O diplomata Roberto Azevêdo, de 55 anos, venceu nesta terça-feira a disputa com o mexicano Herminio Blanco e será, a partir de setembro, o primeiro brasileiro e latino-americano a comandar uma das organizações mais importantes do mundo econômico: a Organização Mundial do Comércio (OMC). E terá um desafio espinhoso pela frente: desbloquear a Rodada de Doha, como são conhecidas as negociações para abertura do comércio mundial.
O governo brasileiro preferiu não divulgar o número de votos a favor de Azevêdo, mas, segundo fontes, o embaixador brasileiro teve a preferência de quase cem países de um total de 159 votos. A vitória de Azevêdo, que até antenesta terça-feira não era apontado como favorito, foi comemorada pelo governo brasileiro e também por especialistas em comércio internacional. Segundo analistas, trata-se da maior vitória da diplomacia brasileira dos últimos anos.
A presidente Dilma Rousseff disse nesta terça-feira que a decisão “não é uma vitória do Brasil, nem de um grupo de países, mas da OMC”. Segundo ela, o governo apresentou o nome do embaixador para o cargo por acreditar que, com a sua experiência e o seu compromisso, “ele poderia conduzir a Organização na direção de um ordenamento econômico mais dinâmico e justo”. Por volta de 15h, logo após a divulgação da vitória do diplomata, a presidente falou por telefone com o embaixador Azevêdo, cumprimentou-o pelo feito e lhe desejou sucesso na missão.
Para Dilma, com o mundo ainda afetado pela crise global, caberá à OMC “nos próximos anos dar um novo, equilibrado e vigoroso impulso ao comércio mundial, fundamental para que a economia global entre em um novo período de crescimento e justiça social”. A presidente destacou que a mensagem do governo foi entendida “por expressiva maioria” dos membros da OMC, levando à vitória de Azevêdo.
Na OMC, cada país tem o mesmo peso e responde por um voto. O que explica como Azevêdo se elegeu, apesar de não ter levado os 28 votos da União Europeia (UE) — 13 países do grupo preferiam o brasileiro, mas a UE decidiu votar em bloco, numa campanha movida por França e Alemanha.
— Estou muito feliz — foi tudo o que disse Azevêdo, abraçando a mulher, a também embaixadora do Brasil Maria Nazareth Azevêdo, que se ocupa de assuntos políticos na ONU.
Ele só falará com a imprensa nesta quarta-feira, depois que a decisão for anunciada oficialmente aos 159 países-membros da OMC. A OMC vai formalizar a nomeação de Azevêdo no dia 14 desde mês. Depois, o brasileiro embarcará para o Brasil.
Brasileiro teve apoio de emergentes
Azevêdo teria obtido um forte apoio na África (além do que o governo brasileiro esperava), Oriente Médio, Ásia e América Latina. Os Brics — grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — também teriam votado em massa em Azevêdo, segundo fontes brasileiras.
Alguns países, entre eles os EUA e a UE, votaram nesta terça-feira de manhã: ou seja, em cima do laço. Os americanos foram uma incógnita nesta campanha. Ficaram silenciosos, mesmo considerando que o apoio ao candidato mexicano era dado por analistas como certo. Na interpretação dos brasileiros, o silêncio dos americanos no processo significa que eles não se oporiam à Roberto Azevêdo, o que, para o Brasil, foi importante.
A vitória de Azevêdo foi selada quando o mexicano reconheceu sua derrota. Ele telefonou para o brasileiro parabenizando-o e reconhecendo que o Brasil “fez uma excelente campanha”. Disse que aceitava o resultado e estava satisfeito com o processo.
Minutos após a notícia, garrafas de champagne rosé Michel Loriot e vinho tinto francês Domaine du Tix, pratos repletos de quibe e quitutes brasileiros embarcavam numa caminhonete estacionada na residência oficial do embaixador rumo à missão diplomática do Brasil, onde ocorreu uma festa improvisada com diplomatas e funcionários.
O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, disse que a vitória do embaixador brasileiro reflete uma nova ordem internacional em transformação, em que os países emergentes demonstram capacidade de liderança. Ele negou que tenha havido um embate entre ricos e pobres, alegando que o candidato brasileiro recebeu apoio de variadas nações.
— É uma vitória do Brasil. Houve uma dinâmica que também envolveu o aspecto Norte-Sul, mas, além dos votos, os critérios para a escolha do candidato vencedor são a qualidade e a distribuição do apoio recebido — disse o ministro.
Patriota ressaltou que Azevêdo terá de ressuscitar a Rodada de Doha, que se arrasta há mais de dez anos, por falta de consenso.
A eleição de Azevêdo foi considerada por especialistas como a grande vitória da diplomacia brasileira. Eles afirmam que a escolha do brasileiro é um sinal de mudança na governança global, em que os países emergentes ganham espaço nos organismos multilaterais.
— O Brasil teve alguns fracassos em diplomacia, como na questão nuclear do Irã e na tentativa de intermediar o conflito no Oriente Médio. A escolha de Azevêdo foi talvez a grande conquista da diplomacia brasileira — diz o professor da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador científico do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (Caeni) Amâncio Jorge de Oliveira.
Crítico da atual política externa brasileira, o diplomata José Botafogo Gonçalves, ex-ministro da Indústria e Comércio, disse que a escolha foi uma agradável surpresa e aproveitou para alfinetar o governo Dilma:
— Acredito que o embaixador Azevêdo fará um bom trabalho à frente da OMC. Quem sabe ele poderá dar bons conselhos ao governo brasileiro, para que pare com o protecionismo.