Imunidade na exportação indireta por cooperativas: posição do STF e do Carf
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9 de outubro de 2025A Lei Complementar (LC) nº 214/2025 vedou a concessão de novos incentivos e benefícios fiscais, mas estabeleceu regimes diferenciados para a incidência do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) para alguns setores, entre eles, o agropecuário. A proposta é simplificar a tributação, ampliar a não-cumulatividade dos tributos, preservando a competitividade das atividades rurais e assegurando a neutralidade fiscal.
Após uma longa discussão em relação aos pequenos produtores, a LC nº 214/2025 estabeleceu que produtores rurais, pessoas física ou jurídica, que auferirem receita inferior a R$ 3,6 milhões no ano-calendário, e o produtor rural integrado não são considerados contribuintes do IBS e da CBS, podendo fazer esta opção caso assim desejarem. O valor de R$ 3,6 milhões será atualizado anualmente com base na variação do IPCA.
Em contrapartida, para evitar a quebra da cadeia dos créditos do IBS e da CBS, o contribuinte sujeito ao regime regular poderá apropriar créditos presumidos relativos às aquisições de bens e serviços de produtor rural ou de produtor rural integrado, não contribuintes.
Para os contribuintes do IBS e da CBS, as alíquotas incidentes sobre o fornecimento dos insumos agropecuários e aquícolas serão reduzidas em 60%, de acordo com os itens listados no Anexo IX da lei complementar e respectivas classificações fiscais. Quando exigido, os produtos devem estar registrados como insumos agropecuários ou aquícolas no órgão competente do Ministério da Agricultura e Pecuária.
A relação disponível no Anexo IX da lei complementar inova no ordenamento jurídico, trazendo insumos agropecuários e aquícolas que por vezes estavam excluídos dos atuais benefícios fiscais.É o caso, por exemplo, dos fertilizantes, que, por não possuírem nitrogênio (azoto), fósforo ou potássio, acabavam excluídos da classificação fiscal do Capítulo 31 do Sistema Harmonizado, segundo o entendimento da Receita Federal, sendo afastada a aplicação da alíquota zero de PIS/Cofins prevista no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 10.925/2004.
Quando iniciada a vigência e a cobrança da CBS, não só os fertilizantes com classificação fiscal no Capítulo 31 poderão usufruir da alíquota reduzida, como também aqueles enquadrados nos códigos NCM 3824.99.77, 3824.99.79 e 3824.99.89. No entanto, o benefício se restringe aos produtos ali listados. A legislação estabelece que outros insumos agropecuários e aquícolas poderão ser incluídos na lista de que trata o Anexo IX, desde que sirvam às mesmas finalidades daquelas já contempladas e de produtos destinados ao uso exclusivo para a fabricação de defensivos agropecuários. Para tanto, o ministro da Fazenda e o Comitê Gestor do IBS, ouvindo o Ministério da Agricultura e Pecuária, editarão ato conjunto, a cada 120 dias.
Além da previsão de redução das alíquotas do IBS e da CBS, a Lei Complementar nº 214/2025 prevê diferimento no recolhimento destes tributos sobre insumos agropecuários e aquícolas, nas hipóteses de:
fornecimento realizado por contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS para contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS e para produtor rural não contribuinte do IBS e da CBS que utilize os insumos na produção de bem vendido para adquirentes que têm direito à apropriação dos créditos presumidos do setor; e
importação realizada por contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS e para produtor rural não contribuinte do IBS e da CBS que utilize os insumos na produção de bem vendido para adquirentes que têm direito à apropriação dos créditos presumidos do setor.
Nas hipóteses de aquisição ou importação por contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS, o diferimento se encerrará quando o fornecimento do insumo agropecuário e aquícola, ou do produto deles resultante: não esteja alcançado pelo diferimento; ou seja isento, não tributado, inclusive em razão de suspensão do pagamento, ou sujeito à alíquota zero.
O recolhimento do IBS e da CBS relativos ao diferimento será efetuado pelo contribuinte que promover a operação que encerrar a fase do diferimento, ainda que não tributada, observando as regras aplicáveis à operação.
Nos casos em que o diferimento envolver a operação com produtor rural não contribuinte, o seu encerramento se dará mediante a redução do valor dos créditos presumidos de IBS e de CBS dos adquirentes.
A legislação complementar também estabelece a redução em 60% das alíquotas do IBS e da CBS incidentes sobre o fornecimento de produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura.
Considera-se in natura o produto tal como se encontra na natureza, que não tenha sido submetido a nenhum processo de industrialização nem seja acondicionado em embalagem de apresentação. Não perde esta condição o item que apenas tiver sido submetido a secagem, limpeza, debulha de grãos ou descaroçamento; e ao congelamento, resfriamento ou simples acondicionamento, quando esses procedimentos se destinem apenas ao transporte, ao armazenamento ou à exposição para venda.
Além disso, o regulamento disporá sobre os produtos que não perderão a qualidade de in natura quando necessitarem de acondicionamento em embalagem de preservação, com adição de concentração ou conservantes para manter a integridade e características do produto.
Como não há uma lista taxativa de quais produtos gozarão da redução da alíquota, é possível que novos produtos, a exemplo de grãos desenvolvidos pelo setor, possuam carga tributária reduzida apenas em razão da sua condição in natura.
Por fim, há previsão de alíquota zero de IBS/CBS para diversos itens que comporão a cesta básica nacional de alimentos (artigo 125 da LC), incluindo itens hortícolas, frutas, entre outros.
É inegável que a Lei Complementar nº 214/2025 procurou assegurar a manutenção da competitividade do setor agropecuário no mercado interno e externo, tão importante à economia brasileira. Contudo, trouxe novas regras e procedimentos que deverão ser observados, incluindo o aumento dos custos de conformidade fiscal.
Ademais, o real impacto da nova sistemática de tributação dependerá da análise caso a caso, afinal, a nova tributação, ainda que com a ampliação dos créditos tributários e reduzida em 60%, poderá significar um aumento do custo e impacto do fluxo de caixa do setor, que contava com inúmeros benefícios de diferimento, suspensão, isenção, alíquota zero e créditos presumidos.
Exemplo disso será o tempo para que eventuais créditos sejam ressarcidos em razão das exportações e o recolhimento do tributo em casos de encerramento do diferimento. Ademais, a despeito da amplitude de créditos, é certo que o ciclo econômico da produção rural é bastante longo, o que pode impactar na efetiva realização dos valores desembolsados quando da aquisição de insumos.
Diante das transformações propostas pela reforma tributária, recomenda-se uma cuidadosa avaliação por parte dos agentes econômicos e gestores. Embora a simplificação tributária traga benefícios inequívocos, como a redução da complexidade administrativa e maior segurança jurídica, é essencial se atentar para possíveis impactos na cadeia produtiva agroindustrial.
Recomenda-se atenção constante à evolução normativa e regulatória, visando não apenas mitigar riscos, mas também aproveitar plenamente as novas oportunidades geradas, garantindo que o setor mantenha seu papel de destaque no crescimento econômico nacional.
A posição do Carf e a aplicação dos precedentes do STF sobre exportação indireta às cooperativas
Vista a jurisprudência do STF, a questão a ser doravante avaliada é a aderência desse posicionamento no âmbito do contencioso administrativo.
Para avaliação do panorama jurisprudencial do Carf a respeito do tema, pesquisamos por decisões envolvendo a aplicação do tema 674 a contribuintes cooperativas ou que entregam suas produções a cooperativas para posterior exportação, focando-se o levantamento no período compreendido entre 2023 até o momento (2025).
O que se verifica é que a maioria das decisões encontradas sob esta pesquisa específica reconhece a aplicação dos precedentes do STF à realidade das cooperativas, ciente de que a posição do STF visou proteger as operações de exportação de bens ainda que realizadas de forma indireta por outras pessoas jurídicas e, por isso, o reconhecimento da imunidade deve ocorrer também às exportações indiretas realizadas por cooperados por meio de suas cooperativas.
Este é o entendimento manifestado nos Acórdãos 2301-011.039, 2301-011.645 e 2401-012.028.
Mas não há consenso. Há decisões que se posicionam em sentido distinto, não por afastar a imunidade às exportações indiretas por cooperativas, mas sim, por concluir i) que não restou comprovado em diligência que os produtos repassados pelos cooperados à cooperativa de fato foram destinados à exportação (e.g. Acórdão n. 2201-012.015), havendo inclusive diversos processos baixados em diligência para tal verificação; e/ou ii) que a cooperativa remunera o cooperado imediatamente após a entrega dos produtos, antecipando assim a remuneração independente da exportação, de modo que esta operação não se vincularia à exportação e não se enquadraria como ato cooperativo, baseando-se no entendimento da Solução de Consulta Cosit nº 149/2023 (vide Acórdão nº 2201-011.999).
A avaliação do item i) demanda estudo da realidade concreta de cada contribuinte, para conferir se de fato, foi demonstrado que os produtos recebidos pela cooperativa dos cooperados foram efetivamente destinados à exportação, o que poderia levar ao afastamento reconhecimento da imunidade. Tal conclusão, frisamos, não decorria da existência de exportação indireta, mas por não ter restado comprovada efetivamente a exportação dos produtos pela cooperativa.
Já com relação ao item ii), trata-se de entendimento que parece se relacionar à problemática apontada no início deste texto, qual seja, o desconhecimento da realidade operacional das cooperativas e a forma de configuração do ato cooperado. A mera antecipação por parte da cooperativa não desnatura em hipótese alguma a configuração do ato cooperado nessa operação, o que não pode passar despercebido. Aliás, ratificando esse ponto, lembramos que o cooperado sempre será responsável caso a referida antecipação acarrete perdas no final do exercício, já que conforme artigo 21, inciso IV, as perdas da cooperativa são rateadas entre cooperados. Fato é que o modelo de repasse de riqueza não interfere no conceito de ato cooperado, desde que respeitada a essência da cooperativa, de seus cooperados, as relações subjetivas entre eles e o objeto social da cooperativa, nos termos do artigo 79 da Lei 5.764/1971.
Ainda, cumpre lembrar que o ato cooperado não envolve operação de mercado, de forma que a cooperativa, quando da sua prática, não possui receita ou riqueza própria, mas recursos e riqueza dos cooperados, que a eles devem ser destinados tão logo possível.
Diante desse cenário, o que se pode concluir é que o tema escolhido para o presente artigo se pauta em pilares fundamentais do direito tributário/constitucional/econômico: o cooperativismo e o tratamento das exportações por meio de imunidade, num Estado Democrático de Direito que aponta como forma de intervenção sobre o domínio econômico o incentivo às cooperativas (artigo 174, §2º). Tais pilares são transpassados por vetores axiológicos que orientam a política fiscal desenvolvimentista no Brasil. Não à toa a Reforma Tributária (EC 132/2023) expressamente reiterou a competência da lei complementar (enquanto lei nacional apta à garantir os princípios constitucionais) para dar adequado tratamento tributário ao ato cooperado praticado pelas sociedades cooperativas (artigo 146, “c”), inclusive trazendo o conceito de ato cooperado ao patamar constitucional (artigo 156-A, §6º, III, “a”).
Esse contexto tributário/constitucional/econômico, foi muito bem apropriado nas manifestações recentes do STF sobre o alcance das imunidades das exportações indiretas por cooperativas. Cabe agora ao CARF, em nível de contencioso administrativo, seguir apropriando tais ideais.
Fonte: Conjur
