ADI 5.161 – A DISTRIBUIÇÃO DE DIVIDENDOS É LÍCITA e INDEPENDE DO DIRECIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO DE PASSIVOS – SEGURANÇA JURÍDICA
28 de outubro de 2025Mandato vitalício dos ministros da Suprema Corte dos EUA é discrepância global
29 de outubro de 2025No julgamento do Recurso Especial nº 2.223.719/SP, ocorrido em setembro deste ano, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça enfrentou dois temas de grande relevância para o Direito Empresarial, especialmente em um país como o Brasil, onde cerca de 90% das empresas possuem perfil familiar (IBGE): se o cônjuge não sócio tem direito à partilha dos lucros e dividendos distribuídos após a separação de fato, quando as cotas da sociedade empresária foram adquiridas na constância da união; e se é admissível a aplicação conjunta da metodologia do fluxo de caixa descontado e do balanço de determinação na apuração de haveres em ação de dissolução parcial de sociedade, na omissão do contrato social.
Tratou-se, na origem, de ação de dissolução parcial de sociedade cumulada com apuração de haveres, ajuizada pelo recorrente Renato Belleza Basile em face de Martinelli Assessoria Administração Imobiliária Ltda. e outras. Em síntese, a sociedade era composta pela ex-cônjuge de Renato, Rosana Martinelli, com quem era casado sob regime comunheiro. Com a separação, Renato teria direito à meação sobre as cotas sociais de titularidade de Rosana, uma vez que foram adquiridas no curso da união.
O juízo de origem recebeu a ação de dissolução parcial da sociedade empresária, fixando a data da separação de fato do casal como marco para a apuração dos haveres, e definiu o balanço de determinação como metodologia a ser aplicada, diante do silêncio do contrato social a respeito, por aplicação do artigo 606 do CPC. Quanto aos lucros distribuídos pela sociedade, determinou que o recorrente fazia jus apenas aos valores até a data da separação de fato, não havendo que se falar em pagamento de valores referentes a períodos posteriores. O TJ-SP manteve integralmente a decisão.
Irresignado, o recorrente sustentou as teses de que: teria direito à meação dos lucros e dividendos distribuídos pela sociedade à ex-esposa após a separação de fato, em atenção ao disposto no artigo 1.027 do Código Civil, sob pena de enriquecimento sem causa; e que a metodologia do fluxo de caixa descontado seria a que melhor refletiria o valor atual das participações societárias, considerando o objeto social voltado à prestação de serviços.
Neste artigo, adiantamos que, quanto ao segundo ponto controvertido do recurso — a imposição da metodologia do fluxo de caixa descontado —, não nos aprofundaremos. Ressalta-se, contudo, que o resultado do julgamento concluiu pela aplicação do artigo 606 do CPC, uma vez que o ato constitutivo da sociedade era omisso quanto ao método de apuração de haveres, devendo ser aplicada exclusivamente a metodologia do balanço de determinação.
Quanto à forma de apuração de haveres, o STJ tem aplicado de forma consistente a disposição legal do artigo 606 do CPC, quando não há previsão contratual diversa, como demonstrado também em 2025 no julgado a seguir, cujo trecho de ementa se transcreve:
- Na dissolução parcial da sociedade, a apuração de haveres se processa na forma estipulada no contrato social, em razão do princípio da autonomia da vontade e da força obrigatória dos contratos. Ausente a previsão contratual ou havendo a mera reprodução do dispositivo legal, deve-se adotar o balanço de determinação como critério de apuração, uma vez que o sócio não pode receber valor diverso do que receberia, como partilha, na dissolução total. Precedentes.
Isso posto, é recomendável que, caso haja discordância quanto ao método de apuração adotado no balanço de determinação, se busque desde logo a consultoria de profissionais habilitados. Idealmente, a indicação do melhor método deve ocorrer casuisticamente, por uma equipe multidisciplinar, envolvendo advogados, contadores e outros especialistas, de modo a refletir com precisão o valor patrimonial das cotas e possibilitar a resolução da liquidação em tempo hábil, sem onerar excessivamente nenhuma das partes, seja em termos de tempo, seja de recursos financeiros ou perdas decorrentes do litígio.
Já quanto ao primeiro questionamento trazido pelo recorrente, relativo à meação dos lucros e dividendos distribuídos pela sociedade à ex-esposa após a separação de fato, o julgado aborda um aspecto importante e de grande interesse para os(as) empresários(as) em nosso país, independentemente de o(a) ex-cônjuge ser ou não sócio(a) da empresa: será que terei que dar metade dos meus lucros para o(a) “ex”, mesmo após a separação de fato? (leia-se, no popular, “saído de casa”).
O que muitos não sabem é que, quando nos casamos sob o regime de comunhão, seja ele universal ou parcial, o famoso “divide tudo adquirido depois de casar”, também chamado de “regime legal” por ser o aplicado na ausência de pacto antenupcial, há a formação de um condomínio de bens, iniciado justamente com a decretação da partilha dos bens comuns por ocasião do divórcio, a qual não extingue o condomínio desses bens. Nesse sentido, cita-se o seguinte trecho de ementa do STJ:
4 – Havendo separação ou divórcio e sendo possível a identificação inequívoca dos bens e do quinhão de cada ex-cônjuge antes da partilha, cessa o estado de mancomunhão existente enquanto perdura o casamento, passando os bens ao estado de condomínio. 5 – Embora ainda não operada a partilha do patrimônio comum do casal, é facultado a um dos ex-cônjuges exigir do outro, que estiver na posse e uso exclusivos de determinado imóvel, a título de indenização, parcela correspondente à metade da renda de um presumido aluguel, devida a partir da citação. Precedentes.
Esse mesmo raciocínio aplica-se às empresas, conforme muito bem explicado no voto da relatora: “Por ocasião do divórcio, decretada a partilha das cotas sociais, o ex-cônjuge recebe as participações societárias em seu aspecto patrimonial, mas não tem o direito de participar das atividades da sociedade, pois não se torna sócio. Em tais situações, o ex-cônjuge é tido como ‘sócio do sócio’, uma vez que não ingressa na sociedade empresária, mas instaura-se uma ‘subsociedade’ entre cônjuge sócio e não sócio. Situação jurídica similar à de condomínio dos direitos patrimoniais das cotas de capital social do sócio original”.
Nesse sentido, após a separação de fato do casal, o cônjuge não sócio fica alijado da partilha dos frutos, embora ostente direito patrimonial ao valor representativo das cotas sociais adquiridas no curso da união. O legislador restringiu os efeitos da partilha das participações societárias ao estabelecer, no artigo 1.027 do Código Civil, que o cônjuge de sócio não poderia exigir, de imediato, a parte que lhe caberia nas cotas sociais por ocasião da dissolução do vínculo conjugal.
Garantiu ao ex-cônjuge, na parte final do dispositivo, a participação na divisão periódica dos lucros da sociedade empresária até que se liquide a sociedade. Isso porque, se fosse garantido ao ex-cônjuge exigir imediatamente o valor que lhe caberia, poderia haver prejuízo à preservação da empresa, que perderia importantes recursos de seu caixa.
Cabe também trazer um adendo contido no voto da relatora, sobre o artigo 608 do CPC, o qual, “ao possibilitar ao cônjuge não sócio o imediato exercício por meio da proposição de apuração de haveres, revogou a previsão contida no dispositivo da legislação civil que espelhava verdadeiro prejuízo à sociedade e ao ex-cônjuge, ao permitir o prolongamento de uma situação excepcional e desfavorável”. Assim, manteve-se inalterada, todavia, a parte final do artigo 1.027 do CC, que garante ao cônjuge do sócio “concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade”.
Assim, preservando os aspectos patrimoniais relativos ao direito de família, o STJ consolidou que, “embora o procedimento de dissolução parcial da sociedade seja reservado aos sócios, e o ex-cônjuge não seja considerado sócio, diante da inexistência de outro procedimento mais adequado à avaliação das participações societárias para fins de partilha, é possível que o ex-cônjuge maneje a ação de dissolução parcial para apurar os haveres do cônjuge sócio e, por sua vez, a correspondente meação”.
Resumidamente, o STJ assentou que “se o ex-cônjuge ostenta direito patrimonial sobre as cotas sociais adquiridas no curso do casamento, tem direito à participação nos lucros e dividendos distribuídos pela sociedade até a apuração dos haveres e efetivo pagamento, momento em que se encerra o condomínio das cotas”.
Analisando o caso concreto, as partes estão separadas de fato desde 9 de fevereiro de 2018 e, embora incontroversa a meação do recorrente referente à expressão venal das participações societárias da recorrida, não houve, até o momento, o efetivo pagamento de seus haveres. Todavia, nessa considerável janela de tempo de mais de sete anos, o recorrente viu seu patrimônio imobilizado, enquanto a ex-cônjuge permaneceu no gozo exclusivo dos frutos comuns.
Assim, concluiu-se que “logo, ao recorrente é garantida a meação dos lucros e dividendos distribuídos à ex-cônjuge sócia, correspondentes às participações societárias comuns, desde a data da separação de fato até a efetiva apuração dos haveres e pagamento da expressão econômica das cotas sociais. Outra fórmula implicaria, na espécie, em enriquecimento sem causa da recorrida, com o que não se coaduna o Direito, por expressa previsão do art. 884 do CC”.
Nesse contexto, entende-se que a decisão foi acertada, pois obriga o ex-cônjuge que permanece como sócio na empresa, cujas cotas foram adquiridas na constância do matrimônio, a repartir a meação dos lucros com o outro ex-cônjuge, que também é condômino dessas cotas. Além disso, a decisão evita que a situação se prolongue “ad eternum”, como ocorreu no caso concreto, em que a liquidação da sociedade se estendeu por sete anos, prevenindo o enriquecimento sem causa.
Fonte: Conjur
