O presidente Donald Trump abusa de superlativos para definir o seu plano de paz para o Oriente Médio — histórico ou acordo do século – mas a proposta está fadada ao fracasso. Chega um tanto atrasada, no último e mais tumultuado ano de seu mandato, como mais uma manobra unilateral sem a participação dos palestinos, moldada para beneficiá-lo e também o aliado israelense, Benjamin Netanyahu.
Ambos estão chafurdados num pântano de crises internas e buscam uma saída para limpar a imagem diante do eleitorado. Porém, ainda em Washington, a situação de Netanyahu se agravou e tornou-se dramática.
A menos de dois meses de enfrentar a terceira eleição em um ano, ele retorna a Israel como o primeiro chefe de governo a ser indiciado em três processos de corrupção. Agora, mais do que nunca, precisa assegurar um novo mandato para salvar a própria pele.
No início deste mês, Netanyahu surpreendeu aliados e adversários políticos ao pleitear o foro privilegiado para protegê-lo dos tribunais. O pedido seria analisado nesta terça-feira (28) por um comitê parlamentar. Pressentindo a derrota, o premiê novamente se antecipou e retirou o pedido de imunidade, horas antes do início do debate.
A desistência abriu caminho para o procurador-geral Avichai Mandelblit levar adiante os três processos contra o premiê, por fraude, suborno e quebra de confiança, e colocá-lo no banco dos réus.
Prestes a ser julgado, pela Justiça e pelo eleitor, o primeiro-ministro agarra-se ao prometido plano de paz do Oriente Médio, patrocinado por Trump e capitaneado por seu conselheiro e genro, Jared Kushner, como uma missão histórica.
A divulgação da proposta dos EUA foi postergada em diversas ocasiões pelo impasse político em Israel. Em três anos à frente da Casa Branca, Trump respaldou o aliado como pôde, também de olho no eleitor evangélico pró-Israel.
Reconheceu Jerusalém como capital do país e transferiu para a cidade a sede da Embaixada americana. Cortou ajuda financeira aos palestinos. Retirou o rótulo de ilegalidade dos assentamentos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, apoiou a soberania israelense nas Colinas do Golã.
Por estas razões, não é de se estranhar a ausência dos palestinos na apresentação do acordo de paz na Casa Branca. Na semana passada, Trump disse apenas ter “conversado brevemente” com a liderança palestina. Mas, além do premiê israelense, ele convocou a Washington seu adversário político nas eleições de 2 de março.
Inicialmente, Benny Gantz, líder do partido Azul e Branco, cogitou recusar o convite por considerar o momento da divulgação do plano de paz uma interferência direta dos EUA na campanha eleitoral israelense. Mas nenhum candidato pode se dar ao luxo de esnobar o presidente americano. Gantz foi, ouviu Trump e aproveitou para atacar o primeiro-ministro:
“Netanyahu vai a julgamento, precisamos seguir em frente. Os cidadãos de Israel têm uma escolha clara: um primeiro-ministro que trabalhará para eles ou um primeiro-ministro trabalhando para si mesmo. Ninguém pode governar um Estado e, ao mesmo tempo, administrar três casos criminais graves por suborno, fraude e quebra de confiança.”
Trump, por sua vez, administra um processo de impeachment, que corre no Senado, por abuso de poder e obstrução do Congresso. Sua situação também se complicou após a divulgação de trechos de um livro de John Bolton, ex-conselheiro de Segurança Nacional, revelando que o presidente americano condicionou a liberação da ajuda militar à Ucrânia à investigação sobre o filho de Joe Biden. A pressão pelo depoimento de Bolton voltou a agitar o Capitólio.
Rejeitado por palestinos, o plano de paz da Casa Branca para o Oriente Médio pode até servir para distrair momentaneamente eleitores de Trump e Netanyahu. Mas é improvável que, sob as circunstâncias em que é anunciado, promova a estabilidade na região.