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18 de abril de 2024Um mês e meio depois que os governos do Brasil e da Argentina fumaram o cachimbo da paz e decidiram liberar de forma gradual a entrada de produtos de cada lado da fronteira em seus respectivos mercados, as alfândegas seriam novamente o cenário de demoras na liberação de produtos de ambos países. Fontes do setor automotivo disseram ao Estado que existem 40 mil automóveis Made in Argentina que aguardam a liberação das licenças não-automáticas para a entrada no Brasil. As fontes indicaram que destas quatro dezenas de milhares de automóveis, “parte está em trânsito, outros estão barrados nas alfândegas, enquanto que muitas outras unidades estão em stand by nas áreas de estacionamento das fábricas na Argentina”.
Segundo as fontes, “não dá para enviar estas unidades ao Brasil, pois, com os veículos em trânsito e os que já estão nas alfândegas, é como se fosse um tampão!” ilustrou a fonte.
Desde a segunda-feira, afirmam as fontes do setor automotivo em Buenos Aires, somente entraram 5 mil veículos argentinos no território brasileiro.
Mas desta vez, em vez de reclamar contra o Brasil, o governo da presidente Cristina Kirchner – que por seu lado também está prolongando a entrada de produtos brasileiros – minimizou as circunstâncias. Segundo fontes do Ministério da Indústria na capital argentina, existem demoras para a entrada de produtos, embora não considerem que constituam “restrições”. Segundo o governo em Buenos Aires, “existem problemas logísticos nos portos” no Brasil.
Além disso, na contra-mão das informações do setor automotivo argentino, o ministério da Indústria argentino afirma que o Brasil liberou entre a quarta-feira da semana passada e o mesmo dia desta semana um total de 18.500 unidades Made in Argentina.
De quebra, em meio à troca de informações contraditórias entre governos e empresários, a administração Kirchner argumenta que o estoque de automóveis com a entrada atrasada nos portos brasileiros é de 10 mil veículos, um quarto do total anunciado pelo setor automotivo argentino.
As fontes do setor empresarial retrucam o governo: “a liberação dos veículos Made in Argentina sempre foi lenta por parte das autoridades alfandegárias brasileiras”.
Demoras
O acordo fechado há um mês e meio entre a ministra da Indústria da Argentina, Débora Giorgi, e o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, Fernando Pimentel, implicava em uma redução substancial do período de liberação das licenças não-automáticas. A Argentina tinha pedido um prazo de 4 dias para a liberação dos veículos mas o Brasil concedeu 10. De forma geral, era um período atrativo, levando em conta que as licenças podem demorar em até 60 dias.
Na contra-mão, a administração Kirchner reiterou a promessa não cumprida em fevereiro passado, de impedir que produtos Made in Brazil passassem mais de 60 dias nas alfândegas na expectativa da liberação das licenças. Mas, em diversos casos foram registradas demoras de 90 e até 180 dias.
“Existem biscoitos e guloseimas brasileiras que estão sem liberar desde março!”, exclamou ao Estado um integrante da Câmara de Importadores da Argentina. “Os alimentos brasileiros continuam com problemas para entrar na Argentina. Além disso, existe um grande prolongamento na liberação de Yacult proveniente do Brasil”, explicaram.
Visita
As denúncias de produtos barrados na fronteira volta a despontar a menos de um mês da visita que a presidente Cristina Kirchner fará a Brasília em agosto. Na semana passada, durante visita à Buenos Aires, o chanceler Antônio Patriota afirmou que a presidente argentina iria à Brasília “entre os dias 10 ou 11 de agosto”.
Cristina aproveitará a visita para inaugurar o edifício da embaixada de seu país, já que a representação diplomática argentina esteve em instalações provisórias desde os anos 60 desde que saiu do Rio de Janeiro e foi transferida para Brasília.
As tensões bilaterais poderão ser analisadas pelas duas presidentes dentro do Mecanismo de Integração e Coordenação Brasil-Argentina (Micba) que, coordenado pelas duas chancelarias, prevê reuniões semestrais dos presidentes de ambos países para impulsar projetos prioritários de cooperação.
Conflito
A origem do conflito bilateral são as diversas barreiras protecionistas que a Argentina aplicou com intensidade desde 2004 contra a entrada de produtos Made in Brazil. O governo Kirchner, a pedidos dos industriais argentinos, aplicou uma miríade de barreiras, indo das licenças não-automáticas, passando pelos valores-critério e medidas antidumping.
Além disso, o governo Kirchner até aplicou ordens puramente verbais para reduzir a importação de alguns produtos, especialmente alimentícios provenientes do Brasil.
A ministra Giorgi aumentou o protecionismo local durante a crise mundial de 2009 e voltou a intensificar as barreiras em fevereiro deste ano. O Brasil, na ocasião, reclamou. A resposta do governo argentino foi a promessa de acelerar os prazos nas licenças não-automáticas. Mas, em maio, vendo que a promessa argentina não era cumprida, o governo brasileiro decidiu aplicar uma retaliação contra o país vizinho aplicando licenças não-automáticas para todos os veículos provenientes do exterior, inclusive a Argentina.
A medida pretendia atingir a Argentina em seu calcanhar de Aquiles, já que o setor automotivo envia ao Brasil 85% de suas exportações.
A Argentina respondeu com mais demoras na liberação de produtos brasileiros. Ao longo de maio parecia que uma nova guerra comercial de grandes proporções explodiria entre o Brasil e a Argentina. Mas, os dois governos decidiram iniciar conversas para encontrar uma saída.
O acordo de liberação gradual dos produtos foi pactuado por Giorgi e Pimentel no início de junho. Mas, um mês depois, os setores empresariais afirmam que as demoras nas alfândegas permanecem.
Alimentos
“Os alimentos brasileiros continuam com problemas para entrar na Argentina”, indicaram nesta quinta-feira fontes da Câmara de Importadores da Argentina ao Estado. “Guloseimas e biscoitos são os principais alvos. Além disso, existe um grande prolongamento na liberação de Yakult proveniente do Brasil”.
Debora Giorgi, “durona” e “implacável” com o Brasil
Desde que tomou posse do cargo de ministra da Indústria, em novembro de 2008 – em plena crise econômica mundial – a economista Débora Giorgi fez jus a seu apelido de “Senhora Protecionismo”. Nos últimos três anos ela implementou uma série de medidas contra supostas “invasões” de produtos Made in Brazil, alegando “assimetrias” entre as economias dos dois países e a necessidade de “proteger” os postos de trabalho dos argentinos.
A trajetória de Giorgi – especializada em comércio exterior – inclui uma fama de “durona” e “implacável” com o Brasil, principal sócio do Mercosul.
Essa fama tem mais de uma década, já que data dos tempos em que ocupou a Secretaria de Indústria e Comércio no governo do presidente Fernando De la Rúa (1999-2001). Na ocasião Giorgi afirmou que o governo anterior, do ex-presidente Carlos Menem (1989-99), havia sido “excessivamente permissivo e frouxo com o Brasil”. Segundo ela, o Brasil era o país responsável por supostas “invasões”, “avalanches” e “inundações” de produtos brasileiros no mercado argentino.
Bidês e chocolates
Desde sua posse como ministra do governo Kirchner Giorgi aplicou uma saraivada de medidas protecionistas contra produtos Made in Brazil tão diversos como eletrodomésticos e chocolates, entre outros. Mas também provocou demoras para a entrada de maquinaria agrícola, aplicou valores-cirtério para a entrada de bidês e vasos sanitários, além de medidas de segurança adicionais para uma série de brinquedos, entre os quais velocípedes e bonecas.
À esta lista de restrições acumulam-se barreiras existentes desde os anos prévios contra autopeças, material de transporte, calçados, toalhas, copos de vidro, baterias, lençóis, facas e diversos outros produtos. De quebra, voltaram a pairar ameaças sobre as vendas brasileiras de carne suína.