Nem toda infração tributária é crime
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13 de maio de 2022A revisão das políticas nacionais para bens remanufaturados, que pretende permitir a importação de bens industrializados pelo fabricante original do produto ou autorizado em idênticas condições do original, foi objeto deste Território Aduaneiro em recente e auspicioso artigo da colunista Fernanda Kotzias (aqui). A intenção do governo federal sujeita-se ao influxo da preocupação ora em não se promover o insulamento do país com relação a este mercado internacional em franca expansão, ora em se prestigiar a sustentabilidade e o meio ambiente por meio do aproveitamento otimizado dos recursos disponíveis.
O olhar especial para o setor de autopeças (uma vez que potencial autorização se estenderia a bens de consumo, partes e peças), deve-se à sua ampla representatividade nas trocas com os parceiros comerciais neste nicho, que não se confunde com o de bens reparados ou recondicionados, o que também justifica se abordar o tema por uma perspectiva diferente e complementar, igualmente voltada à modernização, à pesquisa, ao desenvolvimento (P&D) e aos ideais de proteção do meio ambiente, o regime de autopeças não produzidas.
O \”Regime de Autopeças Não Produzidas\” é uma política industrial do setor automotivo aplicável às importações de partes, peças, componentes, conjuntos e subconjuntos, acabados ou semiacabados, novos e destinados exclusivamente à produção de autopeças e veículos por empresas automotivas.
O desenho original da política foi o formato de redução tarifária na importação de autopeças, conforme previsão do Acordo sobre Política Automotiva Comum entre o Brasil e a Argentina, firmado no 38º Protocolo Adicional ao Acordo de Complementação Econômica nº 14 (ACE 14), internalizado pelo Decreto nº 6.500/2008, posteriormente prorrogado e modificado pelos 40º a 44º Protocolos Adicionais ao ACE 14, aplicável a beneficiários previamente habilitados. A Resolução Camex 61, de 23 de junho de 2015, foi o ato responsável pela regulamentação da aplicação do ACE 14 no Brasil, cuja lista atualizada de autopeças beneficiadas pela redução tarifária consta da Resolução Gecex nº 284, de 23 de dezembro de 2021.
Com a promulgação da Lei nº 13.755/2018 e do Decreto nº 9.557/2018, diplomas que instituíram e regulamentaram o Programa Rota 2030, a importação das autopeças pelo beneficiário previamente habilitado passou a implicar isenção tarifária do imposto de importação condicionada à realização de dispêndios em P&D correspondentes a 2% do valor aduaneiro dos itens importados sob o regime, fonte de recursos voltada a estimular o investimento em projetos e programas prioritários do setor automobilístico.
O advento do programa Rota 2030 no ano de 2018 passou a franquear ao importador a possibilidade de se habilitar em dois distintos regimes tarifários, com fundamentos legais distintos: (a) atual Resolução Gecex 285, de 23 de dezembro de 2021 (antiga Resolução Camex 102, de 17 de dezembro de 2018), que relaciona as autopeças sujeitas ao regime tributário de isenção do imposto de importação – Regime Tributário RT-3, fundamentos legais 92 e 96; e (b) Resolução Gecex 284, de 23 de dezembro de 2021 (antiga Resolução Gecex 23, de 30 de dezembro de 2019), que relaciona as autopeças sujeitas ao regime tributário de redução do imposto de importação – Regime Tributário RT-4, fundamentos legais 59 e 95.
O regime de isenção tarifária, ao contrário do regime de redução, obriga que o produtor utilize totalmente os itens importados com benefícios, devendo as autopeças importadas serem aplicadas integralmente na industrialização de produtos automotivos no prazo de três anos contados do desembaraço aduaneiro, ou seja, não é permitida a importação para revenda direta. O Decreto 9.557/2018, por sua vez, tolera o percentual de perda inevitável do processo produtivo, na forma declarada na Escrituração Fiscal Digital (EFD) da empresa.
Ao se recortar o segmento automotivo como uma cadeia que se estende do importador ao consumidor, que utilizará o veículo e demandará partes e peças ao longo da vida útil do bem, é possível se perceber uma assimetria de tratamento na medida em que os incentivos do setor restringem-se à cadeia produtiva industrial, por meio da aplicação do regime de ex tarifário aos insumos dos produtos automotivos não produzidos nacionalmente, existindo, por ora, a limitação quanto à importação de bens remanufaturados.
O recurso ao expediente do ex tarifário, no caso do regime de autopeças não produzidas, consubstancia-se em um vero benefício tributário voltado a estimular ou induzir o agente econômico a investir em P&D, mas de aplicação exclusiva para aquelas empresas previamente habilitadas e que utilizam os insumos importados na industrialização de produtos automotivos, o que, nos termos do artigo 23 da Lei nº 13.755/2018, acaba por contemplar grandes indústrias do segmento (poucas, fortes e organizadas), sem alcançar o pós-venda formado predominantemente por oficinas (pulverizadas e de organização centrífuga), deixando ao desamparo considerável parte do setor, o que tem por efeito o repasse dos custos ao consumidor final e, a exemplo disso, podemos citar o mercado das peças de reposição.
Considerando a diminuição dos custos de produção dos itens remanufaturados em até 50%, a implementação de política de remanufatura automotiva no Brasil, sob ponto de vista da importação, ainda que não abrangida pelo regime de ex tarifário das autopeças não produzidas, permitiria maior oxigenação do mercado de reposição, garantindo que os bens de consumo remanufaturados importados possam ser comercializados no território nacional sob preços mais competitivos.
Desta feita, a entrada em vigor das novas regras de importação de bens remanufaturados pode trazer implicações positivas para a diversificação de fornecedores de autopeças no Brasil, especialmente dentro do setor de reposição, sem prejuízo da manutenção das benesses à cadeia industrial automotiva na forma pensada pelo Rota 2030, ainda que o recurso ao mecanismo da exceção tarifária para promoção de um estímulo fiscal possa encontrar questionamentos no âmbito da OMC.
