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12 de dezembro de 2025A transição tributária estabelecida pela LC 214/2025 inaugura um dos maiores desafios regulatórios das últimas décadas, especialmente para setores intensivos em capital como o elétrico, e tratou de disciplinar o reequilibro dos contratos administrativos firmados entre a administração pública e as concessionárias do serviço público.
Este artigo tratará especificamente do reequilíbrio dos contratos de concessão dos serviços públicos de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica firmados com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), notadamente em relação à carga tributária envolvida no desempenho das atividades das concessionárias.
Nos termos do artigo 374 da LC nº 214/2025, os contratos vigentes na entrada em vigor da Lei Complementar celebrados pela administração pública direta ou indireta da União serão ajustados para assegurar o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro em razão da alteração da carga tributária efetiva suportada pela contratada em decorrência do impacto da instituição do IBS e da CBS, nos casos em que o desequilíbrio for efetivamente comprovado.
Tais medidas são necessárias principalmente no período de transição, em que coexistirão, no sistema tributário, o IBS/ICMS, bem como a CBS/PIS e Cofins, que poderão impactar diretamente no retorno financeiro da tarifa praticada, que não mais poderão cobrir os custos necessários para o desempenho da atividade.
De acordo com a lei complementar em seu § 1º, artigo 374, a determinação da carga tributária efetiva suportada pela contratada deve considerar os efeitos da não cumulatividade nas aquisições e custos incorridos, considerando as regras de apuração de créditos e a forma de determinação da base de cálculo dos tributos; a possibilidade de repasse a terceiros, do encargo financeiro do IBS e CBS; os impactos decorrentes da alteração dos tributos no período de transição; e os benefícios ou incentivos fiscais ou financeiros da contratada relacionados aos tributos extintos pela reforma.
Vale ressaltar que tais disposições se aplicam inclusive aos contratos que já possuem previsão em matriz de risco de impactos tributários supervenientes, de responsabilidade da contratada.
Assim, verificada a majoração da carga tributária com base nas disposições acima, é possível requerer o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato com a administração pública a cada nova alteração tributária que ocasione o comprovado desequilíbrio; ou de forma a já abranger todas as alterações previstas para o período de transição, e deverá ser formulado durante a vigência do contrato e antes de eventual prorrogação.
O reequilíbrio será realizado mediante a revisão dos valores contratados; compensações financeiras, ajustes tarifários ou outros valores contratualmente devidos à concessionária; renegociação de prazos e condições de entrega ou fornecimento de serviços; elevação ou redução de valores devidos à administração pública; transferência a uma das partes de custos ou encargos originalmente atribuídos à outra; ou outros métodos considerados aceitáveis pelas partes, observada a legislação do setor ou de regência do contrato.
A lei complementar ainda permite que o reequilíbrio ocorra, a critério da administração pública, de forma provisória, de modo que a compensação econômica ser revista e ajustada por ocasião da decisão definitiva do pedido, que deverá constar a forma e os instrumentos de cobrança ou devolução dos valores pagos a menor ou a maior durante a aplicação da medida de ajuste provisório.
O § 1º do artigo 376 da LC nº 214/2025 garante às concessionárias que o pedido será decidido de forma definitiva no prazo de 90 dias contados do protocolo, prorrogável uma única vez por igual período nos casos em que seja necessária uma instrução probatória suplementar.
A despeito do artigo 376 da LC 214/2025 dispor sobre todas as alternativas que podem ser adotadas para reequilíbrio, o § 2º do mencionado dispositivo dispõe que deverá ser realizado, preferencialmente, por meio de alteração na remuneração do contrato ou de ajuste tarifário.
Assim, antes de ingressar com a análise crítica do procedimento estabelecido pela Lei Complementar, é necessário trazer à discussão, de forma breve, o procedimento adotado pela Aneel para estabelecer as tarifas, bem como os impactos da alteração na remuneração do contrato.
As tarifas cobradas pela energia elétrica, necessárias para remunerar o serviço de forma adequada, contemplam as seguintes parcelas: custo da energia, Transmissão (TUST), Distribuição (TUSD), Encargos Setoriais e Tributos (PIS/Cofins, ICMS) e Contribuição para Iluminação Pública (CIP)).
As tarifas são fixadas anualmente pela Aneel, que elabora métodos de definição para a geração, transmissão, distribuição e comercialização, levando em conta a infraestrutura desses segmentos e aspectos econômicos relacionados do setor. Para o cálculo do montante da cobrança, a Agência Reguladora estabeleceu três tipos de revisão:
Revisão tarifária periódica (RTP): ocorre a cada quatro ou cinco anos, e analisa aspectos relacionados ao setor elétrico, como investimentos realizados pelas concessionárias, custos operacionais, níveis de qualidade do serviço prestado;
Reajuste tarifário anual (RTA): ocorre quando não é realizada a RTP, e leva em consideração os custos da atividade, além de encargos setoriais e impostos, visando garantir a justa remuneração das concessionárias pelos serviços prestados, sem onerar o consumidor; e
Revisão tarifária extraordinária (RTE): tem como principal objetivo restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro das concessionárias a partir da análise de fatores que impactam diretamente os custos e as receitas da distribuidora.
Como se observa, a revisão das tarifas estabelecidas pela Aneel, não são frequentes, uma vez que ocorrem anualmente e demandam a adoção de diversos procedimentos para ser concluído, o que faz com que o impacto ocasionado pela majoração tributária não seja absorvido de imediato pela estrutura tarifária.
Em consequência, a concessionária pode suportar, por um período significativo, os efeitos financeiros decorrentes do aumento da carga tributária, arcando com custos que não estavam previstos na equação econômico-financeira original. Essa defasagem temporal entre o fato gerador do desequilíbrio e sua efetiva recomposição tarifária intensifica o risco operacional e compromete a capacidade de manutenção do equilíbrio contratual, especialmente em um ambiente de transição tributária marcado por incertezas e volatilidade.
Já em relação à remuneração contratual, que está diretamente vinculada aos parâmetros econômico-financeiros que sustentam a viabilidade do empreendimento, a sua recomposição parcial, tardia e demorada, pode comprometer o fluxo de caixa da concessionária, além de reduzir a capacidade de investimento e afetar indicadores de desempenho exigidos pelo próprio poder concedente.
Por essa razão, em ambas as hipóteses as quais a LC 214/2025 dá preferência, o procedimento estabelecido, a despeito de visar a reequilibrar o contrato firmado com a administração pública, poderá trazer prejuízos às concessionárias a curto e médio prazo, já que não se trata de medidas compensatórias imediatas.
É possível verificar, com base no que foi exposto acima, que apesar da LC 214/2025 estabelecer os procedimentos para restabelecimento do equilíbrio dos contratos administrativos, que não há qualquer “paridade de armas” entre as partes contratantes.
Como se observa pela leitura da lei, a concessionária tem apenas um “tiro certeiro” quando houver alteração da carga tributária, enquanto a administração pública poderá, de forma discricionária, decidir se houve a efetiva comprovação da majoração da carga efetiva, bem como estabelecer as regras do jogo que não estão previstas na lei.
Um ponto de extrema importância é a previsão expressa de que a administração pública poderá proceder à revisão de ofício para restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro quando for constatado que houve redução da carga tributária efetiva, suportada pela contratada.
A despeito da assegurada a manifestação da concessionária nos casos de revisão de ofício a posteriori, a parte contratada seguirá por uma “via crucis” para comprovar a majoração, enquanto a revisão no caso de redução da carga tributária será realizada de ofício, o que poderá, inclusive, ocasionar desequilíbrio e demandar um novo procedimento para garantir o restabelecimento contratual.
Ora, nos casos de majoração da carga tributária, a concessionária deverá comprovar inequivocamente que o contrato está desequilibrado, mas nos casos de redução, ao que nos parece, a administração pública possui todos os elementos para concluir pela revisão de ofício.
Diante desse cenário, considerando a periodicidade dos procedimentos de revisão tarifária pela Aneel; os procedimentos e prazos estabelecidos pela LC 214/2025, que demanda a efetiva comprovação do aumento da carga tributária; a possibilidade de revisão de ofício pela administração pública nos casos de redução da tributação efetiva, e a definição da forma e os instrumentos de cobrança ou devolução dos valores pagos, é possível concluir que existem assimetrias relevantes entre as partes contratantes que poderão causar prejuízos às concessionárias, ainda que temporários enquanto o pedido não é analisado ou uma revisão periódica não é realizada pela Aneel.
Em síntese, ao passo que a concessionária dispõe de uma única oportunidade formal para demonstrar o desequilíbrio decorrente da majoração da carga tributária, que está sujeita, inclusive, a critérios discricionários de análise e à possibilidade de indeferimento sem mecanismos compensatórios imediatos, a administração pública mantém poderes mais amplos, seja para prorrogar prazos, exigir novas comprovações ou, ainda, revisar o contrato de ofício quando identificar eventual redução do ônus tributário.
Essa estrutura normativa, embora alinhada ao propósito de preservar a modicidade tarifária e o interesse público, acaba por transferir às concessionárias riscos contratuais que extrapolam a matriz originalmente pactuada, especialmente em um ambiente de transição tributária marcado por incertezas quanto à efetiva mensuração da carga fiscal.
Assim, a aplicação da LC 214/2025, tal como desenhada, demanda atenção redobrada das concessionárias, seja na organização de provas robustas e tempestivas do desequilíbrio, seja no acompanhamento contínuo dos impactos tributários e dos procedimentos administrativos subsequentes, sob pena de comprometer a sustentabilidade econômico-financeira das concessões e, por consequência, a própria prestação adequada do serviço público de energia elétrica.
Fonte: Conjur
