A crise internacional e seus desdobramentos sobre o setor bancário levarão a uma reconstrução da arquitetura da intermediação financeira mundial, com imensas oportunidades para as butiques de investimento. A avaliação é de José Guimarães Monforte, sócio fundador da Pragma Patrimônio, empresa que presta serviços de aconselhamento para empresas e pessoas nas áreas de gestão de recursos, fusões e aquisições e private equity. “Com as instituições internacionais enfraquecidas ou absorvidas por outras organizações, sobrará espaço para a entrada ou a ampliação da presença de casas alternativas”, afirma.
Para Monforte, a crise reduziu os diferenciais competitivos que existiam entre os bancos estrangeiros e as butiques. “Antes, era quase impossível competir com a estrutura e a imagem dos bancos estrangeiros, com sua rede internacional de investimentos ou private banking”, lembra. Além disso, a onda de redução de quadros provocada pela reorganização dos bancos e outras instituições financeiras abre espaço para que as butiques reforcem suas equipes com talentos antes indisponíveis.
A Pragma resolveu aproveitar essa oportunidade e ampliou sua equipe, que já contava com o ex-secretário da Fazenda paulista e do Tesouro Nacional, Eduardo Guardia, além de Luiz Francisco Guerra, José Paschoal Rosetti, Peter Löhken Fernando Musa e Aloísio Camargo. Paulo Tenani veio do UBS para ser o responsável pelas análises econômicas da casa, e Rubens Cavalieri da Merrill Lynch, para cuidar da área recém-criada de Finanças Corporativas.
A empresa surgiu em 2007 a partir da Janos Participações, empresa criada por Monforte para cuidar dos recursos dos donos da empresa de cosméticos Natura. O objetivo é dar aconselhamento a empresários e famílias sobre questões envolvendo o futuro das companhias e das fortunas.
Isso inclui desde orientação para alocação de recursos até consultoria para reestruturação, governança corporativa, abertura de capital e fusões e aquisições de empresas. “Não captamos recursos nem distribuímos papéis, só orientamos o que os clientes devem fazer”, explica Monforte.
Com 40 anos de experiência no mercado de capitais e passagens por vários bancos de investimento como Citibank e Merrill Lynch, Monforte é o principal nome da Pragma e até pouco tempo atrás presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Muito respeitado, o executivo viveu uma situação delicada no ano passado, com os problemas vividos por uma das empresas que assessorou para abrir o capital, a trading Agrenco. Executivos da empresa, inclusive seu controlador, foram presos acusados de fraudes em operações de exportação.
Ao mesmo tempo, a empresa, que abriu seu capital já quando o mercado acionário começava a piorar, não conseguindo captar tudo o que planejava e, carregando a dívida do adiantamento dado pelo banco para o IPO, entrou em uma séria crise financeira. O próprio Monforte chegou a assumir o comando da Agrenco por alguns meses tentando uma solução, sem sucesso, e a empresa acabou pedindo concordata.
“Às vezes o martelo bate no cravo, outras na ferradura, mas posso dizer que acertei mais vezes no cravo”, diz Monforte, lembrando do sucesso obtido com a abertura de capital da Natura, que se tornou modelo no mercado. Para ele, o caso não abalou a confiança dos clientes. “Continuo como conselheiro de várias empresas – Natura, Grupo Martins, Vivo e JHSF – e todas reafirmaram a confiança no meu trabalho”, afirma.
Para Monforte, o Brasil passa por uma fase muito positiva, com economia estável e muitas empresas fazendo a sucessão da primeira para a segunda ou terceira geração, o que cria mercado para as consultorias. Os bancos devem também se concentrar cada vez mais em produtos e atendimento padronizados para os clientes. “Numa estrutura grande, ou você padroniza ou perde o controle dos processos”, diz.
Enquanto isso, as butiques, onde o cliente fala diretamente com os sócios e onde a relação de confiança é maior, vão conquistar mais espaço. Fusões como as de Itaú e Unibanco e Santander e Real também ajudam, diz Monforte, pois abrem espaço para quem oferece serviços alternativos.
Sobre a crise atual, Monforte tem uma visão particular, que leva em conta todas as turbulências vividas desde 1998, quando a derrocada do fundo hedge Long Term Capital (LTCM) quase quebrou o sistema financeiro mundial. “Em cada crise, houve uma forte injeção de recursos nos mercados, o que levou o último ciclo de crescimento, iniciado em 2001 a ser muito mais intenso do que deveria ser”, explica. Isso significa que o processo de ajuste dos preços, inflacionados pela forte oferta de recursos, deve ser mais longo do que os anteriores. “Vamos demorar para voltar a crescer e corrigir a curva, que estava muito para cima, e agora tem de ir muito para baixo para compensar”, afirma.
Monforte acredita que a recuperação mundial deve levar dois ou três anos. Um dos pontos a serem observados é a questão do dólar, uma vez que cada plano de ajuda aos bancos e à economia traz uma nova enxurrada de moeda. “Há um excesso de dólar e será preciso ver no futuro próximo como isso vai afetar a moeda, talvez com uma perda de valor”, diz.
Para ele, o mundo vai assistir a três fases da crise. A primeira, de reativação do sistema financeiro, seguida de uma fase de recessão por conta do aumento da inadimplência e, para completar, uma terceira, de recuperação do patrimônio dos bancos. “Não devemos deixar de passar ainda por algum grau de nacionalização dos bancos americanos”, diz.
No Brasil, haverá uma retomada do crescimento, mas com qualidade mais baixa e menos intensa. Já os mercados aqui podem se recuperar antes, uma vez que o cenário econômico local é mais previsível que no exterior.
De qualquer maneira, a Pragma está privilegiando aplicações de curto prazo, não adicionando risco às carteiras dos clientes. “Temos apenas alguns aportes pontuais em algumas ações que achamos muito baratas”, diz. Ele cita como de maior potencial os setores de bens de consumo com valor unitário baixo e ativos da nova economia – ou seja, vinculados à sustentabilidade, como energia renovável, mercado de carbono e projetos de reflorestamento. Há também oportunidades em infraestrutura.