STF pode dar às plataformas a responsabilidade de combater a desinformação
13 de dezembro de 2024Supremo considera inválida cobrança de ITCMD sobre planos VGBL e PGBL
17 de dezembro de 2024Existe um problema na divisão federativa de receitas do ICMS com os municípios. Trata-se do rateio do Valor Adicionado Fiscal (VAF), que os estados devem repassar aos municípios por força do artigo 157, §1º, CF.
Em sua redação atual, 25% do que for arrecadado pelos estados deve ser transferido aos municípios, adotados os seguintes critérios: (a) 65% “no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios”; e (b) 35% de acordo com o que dispuser lei estadual, sendo dez pontos percentuais com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem. Desde a redação anterior dessa norma, muitos estados estabeleceram leis para o rateio desse percentual menor, hoje em 35%, que ficou conhecido como ICMS Ecológico, ou nomes semelhantes, como ICMS Verde, com vasta literatura jurídica já produzida, agora acrescido do ICMS Educacional, com literatura jurídica em construção.
O ponto a ser tratado neste texto diz respeito ao percentual maior, hoje em 65%, fruto do desequilíbrio federativo em sua apuração, o que alcança uma gama enorme de estados, nos quais existem municípios onde se localizam atividades econômicas (1) vinculadas ao setor primário da economia e (2) voltadas essencialmente para a exportação. Esses dois aspectos desequilibram o rateio federativo entre os estados e os municípios e geram desigualdade na apuração dos critérios estabelecidos. Exemplifico.
Suponhamos que no município A, situado em um estado qualquer, existam empresas que desenvolvam atividades de extração mineral. Utilizado o critério determinado pela norma constitucional mencionada, a divisão dos 65% de ICMS entre todos os municípios daquele Estado deve seguir a regra do valor adicionado em seu território. Ocorre que nessa atividade a proporção do valor adicionado é sempre gigantesca, pois praticamente não há valor inicial a ser computado nas entradas, sendo, portanto, o valor daí resultante, proporcionalmente sempre muito alto. Basta um pouco de matemática elementar: sendo zero o valor inicial (ou algo próximo disso), o número do valor final será proporcionalmente alto. Logo, o valor adicionado no território daquele município será sempre desproporcional relativamente ao conjunto de municípios daquele estado.
Apenas esse fato já acarreta um desequilíbrio em favor do município A, mas existe a segunda variável mencionada, que é a exportação. Caso a produção realizada no território desse hipotético município seja destinada à exportação, a arrecadação de ICMS será zero, pois as exportações são corretamente desoneradas. Daí resulta o segundo desequilíbrio, pois esse município, que já obteve um índice de valor adicionado proporcionalmente alto, não terá contribuído com nem um centavo para a composição do valor a ser distribuído. Desse modo, participa do rateio de um montante para o qual nada contribuiu. Em linguagem popular: vai à festa sem levar nada e come a maior parte do bolo.
O exemplo usa a atividade minerária, mas serve também para qualquer outra atividade do setor primário da economia, como as vinculadas ao agronegócio. Qual o valor adicionado fruto do nascimento de novos bezerros ou do crescimento de espigas de milho? Seguramente alto, pois o valor inicial será proporcionalmente baixo. Desse modo, a resultante será sempre alta.
Esse desequilíbrio no rateio federativo do VAF ocorre de forma completamente constitucional e legal, embora o problema persista. É um caso de mau desenho normativo, e não de aplicação errada da norma.
O estado do Pará identificou o problema e adotou uma inteligente solução normativa, pegando carona em uma norma relativa ao sistema de tributação do Simples Nacional, para o qual foi criada (por lei complementar federal, sem contestação judicial) uma presunção de valor adicionado de entrada de 32%, o que equaliza o problema federativo do rateio do ICMS referente a esse sistema simplificado de tributação.
A inteligente carona normativa foi a de adotar por lei estadual esse presumido valor adicionado de entrada para as empresas que atuam na atividade de extração de minérios. Com isso, pelo menos 32% seriam usados para diminuir o impacto no rateio federativo dentro do estado, reduzindo o percentual a ser recebido pelos municípios nos quais essa atividade ocorre, e, consequentemente, aumentando o percentual de ICMS a ser recebido pelos demais municípios.
Acontece que essa novidade normativa paraense não foi bem recebida pelo STF na semana passada. Na ADI 7.685, proposta pela Procuradoria da República e relatada pelo ministro Gilmar Mendes, o placar foi unânime pela inconstitucionalidade, tendo sido o problema muito bem exposto pelo contraditório ocorrido. O ministro Gilmar Mendes, ao finalizar seu voto, bem afirmou: “Apesar do louvável objetivo exposto pelo governador do Pará de corrigir as distorções e as dificuldades de corretamente quantificar o valor adicionado conforme previsto no artigo 1º da Lei Complementar nº 63/1990, não poderia a legislação estadual extrapolar a competência expressamente atribuída pela Constituição Federal à lei complementar”.
Em síntese: foi reconhecida a justiça da norma em busca de solução para o problema, mas o veículo normativo utilizado pelo Estado não foi adequado em face da Constituição.
Agiu bem o STF, porém o problema persiste, sendo necessário que um parlamentar federal, ou o Poder Executivo, proponha um projeto de lei complementar para o solucionar.
Fonte: Conjur