A alta dos juros básicos da economia deu um empurrão na aplicação financeira mais popular do país, a caderneta de poupança. Em 2013, o volume de depósitos feitos nessa modalidade de investimento superou os saques em R$ 71,047 bilhões, um recorde histórico. Apenas em dezembro, a chamada captação líquida chegou a R$ 11,2 bilhões, também o maior resultado para um único mês desde 1995, quando o Banco Central (BC) começou a fazer esse levantamento.
As marcas refletem uma situação até há pouco tempo incomum no país: se antes o brasileiro era conhecido como gastador, agora está poupando cada vez mais. Para especialistas, essa mudança é sintoma dos efeitos da crise financeira mundial na economia brasileira. Durante o período de dinheiro farto, até 2008, as famílias aproveitaram a facilidade da oferta do crédito para contrair dívidas que, mais à frente, se mostraram impagáveis. Sem ter como arcar com os compromissos, consumidores acabaram dando calote. A inadimplência chegou ao maior patamar histórico em meados de 2012. À época, milhões de endividados não viram outra saída que não devolver para o banco o bem financiado, em especial automóveis.
“O gosto amargo da perda fez o brasileiro se dar conta de que era preciso constituir uma reserva financeira para momentos de incerteza”, disse Silvio Paixão, especialista em finanças pessoais e professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). Não por acaso foi um pouco antes do pico da inadimplência que a poupança começou a bater recordes de captação líquida. Faz exatos 22 meses, desde fevereiro de 2012, que os depósitos na caderneta superam os saques consecutivamente.
Já naquele ano houve recorde de captação líquida: R$ 49,7 bilhões. Isso mesmo com a mudança na fórmula de correção dos depósitos, que foi proposta pelo Planalto para que o BC pudesse derrubar os juros básicos da economia para a mínima histórica, de 7,25% ao ano – patamar que durou apenas seis meses, até abril de 2013. Pela fórmula antiga, sempre que a taxa Selic caísse abaixo de 8,5% ao ano, o governo acionaria um gatilho condicionando a correção da poupança ao pagamento de 70% dos juros básicos mais a Taxa Referencial (TR). A regra, apesar de mais complexa do que a correção antiga, que determina o pagamento de 0,5% ao mês mais TR, não serviu para afastar clientes da aplicação. Pelo contrário. Os depósitos na caderneta continuaram, mês a mês, a superar os saques.
Impulso
Um novo impulso para a aplicação ocorreu em agosto de 2013, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC decidiu elevar a taxa básica de juros para 8,5% ao ano. Acabara ali, depois de 15 meses, a chamada “nova fórmula” de correção. Ao voltar ao mecanismo antigo, a caderneta ficou ainda mais atraente para o investidor. Em um intervalo de um ano, a rentabilidade da poupança aumentou 49%. Em janeiro de 2013, a correção chegou ao piso de 0,4134% ao mês. Já os depósitos com aniversário a partir de 6 de janeiro deste ano têm rentabilidade estipulada de 0,6155% ao mês, segundo cálculo divulgado ontem pelo BC. “Vale lembrar que só existe correção para depósitos que ‘dormirem’ um mês inteiro no banco. Antes desse prazo você pode até retirar o dinheiro aplicado, entretanto, não vai ter rentabilidade alguma, mas também não perde nada”, explicou o especialista em finanças pessoais Ricardo Rocha, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).