O forte impacto da crise global não é suficiente para aproximar as visões de economistas ortodoxos e heterodoxos sobre o que o Brasil deve fazer para enfrentar um cenário de forte desaceleração da economia. Para Fernando Cardim de Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é hora de o governo lançar mão da política fiscal e de o Banco Central cortar juros, para estimular a demanda. Márcio Garcia, da ortodoxa PUC-Rio, vai na direção contrária, pregando cautela fiscal e monetária.
Cardim invoca John Maynard Keynes ao falar da importância da política fiscal: \”É preciso lembrar, como mostrou Keynes, que a expansão de gastos, sejam públicos, sejam privados, quando a economia está se contraindo, aumenta o produto, e, com ele, as receitas do governo\”, afirma ele, para quem seria eficaz \”a implementação de uma política de investimentos públicos, que aumentem os gastos diretamente e possam contribuir para aumentar a produtividade\”.
Garcia não vê espaço para uma política fiscal contracíclica. Segundo ele, o governo só faz aumentar gastos correntes (como pessoal e aposentadorias), o que dificulta a expansão dos investimentos. \”A equipe que assumiu depois da saída do [ex-ministro da Fazenda Antônio] Palocci parece achar que tudo é um problema de demanda, que quanto mais o governo gastar, melhor fica. Isso não faz nenhum sentido no Brasil\”, diz ele, criticando os economistas que \”se denominam keynesianos\”: \”Keynes era um sujeito muito inteligente, jamais cometeria tais erros crassos\”.
Na política monetária também sobram divergências. Cardim vê um \”comportamento quase patológico\” do BC na insistência em manter os juros mesmo com a queda das commodities e o esfriamento da demanda. Já Garcia diz que o momento é de cautela, dado o impacto desconhecido da alta do dólar nos preços. Embora afirme que os números recentes de atividade e inflação deslocam \”os pratos da balança no sentido de reduzir os juros\”, ele considera necessário uma análise \”desagregada e cuidadosa\” para definir se os efeitos são \”permanentes ou passageiros\”.
Outro ponto de discórdia é o controle de capitais. Cardim defende a medida, propondo controlar a saída de recursos de residentes e a entrada do dinheiro de quem não mora no país. Garcia diz que, com a perda de capitais, o que poderia ser feito é controlar a saída de recursos, o que ele rechaça, por considerar ineficaz e implicar quebra de contrato. A seguir, os principais trechos das entrevistas.