Reforma tributária: início da próxima ‘tese do século’
9 de dezembro de 2025ATAQUE À SEGURANÇA JURÍDICA: O ACÓRDÃO DO TCU QUE VIOLA A LEI DA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA E AMEAÇA A ESTABILIDADE ECONÔMICA DO PAÍS
9 de dezembro de 2025Após concluída a fase deliberativa no Congresso, o Projeto de Lei 2.490/2022 vai à sanção presidencial. Tal proposição visa alterar o Decreto-Lei 401/1968 para dispor sobre a responsabilidade pela retenção e pelo recolhimento do Imposto sobre a Renda na fonte incidente sobre os juros remetidos para o exterior devidos em razão da compra de bens a prazo.
Vale lembrar que o Decreto-Lei 401/1968, que altera dispositivos da legislação do Imposto sobre a Renda e dá outras providências, dedica-se, especificamente nos artigos 8º, 9º, 10, 11 e 13, ao regramento da arrecadação nas fontes desse tributo (IRRF).
O PL 2.490/2022, por seu turno, tem como único foco o artigo 11 do mencionado diploma de 1968 e a proposição se resume a dois artigos, sendo que o primeiro aperfeiçoa o mecanismo de arrecadação (retenção na fonte) e o segundo dispõe sobre o aspecto temporal da modificação legislativa (início da vigência).
Tais mudanças ilustram o quadro comparativo abaixo colacionado:
Decreto-Lei 401/1968 Projeto de Lei 2.490/2022
Art. 1º O art. 11 do Decreto-Lei nº 401, de 30 de dezembro de 1968, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art 11 Está sujeito ao desconto do impôsto de renda na fonte o valor dos juros remetidos para o exterior devidos em razão da compra de bens a prazo, ainda quando o beneficiário do rendimento fôr o próprio vendedor. “Art 11. Sujeita-se à incidência do Imposto sobre a Renda na fonte o valor dos juros remetidos para o exterior devidos em razão da compra de bens a prazo, ainda quando o beneficiário do rendimento for o próprio vendedor.
Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo consideram-se fato gerador do tributo a remessa para o exterior e contribuinte o remetente. Parágrafo único. É responsável pela retenção e pelo recolhimento a fonte remetente do rendimento, que atuará como retentora do imposto, conforme o disposto no parágrafo único do art. 45 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional).”
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
No âmbito infralegal, por sua vez, a tributação é disciplinada pelo Regulamento do Imposto sobre a Renda no capítulo dedicado aos “rendimentos de residentes ou domiciliados no Exterior”, especificamente na Seção IV, que cuida “dos rendimentos de financiamentos” (Decreto 9.580/2018, Capítulo V, artigos 760 e 761). O §1º do artigo 761 do Regulamento do IR reproduz a “ficção legal” encartada no parágrafo único do artigo 11 do DL 401/1968, confira-se: “§ 1º Para fins do disposto neste artigo, considera-se fato gerador do imposto sobre a renda a remessa para o exterior e contribuinte, o remetente, hipótese em que não será aplicado o reajustamento de que trata o art. 786”.
Destaca o fato de que a legislação federal a ser modificada pelo PL 2.490 vige há quase seis décadas. Em plena Ditadura, exatamente no mês do rompimento da ordem constitucional, perpetrada por meio do Ato Institucional 5, é editado o DL 401/1968. Arnoldo Wald sintetizou o cenário do início da vigência desse dispositivo legal em estudo publicado em 1973:
Até 1968, o problema específico da tributação de juros decorrentes de financiamentos realizados por empresas estrangeiras a companhias brasileiras tinha tido solução jurisprudencial.
Finalmente, salientaram os Tribunais que para a companhia brasileira, devedora dos juros, não havia qualquer lucro, mas, tão somente, uma despesa, que, evidentemente, não podia ser tributada.
A conclusão lógica foi a seguinte:
a) Os credores estrangeiros não pagam o imposto de renda, pois o lucro foi produzido fora do Brasil e as empresas estrangeiras, sediadas no Exterior, não são contribuintes do imposto de renda;
b) Os devedores nacionais não podem ser tributados, pois não realizam lucro algum, não tiveram rendimento, limitando-se, ao contrário, a arcar com uma despesa operacional.
Pretendendo combater essa jurisprudência, que se tinha tornado mansa e pacífica, dispôs o Decreto-Lei n. 401 de 1968.
O fim colimando com a modificação na legislação do Imposto sobre a Renda em 1968, de nítido caráter do que hoje se denomina de reação legislativa ao entendimento jurisprudencial dominante, foi tributar os juros remetidos ao exterior em decorrência da compra de bem a prazo, situação que encontrava óbice na disciplina normativa concernente à tributação internacional.
Embora a norma em comento já sofresse severas críticas de juristas desde os primeiros anos de vigência, o regramento legal em tela resistiu ao longo de décadas, inclusive superou a pecha da inconstitucionalidade em julgamento do Supremo Tribunal Federal nos idos de 1973.
No Superior Tribunal de Justiça, a exegese do diploma de 1968 também ensejou vertical debate, sendo marcantes os julgamentos no âmbito da 2ª Turma (2017) e da 1ª Seção (2023), nos quais foram assentados, além do dever de entidade imune de reter o imposto sobre a renda em remessa de juros ao exterior, o “erro de técnica legislativa” e a “impropriedade técnica” do artigo 11.
É nesse panorama que houve proposta de anteprojeto de lei dirigida à Comissão de Juristas, presidida pela ministra Regina Helena Costa, a qual foi responsável pela elaboração de anteprojetos de proposições legislativas que modernizem o processo administrativo e tributário (CJADMTR). Tal comissão foi criada por ato conjunto dos presidentes do Senado, senador Rodrigo Pacheco, e do STF, ministro Luiz Fux.
Em que pese a proposta extrapolasse o escopo dos trabalhos da comissão (não tinha como foco normas de direito material), a manifestação apresentada restou validada pelo colegiado e, de igual modo, abraçada pelo senador Rodrigo Pacheco, sendo a iniciativa formalizada como projeto de lei (PL 2.490/2022), cuja Exposição de Motivos 10/2022 detalha que:
Ao definir contribuinte e fato gerador, porém, o faz de forma atécnica, em conflito com as definições trazidas com as normas gerais tributárias, em destaque o art. 43 do Código Tributário Nacional.
A figura do Remetente, por sua vez, restaria sob duvidosa perspectiva, por um lado a literalidade do parágrafo único do art. 11 do Decreto-Lei n. 401, seria então o contribuinte, por outra via, o beneficiário residente no exterior seria o contribuinte, por ser aquele que possui relação pessoal e direta com o fato gerador (art. 121, parágrafo único, I, do CTN), restando ao remetente a figura do retentor de tributos (art. 45 do CTN).
almeja findar com a problemática ao promover um ajuste redacional do dispositivo, harmonizando as quadras do próprio artigo e trazendo coerência ao mecanismo de praticidade tributária ali contido (retenção de tributo), o qual passará, caso acatada, a exibir conformidade com os demais diplomas de regência da matéria, dentre eles o Código Tributário Nacional, o Decreto-Lei n. 5.844/1943, e a Lei n. 9.249/1995.
O regramento tributário em análise é um exemplo de que a forte aptidão acomodativa decursiva do tempo mostrou-se incapaz de sanar a falha de técnica legislativa. Além disso, resta cristalino que a harmonia do sistema tributário deve ser buscada incansavelmente, exatamente para que a disciplina normativa possibilite que os mecanismos de arrecadação minimizem a judicialização e prestigiem os princípios constitucionais da simplicidade e da justiça tributária (CF, artigo 145, § 3º, incluído pela EC 132/2023).
O PL 2.490/2022 encarta esses propósitos, notadamente ao promover a harmonia entre uma vetusta hipótese de arrecadação na fonte do Imposto sobre a Renda e os ditames, de igual modo longevos, do Código Tributário Nacional (artigos 45 e 121).
Fonte: Conjur
