos sobre a liquidez empresarial. A importação do modelo para o Brasil sem tais salvaguardas pode ampliar desigualdades e prejudicar setores estratégicos.
No plano setorial, os efeitos são diversos. Empresas do Simples Nacional que atuam no B2B, se não forem incluídas em regimes especiais, correm o risco de perder competitividade. No setor financeiro, fintechs e meios de pagamento podem ser diretamente impactados, especialmente porque o split payment se conecta às discussões sobre meios digitais, open finance e compliance. Já em áreas de capital intensivo, como o mercado imobiliário e a indústria, o impacto sobre o fluxo de caixa tende a ser ainda mais crítico.
A implementação do split payment no Brasil só poderá ser considerada exitosa se for acompanhada de políticas de transição, regimes diferenciados para pequenas empresas, linhas de crédito compensatórias e, sobretudo, de uma análise profunda dos efeitos setoriais. Ignorar tais fatores seria transformar o modelo em um remédio fiscal com efeitos colaterais mais graves do que a própria doença da evasão.
Assim, o split payment é um mecanismo que pode trazer ganhos importantes para o Estado em termos de eficiência arrecadatória, mas que só será sustentável se equilibrar o interesse público com a realidade financeira das empresas. Mais do que importar soluções prontas da Europa, o Brasil precisa construir um modelo regulatório próprio, que respeite os princípios constitucionais, preserve a segurança jurídica e assegure a viabilidade econômica do setor produtivo. Para tributaristas e profissionais de Tax, o desafio está em analisar como essa medida dialoga com a reforma tributária em curso e propor soluções que permitam reforçar a arrecadação sem sufocar a atividade empresarial.
Fonte: Conjur
