O mercado deu aval à nova interpretação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre as chamadas pílulas de veneno (ou poison pills, no original em inglês). Assim, investidores que adquirem participações relevantes em empresas diretamente na bolsa, podendo depois partilhar ou assumir seu controle já começam a prospectar negócios.
Recentemente, algumas transações foram desestimuladas por cláusulas pétreas nos estatutos das companhias. Foi o caso da tentativa de compra do controle da Positivo Informática pela chinesa Lenovo. No entendimento da autarquia, que ontem encerrou período de audiência pública sobre o tema, as cláusulas pétreas – aquelas que deixam brechas para punição de acionistas que votem por sua derrubada – não terão mais efeitos práticos.
De acordo com o parecer de orientação da CVM, ao obrigar um acionista a votar a favor da manutenção da cláusula pétrea, esses estatutos ferem a autonomia das assembleias. “O que a CVM fez foi corrigir uma excrescência”, ressalta Érica Gorga, professora da área de mercado de capitais da faculdade de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Uma pesquisa da especialista com empresas listadas nos três níveis diferenciados de governança concluiu que 22 possuem cláusulas pétreas em seus estatutos. “É cedo para concluir se bons negócios deixaram de ser feitos. Mas o que as atuais regras fazem é privilegiar demais os atuais controladores das empresas, praticamente impedindo trocas de controle”, diz.
Há, no entanto, especialistas mais otimistas em relação aos efeitos imediatos do parecer de orientação da CVM. “Acho que, a partir de agora, passaremos a ver o aumento de fusões e aquisições em ambiente de bolsa”, projeta Thiago Sandim, sócio do Lefosse Advogados, que assessora investidores globais interessados em investir em diversos setores, e que já percebe o aumento do apetite desses fundos em ativos ligados a infraestrutura e imóveis.
O posicionamento da autarquia é positivo para investidores, mas não elimina possíveis confrontos com acionistas minoritários de empresas que derrubarem as cláusulas pétreas, lembra Felipe Demori, sócio da Leblon Equities. “Os minoritários ainda podem recorrer ao Poder Judiciário. Mas a CVM dá uma sinalização positiva ao mercado”, diz.
A interpretação do órgão sobre as cláusulas pétreas não impede, porém, que as companhias mantenham em seus estatutos as regras atuais. A retirada deve acontecer à medida que haja interesse em receber novos sócios. Em dezembro, por exemplo, a consultoria de imóveis Lopes eliminou uma de suas pílulas de veneno. No entanto, como a mudança foi feita antes do parecer da CVM, a empresa manteve em seus estatutos a cláusula pétrea.
Para o Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri), a medida é salutar, embora precise ser aprimorada. “Somos a favor, mas levamos uma ponderação à CVM. Sugerimos que a assembleia que for marcada para alterar o estatuto seja realizada por quórum qualificado, com dois terços dos acionistas”, diz Julia Ferreti, presidente da comissão técnica da entidade. “Há acionistas que entram em uma empresa tendo como principal atrativo o fato dela ter capital pulverizado. Por isso, é importante que a mudança aconteça em um ambiente em que a maioria certamente saiba o que está sendo alterado”, justifica a executiva, que também é superintendente de RI do Banco Fibra.
Para não entrar em contradição com o parecer da CVM, os regulamentos dos níveis diferenciados de listagem da BM&F Bovespa, que estão em pleno processo de revisão, também devem trazer alterações sobre como proceder com as pílulas de veneno. “O objetivo é que os contratos de adesão a níveis mais elevados de governança sejam baseados nas melhores práticas”, diz Luiz Leonardo Cantidiano, coordenador da câmara consultiva da bolsa. Para o ex-presidente da CVM, embora o parecer emitido pela autarquia não seja lei, não há sentido que seu conteúdo confronte com as novas regras.