A Receita Federal esclareceu ontem algumas dúvidas que assombravam o mercado sobre a incidência dos 2% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) na compra de ações brasileiras por investidores estrangeiros e que já estimulavam a criatividade dos agentes. Técnicos da Receita explicaram que os recibos de ações (ADR) negociados em Nova York não sofrem incidência do imposto e, numa análise preliminar, afirmaram que não há risco do pedágio nem mesmo quando se tratar de oferta pública, desde que oferecidas já na forma de ADR.
A listagem de ações em Nova York aparece como o caminho mais óbvio para as empresas continuarem a acessar os investidores estrangeiros. Contudo, não estava completamente claro o impacto do IOF sobre os recibos, especialmente em ofertas públicas. Apesar do esclarecimento dos técnicos, o mercado aguarda ainda uma posição formal do Fisco sobre o tema.
Questionada, a Bovespa preferiu não se pronunciar por ainda estar avaliando o assunto tecnicamente. Em entrevista na terça-feira, o presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto, disse que existem dúvidas e que a Receita Federal teria que se posicionar.
Os especialistas atribuem as dúvidas iniciais ao fato de o decreto ser pouco específico.
Tobias Stirnberg, do escritório de advocacia Shearman & Sterling, acredita que antes de as companhias correrem para fazer um programa de ADR deveriam se certificar bem de que está garantida a ausência de tributação.
No mercado, não existiam muitos questionamentos sobre a negociação de ADR entre dois investidores estrangeiros, realizada fora da Bovespa. Como não há ingresso de capital no país, não há necessidade de contratação de câmbio e, portanto, também não existe razão para dúvidas.
Porém, quando se trata de ofertas públicas e distribuição de novos ativos, nem todos estavam seguros da ausência de tributação do estrangeiro, ainda que o investimento seja feito por meio de ADR.
Para técnicos da Receita ouvidos pelo Valor, a não incidência deve-se ao fato de ser a companhia a trazer os recursos para o Brasil, numa oferta pública, e não o investidor estrangeiro. O aplicador compra o ADR lá fora e a companhia é quem traz o dinheiro.
O advogado José Eduardo Carneiro Queiroz, sócio da área de mercado de capitais do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. & Quiroga Associados, explicou que dúvida existia por conta da necessidade de se trazer o dinheiro para dentro do país. “Em uma análise preliminar, acredito que não haveria cobrança de IOF porque o dinheiro entra no país como retorno do investimento da empresa.”
Para Alexandre Seguim, do Barbosa, Müssnich & Aragão Consultoria Tributária, havia margem para questionamentos. Ele destaca, contudo, que ainda existem muitas dúvidas e que é natural em normatizações como essa do IOF que depois sejam emitidos diversos esclarecimentos.
O mercado, contudo, já estava preparado para lidar com a dificuldade. Menos de 48 horas após a edição da medida, já criava soluções. E, caso a companhia não ofereça ADR, há um caminho – ainda que um pouco tortuoso.
O investidor estrangeiro compra ADR de uma companhia brasileira qualquer e, em seguida, desmembra esse recibo em papéis locais. Assim, ingressa no país com um ativo local no bolso, vende ele no mercado e faz moeda corrente aqui dentro, que pode ser usada para investir em qualquer outro ativo. Tudo isso sem precisar contratar nenhuma operação cambial e, assim, sem ter que pagar IOF.
Apesar de a listagem de ADR ser o caminho mais lógico para as companhias, Carneiro Queiroz não acredita que haverá uma enxurrada de empresas querendo lançar ADRs ao mesmo tempo em que emitem ações no país. “Tirando as muito grandes, não se consegue dar liquidez a dois mercados. Assim, os investidores devem procurar o ambiente mais líquido, que é o doméstico.”
Stirnberg explica que não há necessidade de a companhia enfrentar a complexidade de uma listagem de ADR nível 2 ou 3 para atender o investidor que preferir adquirir os recibos.
A grande maioria das ofertas de ações realizadas desde 2004 utiliza uma regra conhecida como 144-A para oferecer suas ações a investidores estrangeiros. Por ela, é possível acessar aplicadores qualificados, institucionais.
Essa regra já permite que o investidor adquira ADR. Contudo, trata-se de uma categoria inferior ao nível 1, que também é negociado apenas no balcão. Além de não ser cotado em bolsa propriamente, o recibo do 144-A só pode ser negociado entre investidores institucionais, de acordo com Stirnberg, durante um período de seis meses a um ano. Depois disso, pode ser transformado em nível 1 – continua negociado em balcão, apenas, mas pode ser adquirido por qualquer investidor.
O ADR nível 1 não representa nenhum custo adicional à companhia. A única exigência é que a empresa ofereça suas informações também em inglês.
Já os ADRs níveis 2 e 3 agregam complexidade e custo às companhias, uma vez que elas passam a ficar sob o guarda-chuva da Securities and Exchange Commission (SEC) e a severa lei de controle de mercado, a Sarbanes-Oxley. A diferença entre essas duas categorias é que o nível 3 só é utilizado quando a companhia faz uma oferta pública nos Estados Unidos, ou seja, coloca as ações à venda inclusive para o pequeno investidor local. O custo maior dessas modalidades, em comparação ao nível 1, não é de listagem, mas de estrutura para atender às necessidades da SEC.
Para o estrangeiro, a facilidade de negociar no maior mercado do mundo será considerada, ainda mais porque os custos de transação na bolsa brasileira cresceram no último ano, após um ajuste de tarifas realizado pela Bovespa.
No caso das ofertas públicas de companhias que não quiserem fazer um programa de ADR, mais uma alternativa é o banco coordenador comprar os papéis e oferecer um derivativo aos estrangeiros – operação conhecida como “total return swap” e crescentemente utilizada nas últimas captações. Na VisaNet, por exemplo, 18% das ações vendidas, o equivalente a R$ 1,5 bilhão, foram adquiridas pelos coordenadores Santander, JP Morgan, UBS Pactual e Goldman Sachs para fazer jus a contratos desse tipo.